quarta-feira, 9 de março de 2011

UMA DITADURA É UMA DITADURA É UMA DITADURA

Esqueçam geopolítica, petróleo, EUA, Israel, China e outras abordagens que reduzem um povo a mero peão no tabuleiro internacional.

O que está acontecendo na Líbia é, nada mais, nada menos que a versão 2011 de uma luta milenar: a do homem contra a tirania.

Os rebeldes enfrentam um déspota bestial e brutal. O povo está de um lado. Gaddafi, o genocida, do outro.

É isto, e só isto, o que realmente importa.

Não quem levará vantagem com sua eventual vitória dos rebeldes. Não como isto alterará o equilíbrio de forças no Oriente Médio. Não como isto afetará a economia mundial.

Nós, que sempre defendemos o direito que tínhamos de pegar em armas contra os tiranos de 1964/85, não podemos, com justificativa nenhuma e sob nenhum pretexto, negar o mesmo direito ao heróico povo líbio.

Foi o que me veio à mente ao ler este singelo relato de um correspondente. Do tipo que me acostumei a encontrar sempre que civis desarmados se levantam contra uma ditadura armada até os dentes:
"RONALDINHO" DE AL ABYAR VAI À LUTA E VÊ CARREIRA TERMINAR
Marcelo Ninio

A visão de jogo e a habilidade com a perna esquerda valeram ao agricultor Mohamed Ali o apelido de "maestro" no time de futebol amador de sua cidade natal, Al Abyar, no leste da Líbia.

Há dois dias, ele decidiu largar a lavoura e o futebol, juntou companheiros do time Al Hagdar ("o verde", em árabe) e foi à luta.

Mas, desarmado e sem treinamento, virou alvo fácil da artilharia pró-Gaddafi.

Deitado nesta terça-feira num hospital de Ras Lanuf, Ali sabia que seus dias de glória nos gramados da terceira divisão líbia jamais se repetirão.

A hábil perna esquerda estava enfaixada de alto a baixo, dilacerada por um projétil de 12,5 mm -- geralmente utilizado por armas de artilharia antiaérea.

"Fomos a pé e desarmados para a linha de frente", afirmou Ali, 29, numa descrição sem firulas da missão suicida. "Não conseguimos fuzis, então decidimos nos juntar à revolução com a ajuda de Alá", continuou.

Num dos muitos exemplos da obstinação e do despreparo dos rebeldes, o agricultor conta que pegou uma camionete emprestada e dirigiu 150 km até Bin Jawad, cidade que é dominada pelas forças leais a Gaddafi.

Ao passar pela última barreira rebelde, ele e seus companheiros na empreitada desceram da camionete e continuaram a pé, para chamar menos atenção. Sem planos nem armas.

Ali conta que os disparos começaram do nada, e um deles atingiu em cheio sua perna esquerda. Os companheiros o arrastaram por cerca de cinco quilômetros, até que uma ambulância apareceu e o recolheu.

Era o fim, dramático, da carreira futebolística do maestro de Al Abyar.

"Me chamavam de Ronaldinho, porque era bom nas cobranças de falta. Agora isso acabou", lamentava o agricultor. "Espero que, pelo menos, também seja o fim de Gaddafi".

5 comentários:

Revistacidadesol disse...

Celso: achei que vc fosse marxista, ou que gostasse de colocar as coisas em seu contexto histórico, mas esse primeiro parágrafo me mostra q vc gosta de abstrações.

Eu analiso que Kadafi é parte de uma burguesia nacionalista que governou com autoritarismo. Nos países subdesenvolvidos, a burguesia tende a se dividir em duas, uma mais simpática a um projeto nacional, outra não. A outra facção, mais simpática ao imperialismo, que ergue a bandeira do rei cupincha e que ao que tudo até pede uma invasão do império --me parece ser aquela que está estimulando o povo, revoltado com razão com a oligarquia.

Por isso, nesse momento me coloco contra Kafafi, também, mas não a favor dessa outra solução e sim de projeto democrático popular progressista para Líbia.

Não se esqueça, por exemplo, que quando Lula era esnobado por todos os chefes de estado do mundo, Kafafi, Ortega e Fidel se dignavam a recebê-lo, o que foi um fortaleceu a luta da América Latina contra o inimigo comum. Por isso vejo como positiva iniciativa de Chávez de defendê-lo. Acho frágil e abstrata sua análise de povo contra a tirania.

Abs!

celsolungaretti disse...

A liberdade não é uma abstração, companheiro. Considero-a um dos valores fundamentais para os revolucionários, ao lado da justiça social.

Poderíamos enveredar por uma longa discussão sobre a ditadura do proletariado -- se foi um aprofundamento ou uma deturpação dos ideais marxistas.

Mas, no mundo de hoje, jamais teremos os melhores seres humanos ao nosso lado acenando-lhes com a perspectiva de fechamento político. Ninguém mais quer isso. Ditaduras são arcaísmos, excrescências, aberrações.

Não falei em momento algum sobre o projeto ideal para a Líbia, mesmo porque cabe ao povo líbio encontrar seu caminho.

Mas, é obrigatória a derrubada de Gaddafi (e, se for apanhado com vida, seu julgamento como genocida).

Trata-se de uma besta humana, do tipo de Pol Pot. Seu olhar homicida diz tudo sobre ele.

Lembra a frase célebre sobre Jânio Quadros: é mais feio ainda por dentro do que por fora.

celsolungaretti disse...

Algo que faltou dizer na resposta anterior.

O Secretário de Estado americano Cordell Hull teria dito, a respeito do ditador Trujilo (da República Dominicana) que "ele pode ser um filho da puta, mas é nosso filho da puta".

Revolucionários não pensamos assim. Para nós, filho da puta é filho da puta mesmo, pouco importando do lado de quem esteja.

Caso do Gaddafi.

Ronaldo disse...

É fantástico o fenômeno revolucionário... São necessárias condições muito específicas para que ele deflore, afinal o "homem" está no poder há mais de 40 anos e não foi há 10 nem há 20 que se deu essa "revolta" generalizada e generalizante. Tem que "rolar" toda uma conjuntura, e, é claro, os abutres imperialistas farão de tudo pra "tirar uma casquinha" da situação. Agora, é saber como anda o nível de organização da resistência, para saber até onde esse "espasmo" revolucionário pode levar seu povo.

Ronaldo disse...

Nesse tocante, o caso Egípcio é bem ilustrativo. O "problema" deles era (me parece!) com a figura do presidente, no caso líbio ao que tudo indica, o problema não é questionar o governo, e sim o Estado.

Abração, Celso.

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