terça-feira, 22 de março de 2011

LUIZ APARECIDO E SUAS "MEMÓRIAS PAULISTANAS"

Jornalista e militante histórico da esquerda brasileira, o Luiz Aparecido da Silva (foto), com quem mantenho uma relação de amizade e companheirismo de quase quatro décadas, estava inspirado quando escreveu esta crônica sobre a Sampa de outrora e seu ambiente jornalístico, político e cultural que fervilhava, apesar da ditadura (e, claro, contra a ditadura).

Eu e meus contemporâneos curtiremos a nostalgia; os jovens, espero, colherão algumas informações interessantes: 
"Naqueles agitados, tensos e criativos anos chamados de 60, mas que foram até meados de 70, em plenos “anos de chumbo”, de fúrias e carnificinas da ditadura militar, nós jovens (na época) inquietos e inimigos jurados do fascismo, também vivíamos intensamente. Liamos muito, de filosofia a romances, fazíamos musica e cantávamos a sede de liberdade, as agruras do povo. Faziamos também filmes e peças de teatro expressando nosso amor ao povo e as pessoas queridas.
"Arena conta Tiradentes", peça
inesquecível do Teatro de Arena
 E a gente namorava muito também. Desde as colegas de Faculdade, de trabalho, até gente de teatro e havia as amigas e simpatizantes de nossa causa maior, como a Kate Hansen, Sonia Piccinin, Beth Mendes (que chegou a ser presa e torturada por pertencer à base de apoio da ALN), o pessoal do Arena e do Teatro Oficina do José Celso e outras que até entraram na luta por amor ou ideologia.
De Penápolis a Sampa

Para mim as coisas começaram em Penápolis, onde fizemos teatro, cineclubes, discutíamos musica, cinema, literatura e filosofia, principalmente na casa de “seu” Manoel Lacava e nossa musa e protetora dona Amélia, que tinha sido também a professora da maioria de nós no grupo escolar e era mãe de dois de nossos companheiros de toda hora, o Celso-Capim que já virou borboleta e Cilô que ainda esta em Sampa repartindo sua vida e cultura e dando aulas.

Por ali também começamos na politica de resistência. Depois nossa turma original debandou para fazer a vida. Alguns para Brasilia e a maioria para São Paulo, onde a efervescência politica e cultural era maior.
A exibição de filmes eróticos
se concentrava na "Boca do Lixo"
Eu e meus queridos amigos e camaradas de luta e vivência, transitávamos naquela São Paulo desvairada e que ainda garoava em vez de inundar, pelo velho centro. Pelo quadrilátero que ia da avenida São João até a Paulista. Da Brigadeiro até a Consolação.

Mas também na velha “boca do lixo” onde ficavam as produtoras de cinema “sérios” e pornochanchadas e o velho restaurante “Soberano”. Fora o "Bar Riviera",e m frente ao Cine Belas Artes, onde tomávamos umas também, às vezes cercados de agentes da ditadura disfarçados.
Ali discutíamos o mundo e filmávamos o que era possível. Carlão Riechenbach, Ozualdo Candeias, Rogério Sganzerla, Luiz Rozemberg Filho que vivia no Rio mas sempre ia a Sampa discutir idéias e as vezes buscar financiamento para seus filmes, Walter Hugo Khoury, talvez o mais profissional dos cineastas paulistas, Silvio de Abreu, Jairo Ferreira, Andrea Tonaci, Afonso Brazza (que depois veio para Brasilia fazer filmes e ser bombeiro. José Mojica Marins, o famoso “Zé do Caixão” . Dos escritorios e “sets” de filmagens íamos pro Soberano almoçar filé a parmegiana e de noite íamos pro “Ponto 4”, “bar das putas” na Consolação e até o Giggeto ver os atores famosos da época.

