"Enquanto o modo de produção for capitalista, continuará sendo verdade que é o trabalho vivo que acrescenta
valor novo aos meios de produção, e que é ele que
transfere o valor desses meios de produção para
o valor das mercadorias, conservando-o"
(Antônio Prado, economista)
Como sabemos, o dinheiro é uma mercadoria.
Da mesma forma que uma mercadoria sensível, tem seu valor (não necessariamente seu preço) representado por tempo de trabalho abstrato nela incorporado, o dinheiro, como representação numérica do valor, também representa tempo de trabalho abstrato nele representado. Desconectado disto o dinheiro é falso, ainda que oficialmente chancelado.
A diferença entre uma coisa e outra é que o dinheiro se constitui numa abstração pura, a mercadoria que serve como equivalente geral e detentora de apenas valor de troca, enquanto que a mercadoria sensível tem, além do valor de troca, também valor de uso.
Paradoxalmente, aquilo que é abstração pura, o dinheiro, é aquela mercadoria que compra todas as outras diretamente, numa prova inconteste de que o capital não passa de uma relação socialmente convencionada, sem substancia real e que existe apenas graças à elaboração do pensar. E só.
Mas, o dinheiro acumulado se transforma em capital e passa a ter uma dinâmica própria e função financiadora da produção e do crédito. Uma delas é a transformação de capital destinado ao crédito em capital fictício, assim denominado porque tem uma dinâmica de auto-reprodução própria, a partir de si mesma (capital=capital acrescido).
O capital fictício é uma aposta de extração de mais-valia futura, daí a sua eterna condição de capital de risco. A dinâmica de auto-reprodução do capital fictício, autotélica por excelência, portanto, depende de fator externo para se tornar viável, fundada na chamada economia real, ou economia produtora de mercadorias.
Dentro de uma conceituação simplória, capital fictício é a representação de valores em dinheiro que financia, mediante cobrança de juros (o preço da mercadoria), o tomador do empréstimo.
Desde o início da década de 1980, o crescimento do capital fictício, que sempre andou relativamente colado com a produção de mercadorias numa quantificação paralela ao Produto Interno Bruto das nações (até nos Estados Unidos), tomou uma linha ascendente desconectada com a dita cuja, tornando-se um montante de capital muitas vezes maior do que pode ser resgatado pela economia real, ou seja, pelo valor-trabalho.
Tal fenômeno resulta na falta de liquidez dos financiamentos. Assim, o capital fictício se torna cada vez mais fictício, transformando-se numa bola de neve que, mais cedo ou mais tarde, desabará sobre o sistema de forma devastadora. Muito disso se deve à dívida pública estatal crescente, cujos valores são irresgatáveis no presente e cada vez mais se prenunciam como irresgatáveis também no futuro.
A dívida pública contribui para este fenômeno e tem carreado recursos dos aplicadores privados para o seu financiamento permanente (rolagem da dívida). Assim, proporciona ao capital fictício um escoadouro dos capitais e recursos privados, que já não encontram aporte na chamada economia real.
Todos continuarão crendo que seus investimentos estão assegurados pelas aplicações no sistema financeiro bancário ou pela compra direta de títulos do Tesouro, até o dia em que for evidenciada a incapacidade de pagamento da dívida pública, quando os bancos e o próprio Estado cientificarão os seus aplicadores da impossibilidade de devolução dos valores aplicados. Será o início do Juízo Final capitalista.
Num determinado dia do futuro, ainda que isto demore décadas, o mundo despertará com a notícia do crash financeiro mundial, o qual, aliás, já esteve próximo de ocorrer quando da crise de liquidez do subprime em 2008/2009.
Tal crise derivou da necessidade de criação de uma bolha financeira que estimulava o financiamento imobiliário sob as bases meramente especulativas dos valores dos imóveis, desconectada do custo real de construção, como forma de geração de lucros para o capital fictício. O capital tem de necessariamente sem emprestado e devolvido com os acréscimos dos juros, sob a pena de simplesmente se evaporar como valor válido.
O estouro da crise de liquidez da dívida pública e dívida privada mundial no futuro (próximo?) corresponderá à explosão de uma bomba atômica no sistema financeiro, desintegrando-o; fará a crise de 2008/2009 parecer o estouro de uma bombinha de festa junina.
