terça-feira, 12 de novembro de 2013

"EU, QUE NÃO POSSO ENGANAR, MISTURO TUDO QUE VI"

Como jornalista que tenho sido nas últimas quatro décadas, é difícil eu utilizar este blogue como um querido diário. Por força do hábito, tendo a, quase sempre, escrever textos para uso externo, ou seja, apropriados para publicação e circulação. 

Mas, limitarmo-nos a afirmar apenas o que podemos provar e outras regrinhas básicas do jornalismo (que, de tanto usar, introjetamos), pode ser também castrador, além de servir para mantermos um certo controle sobre os riscos. 

"Eu, que não posso enganar, misturo tudo que vi", recitou o Vandré. Como nunca fugi dos tais riscos, vou-me permitir disponibilizar também um comentário que escrevi para o Centro de Mídia Independente (vide a discussão toda aqui), sabendo que poucos leriam e quase nenhuma repercussão adviria. 

Vendo-o no ar, percebi tratar-se de um desabafo que estava preso na minha garganta, e que o lugar dele é também este aqui. Afinal, é onde está armazenada a minha memória: este conjunto de alguns milhares de textos constitui o principal legado que deixarei para os pósteros.

Foi uma resposta ao longo comentário do companheiro Carlos Alberto Bento da Silva, do blogue Luta Total, que, logo na abertura, cravou, referindo-se às agruras atuais do Cesare:
"Já era esperada essa atitude do aparelho repressor do Brasil, e eu sempre tive esse entendimento. 
...os 'governantes' não dão tréguas nem mesmo para lideranças políticas em pleno gozo de seus direitos elementares, incluindo você mesmo em ralação ao MJ/10.559-02, e que é massacrado literalmente na sua dignidade".
Dei-lhe uma resposta bem sincera. Esta aqui:

Companheiro Carlão, 

você entendeu muito bem a situação. 

E, já que citou a minha anistia, vou ampliar a comparação: tanto o Battisti como eu estamos sendo "punidos" pela burocracia, por termos ganhado paradas em que as cartas estavam todas marcadas contra nós. 

No caso dele, a vitória contra um governo do 1º mundo e o PIG era praticamente impossível, mas nós encontramos um caminho para salvá-lo, não cometendo erros e aproveitando muito bem os que a Itália cometeu. 

A Dilma, contudo, já deu mostras de que gostaria de proprocionar uma satisfação parcial aos italianos, livrando-se do Cesare. 

Já que a extradição se tornou impossível, a possibilidade seria o governo declará-lo persona non grata e o despachar para outro país que concordasse em recebê-lo. Acredito que ela só não o faça por consideração ao Lula, pois pareceria um desrespeito à decisão dele 

Então, tudo nos leva a crer que o processo de fritura do Cesare seja uma forma de pressioná-lo a sair por vontade própria. 

Quanto a mim, meu processo na Comissão de Anistia dificilmente teria sido colocado em pauta se eu não recorresse à imprensa e a várias instituições de defesa dos direitos humanos, provando que, pelas regras do próprio programa, eu deveria ser priorizado em função do desemprego. 

Depois, ao desmontar, com o aval do Jacob Gorender, a versão de que teria sido eu o delator do campo de treinamento da VPR em Registro, passei a ser visto como alguém que era estigmatizado injustamente há 34 anos. Isto levou muitas pessoas a simpatizarem com minha causa, achando eu merecia ser compensado de alguma forma (vale lembrar que a falsidade só se sustentou por tanto tempo porque os agentes do Estado, que conheciam a verdade, preferiram mantê-la lacrada nos seus arquivos). 

Este curto período de boa vontade para comigo se corporificou na vitória que obtive em meados de 2005, quando me concederam uma pensão vitalícia. 

Mas, nunca considerei isto uma dádiva, mas sim como uma conquista arrancada com esforços dramáticos, em cima do sangue que me derramaram e da lesão que suporto desde os 19 anos, passando por três cirurgias e por fortes crises de labirintite que sofri durante longo tempo, até aprender como administrar minhas limitações, já que eram impossíveis de ser sanadas. Para não falar nos danos psicológicos, pessoais e profissionais que me foram impostos. 

Então, quando não me conformei em não estar recebendo a indenização retroativa que me havia sido também concedida e fui buscá-la por meio de mandado de segurança interposto no STJ, expus-me à retaliação dos burocratas atrabiliários --até porque, posicionado à esquerda do PT, mostrei-me um militante inconveniente para eles. 

Provavelmente, acreditaram que eu, a partir do recebimento da pensão, me tornaria mais dócil. Não me conheciam. Sempre defendo as posições que considero corretas, independentemente dos prejuízos que possam me advir e das retaliações que eu possa sofrer. Se aguentei durante mais da metade da minha vida ser acusado do que não fizera, esperando a hora em que pudesse provar o contrário, não será agora que me deixarei quebrar por pressões ou ameaças. 

Então, enfrento há quase sete anos uma guerrilha da Advocacia Geral da União, que recorre a todo tipo de manobras protelatórias, etc., usando e abusando do poder de fogo de que dispõe, imensamente superior ao de um simples cidadão, para postergar indefinidamente a solução do meu caso, mesmo depois de eu haver saído vitorioso por 9x0 no julgamento do mérito da questão... em FEVEREIRO DE 2011!!! 