Uisque sem guaraná

Saía eu dos Diários Associados onde era repórter e depois editor já tarde da noite e com o Zézão, José Eduardo Faro Freire, Rubens Gatto, Lia Ribeiro Dias, Maria Luiza Araujo, Beth Lorenzote, João "da Baiana" Teixeira, Clóves Geraldo e outros companheiros íamos articular politica e conversar sobre cultura brasileira no “Pari Bar” da praça Dom José Gaspar. Depois debandávamos para tomar as ultimas da noite lá pras bandas de Pinheiros, Lapa e Paulista, onde outras turmas se encontravam para tomar umas no fim de noite. A ultima refeição era quase sempre no “Tabu” da "boca do lixo", que tinha um filé de primeira e baratinho, à altura de nossos bolsos.
O famoso Sujinho, mais
conhecido como "bar das putas"
 E ainda tínhamos os nossos saraus de poesia e literatura no velho apartamento do doutor Mozart Menezes, fundador da “Cacimba”, na rua Timbiras, em plena “boca do lixo” onde ia de Celso Lungaretti a Rubens Lemos, o poetaço Souza Lopes e sua doce Marcia, Francisco Ugarte e outros viciados em “letras”, politica e boa musica.

Musicas e fim de noite

Ai saimos para ver os músicos da noite que agitavam boates e barzinhos da noite paulistana. João da Baiana Teixeira, Jésus Carlos, o fotografo, o meu querido Alemão-Antonio Eduardo Molina Mandel quando não estava preso. Até o Moa-Moacyr de Oliveira Filho que adorava um samba e outros amigos queridos pintavam sempre na área. Para quem gostava de samba e dançar, tinha o “Som de Cristal", alí pertinho na Rego Freitas e o “Avenida Dançing”, na Rio Branco, quase esquina da São Joao, onde ao lado jogávamos sinuca de vez em quando, depois que os “cobras” do snooker iam descansar.
O cine Belas Artes, que nenhum
  mecenas apareceu agora para salvar
No bar “Redondo” em frente ao Teatro de Arena e a Igreja da Consolação encontrávamos TomZé, Gilberto Gil que era executivo de uma multinacional durante o dia e musico de noite, Gracinha Costa, depois Gal, Caetano, Piti e outros baianos que tinham vindo de Salvador para montar o “Arena Canta Bahia”, no Teatro de Arena, hoje Eugenio Kusnet. Desta baianada, só ficou e adotou e foi adotado por São Paulo o TomZé, os outros foram para o Rio de Janeiro e por lá ficaram.
Curtiamos até Benito de Paula que cantava numa boate da Praça Roosevelt. Luiz Carlos Paraná e a boate "Jogral" ao lado do “Terceiro Uisque” na rua Avanhandava, sempre com cantores bons na parada, de Sergio Ricardo, Johnny Alf a Noite Ilustrada! Mas tinha o Chico Buarque que ia no “sujinho” em frente ao Sesc e na rua Dr.. Vila Nova, a turma que não saia do “Redondo”, como Carlão da Vila. Era muita gente!!!

E nós que estudávamos na Filosofia da USP, íamos tomar cerveja no Bar do Zé na esquina da Maria Antonia com Dr. Vila Nova. Dali saíram muitas articulações e recrutamentos de estudantes para a luta armada contra a ditadura.

E a vida continuava...

E isto depois de durante o dia trabalhar e “cobrir pontos” com os camaradas da luta contra a ditadura, a turma da ALN, depois da APML e do PCdoB. Discutiamos muito os documentos das organizações e partidos e ainda por cima encontrávamos tempo de participar de ações e de propaganda armada. E sempre tensos, esperando a hora, que acabava chegando para muitos de nós, de ver a aparição dos “home” nas veraneios, com metralhadoras para levar a gente para o Dops e Oban e os cárceres sombrios da ditadura.

Mas a gente saia e continuava na luta e no fervor das idéias e das criações que marcaram a cultura e a história brasileira até hoje". (fonte: Blog do Luiz Aparecido)

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