A verdade é que a economia real já não é capaz de obter um nível de extração de mais valia e lucro suficiente para remunerar o capital fictício na sua totalidade, daí o Estado haver se tornado o grande receptáculo desses capitais..
Alemanha, 1923: dinheiro jogado fora. |
O RISCO DE PERDA
DO RECONHECIMENTO
SOCIAL DA MOEDA
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Os sintomas da falência sistêmica se podem sentir por todos os lados. Eles vão desde o desemprego estrutural, passando pela depressão econômica (há uma previsão pessimista para o PIB mundial em 2017), pela falência das finanças públicas e pelas falências empresariais, e chegando até a consequência chocante de um movimento migratório que supera inclusive aquele havido durante e após a 2ª Guerra Mundial.
Entretanto, todos esses sintomas são sustentados pela institucionalidade apoiada na força militar. As guerras generalizadas e os distúrbios civis sufocados pela força são exemplos disto.
Mas há algo que é motivo de preocupação ainda mais perturbadora para todo o sistema. Trata-se do risco da perda de reconhecimento social da moeda.
O fantástico movimento especulativo do mundo financeiro sem correspondência com o valor-trabalho já está gerando fissuras na estrutura do complexo edifício financeiro mundial; no futuro, poderá conduzir os detentores de capital (em moeda e títulos) a uma espiral inflacionária (do dinheiro) e deflacionária (dos títulos) que corresponderá a uma hecatombe financeira.
O capital financeiro encontra graves dificuldades de reprodução de valor válido aumentado, razão pela qual já se empresta dinheiro na União Europeia a juros negativos.Segundo a economista Maria de Lourdes Rollemberg Mollo, o desenvolvimento do capital fictício não pode ser ilimitado. E ela explica o porquê:
Profª Mollo: rumo à espiral inflacionária. |
"Sua valorização decorre de demandas sustentadas por rendas provenientes do processo produtivo (lucros e salários elevados lá gerados). Se o crescimento da produção se atrasa relativamente à valorização do capital fictício, faltará demanda para sustentar novas valorizações e novos ganhos, o que termina por conduzir seus proprietários a vender seus papéis, desencadeando a espiral deflacionária que explicita a crise. A crise consequente é, pois, a forma brutal de estabelecimento dos limites à autonomia da circulação relativamente à produção".
A análise da falta de conexão entre o capital fictício e a produção de mercadorias pode ser feita a partir de dados oficiais e de modo simples, sem qualquer sofisticação. Basta que nos debrucemos sobre o montante da dívida pública dos países da União Europeia; do Japão; dos Estados Unidos; e da dívida privada da China, medida em mais de uma centena de trilhões de dólares americanos e a compararmos com o PIB desses países.
A conclusão óbvia é que não há como se gerar valor-trabalho capaz de honrar tais dívidas, e que mais cedo ou mais tarde elas transformar-se-ão de capital fictício em fumaça, da mesma forma que alguém vê evaporar como fumaça os valores de suas ações em períodos de queda acentuada nas bolsas de valores. Eles simplesmente desaparecem graças as suas condições abstratas e artificialidades.
Este é um calcanhar de Aquiles do capitalismo que, por sua debilidade explosiva, deve estar preocupando muito mais os defensores do sistema do que a insatisfação social mundial crescente.
Havendo um descrédito social nas principais moedas internacionalmente aceitas (como aconteceu com o marco alemão no curso da 2ª Guerra Mundial) todo esse gigantesco edifício financeiro ruirá, causará uma devastação no capitalismo mundial que não poderá ser contida simplesmente pela força das armas, de vez que até os exércitos tornar-se-ão carentes de financiamento com valor válido. (por Dalton Rosado)
Um comentário:
Essas periódicas esterelizações de capital, ocorreram, ocorrem e ocorrerão sempre que estourar uma bolha financeira.
Nada catastrófico sucederá. O mundo não vai acabar e nem sequer ficar mais pobre.
E as consequências das desvalorizações serão suavizadas,cada vez mais, devido ao incremento de produtividade advindo do avanço tecnológico.
Os lugares que não aceitaram essa renovação constante que a riqueza impõe são bem conhecidos dos companheiros.
Os que não ruiram do dia para noite, dando um presente de natal ao mundo, simplesmente mudaram de lado sub-repticiamente.
Tranquilo Dalton, o bicho não é tão feio quanto parece.
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