Num domingo sem notícia nova relevante (pelo menos segundo os parâmetros deste blogue), vou alongar um pouquinho o rescaldo do Caso Battisti.
Só para constatar que meu post sabatino, Se a Itália for mesmo a Haia, sairá de mãos abanando, foi duas vezes confirmado pela grande mídia.
Como vocês podem verificar, ele foi ao ar às 2h57 da madrugada, ou seja, antes dos jornalões disponibilizarem suas edições de sábado na internet -- além de apenas condensar um artigo escrito pelo nosso bom Carlos Lungarzo cinco meses atrás.
O conhecimento que ele tem das cortes internacionais o levou a desmascarar o blefe do recurso ao Tribunal Internacional de Haia logo da primeira vez em que a Itália o colocou em circulação.
E, com meus meios, conclui que o Lungarzo estava certíssimo, então publiquei de imediato o artigo dele naquela época e voltei a citá-lo agora, sem o mínimo receio de antecipar que a Itália daria/dará com os burros n'água indo por tal caminho.
Mas, para a grande imprensa, o Lungarzo e eu não merecemos ser levados em conta num assunto de Direito Constitucional e Direito Internacional, alegadamente por não temos certificação nenhuma como especialistas nessas áreas, e realmente porque ela quer mesmo é calar ou minimizar o outro lado tanto quanto consiga fazer sem dar muito na vista...
[McCarthy e Nixon morreram, mas o macartismo e suas listas negras ainda não acabaram, pelo menos no Brasil.]
Nossa falta de expertise certificada não impede a grande mídia de ter estado sempre um ou vários passos atrás de nós ao longo de Caso Battisti. Praticamente todas as bolas que cantamos, resultaram. Quem acompanhou a nossa cobertura, soube sempre o que iria acontecer muito antes dos leitores de jornalões, revistonas e tevezonas.
E isto acaba de se repetir mais uma vez.
A Folha de S. Paulo foi atrás do professor de Direito Constitucional da FGV Direito-Rio, Joaquim Falcão, e o que ele escreveu? Isto:
"O caminho mais rápido para ir a Haia é o consensual. A Itália terá que provar que o Brasil aceitou antes este caminho. O tratado bilateral de extradição de criminosos, que fundamentou a decisão do Brasil, não prevê Haia.Donde ou o Brasil voluntariamente aceita a competência do Tribunal de Haia, o que é pouco provável, ou a Itália encontra outro documento provando que o Brasil já aceitou ir a Haia.Na convenção sobre os refugiados, o Brasil aceitou ir a Haia. O ex-ministro Tarso Genro concedeu refúgio, mas seu ato foi anulado. A decisão do presidente não foi com base na convenção de refugiado. Foi com base no tratado bilateral de extradição. Argumento contra argumento. Documento contra documento.A Itália quer prorrogação no campo de Haia. Para o Brasil, o campeonato já se encerrou no campo do Supremo. E agora?A estratégia jurídica de ir ou não a Haia será resultado de uma análise de risco político. Por um lado, a necessidade do polêmico governo italiano de se legitimar junto aos seus eleitores. Por outro, se for e Haia não aceitar o caso, indiretamente confirma-se a decisão do Brasil.E, se aceitar, Haia provavelmente confirmará a decisão do Brasil. O governo italiano perderá. Em vez de protestar contra o Brasil, vão protestar contra Haia. E la nave va".
A BBC Brasil também andou à cata de especialistas. Que, por outras palavras, bateram nas mesmíssimas teclas -- apesar de o segundo deles ter feito campanha cerrada contra Battisti durante todos estes anos, como escudeiro do linchador Mino Carta (como agora o que lhe pediam era uma avaliação, preferiu manter a douta pose...).
Eis o principal da matéria da BBC:
"O professor de Direito Internacional da Escola de Direito de São Paulo (Direito GV) Salem Nasser, no entanto, vê poucas chances da Itália efetivamente recorrer a Haia para obter a extradição de Battisti.'Não parece que o que está em jogo seja suficiente para a Itália ir à corte', diz Nasser. 'O processo é muito desgastante, caro e longo.'...segundo Nasser, dois países vão a julgamento em Haia somente se ambos aceitarem igualmente a jurisdição do Tribunal Internacional, algo que ele vê como pouco provável.Esta aceitação seria compulsória caso o tratado de extradição entre Brasil e Itália previsse Haia como foro de arbitragem sobre conflitos envolvendo este acordo. No entanto, segundo o Itamaraty, o tratado não confere jurisdição ao Tribunal.Segundo o jurista Wálter Fanganiello Maierovitch, o máximo que o Tribunal de Haia pode fazer é emitir uma declaração de que o Brasil descumpriu o tratado de extradição, caso assim o entenda - o que não obrigaria a entrega de Battisti à Itália.'A Itália vai à Corte para cumprir uma agenda', afirma o jurista. 'Isso pode gerar um acordo entre os países, ou um pedido de desculpas por parte do Brasil, mas pra ter uma decisão com efeito vinculante, seria necessária uma aceitação pelo Brasil', diz.'Agora, será que o governo brasileiro está disposto a sujeitar à Corte Internacional uma decisão tomada pelo seu presidente, referendada pelo Supremo? Acho pouco provável.'"
Resumo da opereta: a grande imprensa brasileira inteira deu ouvidos a mais uma fanfarronice da Itália, que provavelmente nem sequer se concretizará -- ou vai ser levada a cabo apenas para efeitos propagandísticos, sem a mais remota possibilidade de êxito.
E, claro, estas avaliações de especialistas serão lidas por poucos, mas a espuma que a Itália fez com seu papo furado, logo depois do anúncio da decisão do STF, atingiu contingentes muitíssimo mais amplos.
Aqueles que se informam ligeiramente, foram induzidos a acreditar em bobagens; e gente desse tipo não continua acompanhando o caso nos dias posteriores, quando surgem os desmentidos, com destaque bem menor.
Enfim, foi mais fácil para nós, um punhado de justos, obtermos uma vitória quase impossível, do que fazermos a verdade penetrar na cabeça da maioria mesmerizada pela imprensa canalha.
Mesmo assim, contando apenas com a minoria consciente que atingimos via internet, já estamos conseguindo ganhar quedas de braço contra reacionários de dois continentes e seu imenso poder de fogo.
O que mais faremos só depende de nós.
Sejamos realistas, tentemos o impossível...
Um comentário:
Caro, CL
Essa vitória, ao meu ver, não seria possível se no lugar do Lula estivesse o Serra ou o Alckmin. Portanto, o ato corajoso de Lula e seu governo no caso Battisti foi condição sine qua non para esse desfecho.
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