terça-feira, 30 de abril de 2024

CINEMA, MULHERES E OPRESSÃO NO IRÃ

Ao tomar conhecimento da escolha de um novo filme do cineasta iraniano Mohammad Rasoulof para a mostra competitiva do 77º Festival de Cinema de Cannes (A semente da figa sagrada, 2024), eu me lembrei imediatamente do Festival de Berlim de 2020, do lugar onde estava sentado com minha esposa, do cinema repleto e da projeção de Não há mal algum, desse mesmo diretor. 

E me recordei também da mochila que alguém colocou ao meu lado no corredor –eu estava na ponta de uma fileira de lugares–, me deixando tenso, com receio de a mochila explodir. O filme ganhou o Urso de Ouro!

Rasoulof não pôde estar presente à projeção de sua obra e nem mesmo ir a Berlim para receber o prêmio máximo do festival. Como recompensa por tal conquista, Mohammad foi preso alguns dias depois e a imprensa internacional alertou para o risco de Rasoulof ser contaminado com o vírus da covid na prisão.

Naquele festival havia um filme brasileiro (Era Todos os Mortos, de Caetano Gotardo e Marco Dutra), um dos últimos a participar de competições cinematográficas internacionais, em consequência da censura ou cortes de verba para a Ancine e para produtores. 
 
Nos corredores, me encontrava com a produtora Sara Silveira, inquieta com o futuro do cinema brasileiro sob o Bozo, decidido a acabar com as subvenções para a cultura e forçar a privatização desse setor, colocado sob o controle de evangélicos dispostos a censurar toda manifestação cultural fora das quatro linhas da Bíblia. 

O cinema brasileiro há de recuperar-se dos anos obscurantistas. E o Irã, deixará Mohammad Rasoulof ir a Cannes mostrar a semente sagrada?
Protestos contra a morte na prisão de Mahsa Amini,
detida em 2022 por cobrir a cabeça de forma incorreta
 
Nos meus primeiros anos de exílio em Paris, quando frequentava a rue Saint Guillaume, onde fica a Sciences Po, ia sempre encontrar amigos na livraria Maspero, almoçar num dos restaurantes universitários e discutir política nos cafés do Quartier Latin, 

Todos nós éramos contra o xá Rheza Pahlevi. Longe estávamos de imaginar que a entrega do Irã ao aiatolá Khomeini iria levar à teocracia islâmica, onde se perseguem cineastas e se matam mulheres por não se vestirem e nem cobrirem a cabeça como manda o profeta.

Vi uma reportagem da BBC sobre como era a vida das mulheres antes da revolução islâmica; o uso do véu (ou chador) sido abolido no Irã em 1936. Alguém poderá arguir: e daí?  Afinal, a revolta contra o xá era contra uma ditadura e contra o imperialismo estadunidense.

É verdade, mas naquela época ninguém pensou nas consequências diretas para as mulheres da chegada do aiatolá ao poder. E nem se imaginava ser uma revolução masculina. Essas consequências foram trágicas e não eram apenas questões de roupas, vestidos compridos cobrindo braços e pernas, e o chador cobrindo os cabelos e a cabeça. 

Significou o retorno a uma situação de submissão e dependência total da mulher aos homens e ao sistema religioso. A restrição às mulheres do acesso ao mundo cultural e profissional. Uma submissão de longe mais grave que a exigida pelos neopentecostalistas estadunidenses e brasileiros.  
Charge do heroico Charlie Hebdo contra o obscurantismo

Um site francês,
 Le Grand Continent, publicou, logo após o assassinato da jovem iraniana Mahsa Jina Amini por ter o véu mal colocado na cabeça, um depoimento-reportagem da escritora Sorour Kasmai sobre o tema Ser Mulher no Irã, o prefácio do seu livro Mulher, Sonho, Liberdade, reunindo 12 histórias inéditas de mulheres no Irã. 

Sem esquecermos de Narges Mohammadi, prêmio Nobel da Paz, apodrecendo na prisão iraniana de Evin, por seus combates contra a opressão das mulheres e pela promoção dos direitos humanos para todos.

Cineastas, mulheres... Outro dia me surpreendi ao ver num debate dos canais do Youtube três universitárias brasileiras falando do Irã, mas se esquecendo de que era uma teocracia onde as mulheres perderam todos seus direitos. Tive vontade de deixar uma mensagem, comecei a escrever, mas apaguei... (por Rui Martins)

4 comentários:

william orth disse...

Exílio em Paris. Adoro isso. Porque não cuba?

Anônimo disse...

https://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/v%C3%ADdeo-mostra-participa%C3%A7%C3%A3o-de-bolsonaro-em-depoimento-sobre-atentado-a-bomba-no-riocentro/ar-AA1nWHvh

Aos 45:06 aparece a foto do Polvorelli no inquérito do depoimento de um milico sobre o Rio Centro

Anônimo disse...

https://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/v%C3%ADdeo-mostra-participa%C3%A7%C3%A3o-de-bolsonaro-em-depoimento-sobre-atentado-a-bomba-no-riocentro/ar-AA1nWHvh

Aos 45:05 aparece a foto do Polvorelli no inquérito sobre o Rio Centro

Tulio disse...

https://wiltoncardoso.blogspot.com/2019/05/o-capital-esse-deus.html?m=1

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