Ninguém há de me calar
Se alguém tem de morrer
Que seja pra melhorar
Tanta vida pra viver
Tanta vida a se acabar
Com tanto pra se fazer
Com tanto pra se salvar
Você que não me entendeu
Não perde por esperar"
(Geraldo Vandré)
Antes tarde do que nunca, vou deixar o comedimento de lado e revelar algo que é realmente original e diferenciado na minha atuação de 55 anos como articulista.
Tudo começa em 1967, quando, com 16 anos de idade, ingressei no movimento secundarista, fazendo trabalho de conscientização política na minha escola (o Colégio Estadual MMDC, no bairro paulistano da Mooca).
Em 1968 meu foco passou a ser toda a Zona Leste de São Paulo, por meio da Frente Estudantil Secundarista, que gravitava em torno da Dissidência Universitária encabeçada pelo Zé Dirceu.
E, às vésperas do AI-5, eu e os sete outros dirigentes da FES/Zona Leste iniciamos contatos com organizações da esquerda armada, pois percebíamos que a ditadura militar logo se radicalizaria a ponto de tornar suicida o trabalho de massas convencional.
Decidimos ingressar na Vanguarda Popular Revolucionária e fui escolhido pelos meus companheiros secundaristas para representar nosso grupo no congresso de abril/1969 da VPR, ainda como convidado, pois caberia ao comando que então fosse eleito aprovar a filiação de nós oito. Éramos doze os participantes, inclusive o ex-capitão do Exército Carlos Lamarca.
Lamarca, o capitão da guerrilha. |
Nada no meu passado me qualificava para tanto. Só conhecia a atividade de Inteligência pelos filmes do 007 e livros do Graham Greene e John le Carré. Mas tratei de qualificar-me para a tarefa da melhor forma possível.
Acabei percebendo que tinha boa intuição quanto a cenários que prevaleceriam no futuro, tanto que, mal chegado na Organização, fui o primeiro a identificar nas chamadas Teses do Jamil as melhores respostas para os desafios da luta armada naquele instante.
Endossei enfaticamente, num documento de circulação interna, aquela proposta pela qual os companheiros passavam batidos, dando o pontapé inicial para o racha da VAR-Palmares e reconstituição da VPR.
Desde então, já lá se vão 55 anos em que venho apontando para a esquerda quais os cenários futuros que predominarão, dando-lhe tempo para correções de rumo que ela, contudo, quase nunca faz, continuando a encaminhar-se para desastres anunciados.
Ciente de que não tenho força política para aproveitar devidamente essas visões antecipatórias, tento alertar os vários partidos e organizações de esquerda para o que tende a acontecer, dando-lhes tempo para extrair o melhor proveito das mudanças à vista. Quase sempre sou ignorado e o que havia de ruim para ocorrer, acaba ocorrendo; já as chances que tínhamos de adquirir vantagens no jogo político são desperdiçadas.
Dou um exemplo. Em meados de 2014 já percebi que a anacrônica política econômica neodesenvolvimentista de Dilma Rousseff no seu primeiro mandato presidencial incubara uma aguda recessão com a qual ela, reeleita, não saberia lidar. Embora eu tivesse sérias restrições ao Lula, várias vezes escrevi em apoio à ala do PT que tentava convencê-lo a ser ele o candidato, em lugar da trapalhona Dilma.
Esta gerentona trapalhona abriu a porta para o Bozo |
Por vaidade, arrogância ou absoluta falta de autocrítica ela insistiu em ser candidata mas, mal acabava de ser reeleita, traindo promessa de campanha, ofereceu o Ministério da Fazenda a um neoliberal de segunda categoria, Joaquim Levy, na esperança de que ele corrigisse as lambanças cujas consequências ela deixara como herança maldita para si mesma.
Imediatamente cantei a bola: como sucedera no governo de João Goulart, o estranho no ninho seria imobilizado e, em seguida, abatido pelo fogo amigo (CUT, MST, MTST, etc.).
Com isto, a recessão não pararia de agravar-se, até tragar a presidente, como outrora tragara o Jango. Dito e feito.
