sexta-feira, 31 de maio de 2024

"O MAR, QUANDO QUEBRA NA PRAIA, É BONITO, É BONITO", CANTOU CAYMMI. HOJE CONTINUA, MAS A BELEZA TERÁ PREÇO.

rui martins
PRIVATIZAR AS PRAIAS É
 INCONSTITUCIONAL, DIZ ESPECIALISTA
Continuamos nas águas. 
Depois das inundações no Rio Grande do Sul –agravadas pelo desrespeito do governo estadual às normas ambientais e pela anulação de leis reguladoras em caso de excesso de chuvas, para favorecer plantadores de soja, criadores de bovinos, madeireiros e construtores imobiliários, dentre outros–, agora é a vez das águas salinas do nosso litoral.

As costas brasileiras, com a beleza de suas praias imortalizada por músicos e poetas, sempre chamaram a atenção de navegadores e turistas. E acabaram por despertar o interesse guloso de alguns políticos, talvez impressionados com a gratuidade dessas áreas, verdadeiros lugares paradisíacos que, se bem administrados, podem render milhões aos seus proprietários.

O resultado foi a Proposta de Emenda Constitucional 39|2011, dos deputados Arnaldo Jordy, José Chaves e Zoinho, com o objetivo de pôr fim aos terrenos chamados de marinha, extensões com 33 metros de largura a partir da maré alta nas praias ou ilhas e da cheia nas margens dos rios, que passariam a pertencer gratuitamente aos estados ou municípios. 

Tal PEC já foi aprovada há dois anos pela Câmara federal e agora está no Senado, bem perto de se transformar em lei. Se houver o mais do que provável veto do presidente Lula, a dita cuja retornará ao Senado e só deixará de ser lei, caso haja recurso ao STF por inconstitucionalidade.

E qual o problema, se essas áreas pertencentes à União ou ao governo federal, sujeitas a inundações, não são habitáveis? Ora, a imprensa em geral, os canais independentes e as redes sociais estão dando destaque porque, embora a justificativa da proposta omita, é uma artimanha para se privatizar o litoral brasileiro e restringir-lhe o acesso. 

Noutras palavras, quer-se tirar do povo a utilização gratuita das praias, tornando restrito ou pago o banho de sol à beira do mar, o entrar na água e furar as ondas. Será o fim de um dos poucos prazeres gratuitos dos pobres.

Os grandes empreendimentos hoteleiros, os Cancuns da vida, querem cercar as melhores praias, tornando-as privativas de seus hóspedes. Aliás, condomínios de Paraty e da região de Laranjeiras outrora já tentaram cercar a área das praias, mas foram impedidos pela Justiça.

E não só os banhistas pobres de fim-de-semana vão perder o direito de jogar um futebol na areia: serão também proibidos os vendedores ambulantes e os donos de barracas com água, sucos e sanduíches. A privatização do litoral criará empecilhos aos pescadores, aos surfistas, vai impedir o acesso às ilhas e estragar o domingo de muita gente. Impossibilitará, ainda, o controle ambiental de áreas litorâneas como mangues e pantanais.

O relator da proposta é o senador Flávio Bolsonaro, que nega a intenção deliberada de se privatizar as praias. Uma volta pelas redes sociais, exceto as bolsonaristas, mostra, contudo, haver um clima de grande preocupação, daí  a possibilidade de se mobilizar o povo contra tal pulo do gato. O Observatório do Clima qualifica essa PEC de pacote da destruição (ambiental).
Praia exclusiva para brancos, dos tempos em que
ainda existia o regime do apartheid na África do Sul 

 
Jair Bolsonaro sempre a apoiou, pois um de seus sonhos privatistas era o de transformar a praia de Angra dos Reis numa Cancun brasileira. Ele queria atrair sheiks árabes, artistas, milionários, jogadores de futebol, empresários, que poderiam ter sua casa à beira do mar com praia privada, protegida por muros ou cerca!
 
O comentarista político Leonardo Sakamoto foi enfático no UOL: "Se isso for aprovado pelo Senado, será um retrocesso absurdo. Mas a tendência é ser aprovado, dado o tamanho interesse econômico nisso".

De acordo com o advogado constitucionalista Thiago de Paula, essa questão já foi tratada indiretamente pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar o recurso extraordinário 636199, envolvendo ilhas de importância para o território brasileiro. Daquela vez se considerou a regulação dessas propriedades da União como cláusulas pétreas da Constituição, que não poderiam ser modificadas.

Ou seja, se a questão das terras de Marinha for levada ao STF, é bem provável que seus ministros considerem a PEC como inconstitucional por ferir uma questão muito sensível no que tange à segurança e à proteção ambiental das costas brasileiras. (por Rui Martins)

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