Só para vocês terem uma idéia: o relator do meu processo não toca nele desde AGOSTO DE 2012!!! O ano de 2013 pode acabar sem ele ter movido uma palha. 

Às vezes os comentaristas daqui me acusam de ser um queridinho do PT. Estão a milhares de anos-luz da realidade. 

5 comentários:

Anônimo disse...

celso,sempre acompanhei tudo oque ha disponivel a respeito do golpe de 6Por que teus ex companheios,te acusaram tanto,mesmo que tu tivesses dito alguma coisa,pelo que se sabe,,falar algo sob torturas,seria uma forma de sobrevivencia.por que tanto radicalismo das organizaçoes?qto a justiça tambem sofro com isso,estou com um processo parado desde 2011,è uma luta ardua e cansativa.

celsolungaretti disse...

Companheiro,

o fato é que os militantes brasileiros não éramos, salvo poucas exceções, "homens de ferro" como os guerrilheiros muçulmanos e os do IRA, p. ex.

Então, as responsabilidades pelas quedas eram difusas. A maioria de nós conseguíamos reter algumas informações, mas não todas.

Depois do vendaval, contudo, a esquerda resolveu compor uma imagem heroicista do que ocorrera, descarregando as quedas nas costas de alguns bodes expiatórios e tentando fazer crer que a grande maioria conseguiu resistir estoicamente às torturas.

Toda organização produziu seus bodes expiatórios. Boa parte deles fez autocríticas (sinceras ou insinceras), ficou uns tempos na geladeira e depois retomou a carreira. Caso típico do Genoíno.

O meu caso foi diferente, em primeiro lugar, porque a injustiça fora gritante demais. Só havia dois presos que poderiam ser inculpados pela queda da área guerrilheira em Registro: eu, que só conhecera o sítio utilizado numa fase anterior do projeto; e alguém superior a mim no organograma da VPR, que conhecia tudo que havia para conhecer.

Elegeram-me para pagar o pato. Como eu poderia aceitar uma coisa dessas? Tenho vergonha na cara.

Então, sempre recusei qualquer acordo com a esquerda quanto à verdade histórica.

A mim também ofereceram a oportunidade de fazer autocrítica e voltar a militar, recomeçando num patamar bem inferior para, com o tempo, ir sendo reabilitado. Mas, não admiti abrir mão de denunciar a tremenda sacanagem que haviam feito comigo, inculpando-me por algo tão grave só para preservar outra pessoa, mais valiosa para a organização.

Daí haver sido sempre tratado com extrema má vontade e má fé. Daí terem me acusado de dezenas de quedas (mas, quando exigi a lista dos vitimados, desconversaram). Daí a satanização e a estigmatização.

Mas, dei um exemplo: o de que, revolucionários ou não, jamais devemos abdicar de nossa verdade e de nossa honra.

E também o de que o indivíduo isolado, quando está com a razão, pode prevalecer num braço-de-ferro com o coletivo, sim. Ninguém é obrigado a se anular, nem deve ser considerado bom militante quem ajuda a sustentar farsas.

Tenho orgulho de haver buscado minha reabilitação sem fazer concessões de nenhuma espécie. Como bem disse o grande Vanzolini, "ali onde eu chorei, qualquer um chorava/ da a volta por cima que eu dei, quero ver quem dava".

Anônimo disse...

celso ,meu profundo respeito admiraçao pelas atitudes e a forma com que respondeste as injustiças esse tempo todo,sei que esse assunto deve ser incomodo ,pois creio que pra quem viveu essa epoca as lembranças sao pesadas,mas como eu havia dito,leio e pesquiso sobre 64,ja tinha assistido suas entrevistase gosto muito de ler seus relatos,aqui do bog,continuamos nos comunicando por aqui,paz e sabedoria aos justos,e aos homens de bom coraçao!

celsolungaretti disse...

Companheiro,

o seu interesse, no post inicial, era justificado. Entendi perfeitamente.

Hoje, já deixei boa parte das mágoas para trás. Como quase tudo acabou sendo reposicionado, eu só lamento ter passado 34 anos sem poder lutar satisfatoriamente por aquilo em que acreditava. Gostaria de ter hoje o pique que tinha naquele tempo.

Um consolo é que, mesmo com todas as limitações, acabei tendo a felicidade de salvar os quatro de Salvador, quando faziam greve de fome em 1986. Não foram anos tão perdidos assim.

E continuo tentando acrescentar capítulos à minha trajetória de lutas. A vida segue.

Abs.

Anônimo disse...

A anistia as pessoas de esquerda comunista marxista é impomportante pois só o nome "Marxista" faz tremer a burguesia expropriadora dos direitos dos trabalhadores, inclusive da própria "ANISTIA" para repor em seus lugares de trabalho, a qual foram "punidos"sobre várias alegações, em geral "justa causa", por estes lutar a favor do proletário que é um trabalhador,no caso da minha demisão, os crápulas burocratas colocaram o local do trabalho na cidade diferemte e dias diferentes das greves antes de 1988, e deu "indeferido", mais dez anos para julgar recurso com a cidade certa com os dias certos, até agora 26 anos e nada de anistia, dentro da lei 10.559/02, uma verdadeira "Reperseguição Política" atualmente com os funcionários dos correios tambem, empresa esta que não paga imposto e não cumpre a lei de anistia sem reperseguição na política nacional atualmente com quem faz greves.

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