Depois, no mesmo domingo (17 de abril de 2016) em que a Câmara Federal aprovou a abertura do processo de impedimento de Dilma Rousseff eu já escrevi que, ultrapassada a barreira mais difícil (dois terços dos deputados teriam de votar pró impeachment), todas as restantes seriam igualmente transpostas.
Mas, claro, a Dilma preferiu seguir prejudicando a esquerda até o mais amargo fim, a colher derrota após derrota na longa marcha para o pé na bunda definitivo. E Michel Temer, assumindo o poder, implicitamente preparou o terreno para a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro, o pior presidente brasileiro de todos os tempos.
Marçal, o bad boy provocador. |
Como eu venho advertindo desde o 08.01.2022, Jair Bolsonaro só continuaria sendo o principal líder da extrema-direita brasileira enquanto não surgisse um substituto que expressasse melhor a tosca visão de mundo desses brucutus desmiolados.
Isto porque o Bozo já desiludira seus seguidores mais radicais ao:
-- convocá-los para um golpe de Estado e refugar ridiculamente em dois Dias da Pátria seguidos (os de 2021 e 2022);
-- ao reprogramá-lo para 08.01.2023, mas tomando o cuidado de colocar-se longe da encrenca enquanto sua boiada ia para o matadouro (prisões); e
-- ao deixar bem evidenciado que sua prioridade, desde então, está sendo a de recuperar a elegibilidade, a ponto de deixar o Lula em paz e apontar toda a sua artilharia na direção do Xandão.
Então, era extremamente promissor o cenário para qualquer congênere confrontá-lo e arrebatar-lhe a liderança ultradireitista. Só precisava existir alguém apto para tanto.
E o papel caiu como uma luva para o Marçal, que tem credibilidade radical ainda intacta e é bem melhor do que o Bozo em tudo, pelo menos segundo o figurino fascista.
Assim, no final de agosto já afirmei que, vencendo ou não o pleito, e mesmo que não chegue sequer ao segundo turno, Marçal sairá da eleição municipal como o favorito a disputar a eleição presidencial na condição de novo mito dos ultradireitistas tupiniquins.
Está certa a Eliane Cantanhêde ao avaliar que Marçal já conseguiu plenamente o que buscava:
"Do início ao fim, Marçal centralizou os debates, jogou as discussões para o campo das agressões e fake news, desorientou as campanhas dos adversários, deixou os institutos de pesquisa inseguros e virou o foco de toda a mídia, inclusive com a cadeirada que levou de Datena e do soco de seu assessor na cara do marqueteiro de Nunes".
E o desafio que Marçal nos lança vai muito além de obrigar-nos apenas a evitarmos que ele ocupe a cadeira de prefeito.
A verdadeira missão da esquerda não é caçar votos, mas sim fazer-se presente nas ruas confrontando incansavelmente o projeto fascista de sociedade.
Urge cumpri-la, pois, por enquanto, estamos permitindo que os inimigos nadem de braçadas. (por Celso Lungaretti)
10 comentários:
Marcelo de Azevedo Granato - Marçal é sintoma de uma sociedade sem esperança
O Estado de S. Paulo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2024/09/marcelo-de-azevedo-granato-marcal-e.html
Victor Jara 28 September 1932
https://fromthevaults-boppinbob.blogspot.com/2024/09/victor-jara-born-29-september-1932.html
¿Qué puede ofrecer la izquierda en un mundo en colapso?
https://elpais.com/opinion/2024-10-02/que-puede-ofrecer-la-izquierda-en-un-mundo-en-colapso.html
Grande Celso!
Estava com saudade de suas análises.
No caso do marcial (até o nome entrega) o claro objetivo é projetá-lo para isso que você falou: a corrida presidencial.
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E a companheira Dilma recebeu a medalha da amizade do Xi Jin Ping.
De A Chinesa para medalha chinesa, um grande avanço.
Não sei se você já conheceu gente assim, só que menos bem sucedida.
A confirmação viva do princípio de Peter.
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Por falar em retrocesso e "decadence avec elegance" a elite já não sabe o que fazer para arranjar valor válido que não seja falsificar dinheiro.
Agora uma guerra sem pé nem cabeça no oriente médio.
Tudo para vender míssil (um milhão cada, ou mais) e levantar artificialmente o preço do petróleo que, como o carvão, está sendo jogado de volta no fosso do atraso, de onde nunca deveria ter saído.
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E os caras achando máximo a solução (criada em 1900) de simplesmente trocar as baterias do carros elétricos descarregada por outras já carregadas para garantir a autonomia em viagens.
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Você não acredita nisso, mas parece que o espírito de Tesla e outros pioneiros da eletricidade está de volta.
Devaneios.
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Meu projeto Do Capinzal ao Florestal está seguindo.
Mas agora seria das cinzas ao florestal pois tocaram fogo numa floresta, que pulou para um pasto e pegou minha gleba cheia de palha seca.
Porém tenho novas mudas e um barraco quase pronto para levar para lá e poder passar mais tempo no campo.
Perdi apenas um ingazeiro e um cajueiro. As demais fruteiras estavam protegidas ou são muito resilientes.
Em novembro reinicia o ciclo de plantios.
O bom é que vi os pendões de sementes do capim-sapé.
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Plantei algumas poucas fruteiras na vida e todas elas me deram e dão grandes alegrias.
Acho que fiz e continuarei fazendo algo revolucionário.
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'The Economist'
The Americas | A long shadow
Jair Bolsonaro still shapes Brazil’s right wing
Would-be successors are pandering to his fans
https://www.4shared.com/s/fkzjIIDUcku
Hoje no Globo: Pois é Celso, o Merval leu você anteontem
https://gilvanmelo.blogspot.com/2024/10/merval-pereira-o-fator-marcal.html
https://aterraeredonda.com.br/coach-politica-neofascista-e-traumaturgia/
https://aterraeredonda.com.br/diplomas-para-os-que-resistiram/
Meu caro SF,
é bom saber que os meus artigos ainda despertam saudades. Nos maus momentos, chego a temer que já esteja tudo dominado pela direita hidrófoba x patrulheiros cricris nos extremos e pelos cérebros bem lavados pela democracia burguesa no meio.
De que nos importa, afinal, quem vá ser o burromestre? A companheirada ainda não cansou desse engana-trouxas, depois de todos os burros anteriormente eleitos? Por que ajudarmos o sistema na sua faina para tentar fazer-nos crer que suas eleições de cartas marcadas tenham alguma importância real?
Fico profundamente enojado ao perceber que a grande imprensa continua determinando os assuntos que mobilizam os internautas. Canso de levantar temas importantes, ninguém ligar e um ou dois meses depois todo mundo estar discutindo-os porque entraram na pauta de jornalões, revistonas e máquinas de fazer doidos.
A única consequência significativa que a eleição municipal paulistana poderá ter é aquela que eu fui o primeiro a apontar: a possibilidade de o Marçal desalojar o Bozo da liderança da extrema-direita.
Isto porque a bancada fascista quer confrontar a decisão do TSE, que puniu o palhaço psicopata com a inelegibilidade. Então, se ele sair fortalecido da eleição municipal poderá haver uma colisão do Congresso com o STF, capaz até de repetir o choque dos Poderes que serviu como justificativa para a imposição do AI-5.
Se o Marçal sair fortalecido e o bufão esvaziado, essa armadilha tende a ser desarmada. O que nos daria tempo para nos prepararmos melhor para as quedas de braço com a extrema-direita. No momento, a correlação de forças é extremamente desfavorável para nós.
Mas, como cantaram os Mutantes, "essas pessoas da sala de jantar estão ocupadas em nascer e morrer". E não enxergam um palmo à frente do nariz.
Eu deveria estar plantando árvores, como você. Espalhar sementes no pantanal político é perda de tempo.
https://www.ihu.unisinos.br/644350-o-que-a-esquerda-pode-oferecer-num-mundo-em-colapso-artigo-de-eliane-brum?utm_campaign=newsletter_ihu__03-10-2024&utm_medium=email&utm_source=RD+Station
https://gilvanmelo.blogspot.com/2024/10/vinicius-torres-freire-marcal-e.html
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