quarta-feira, 1 de setembro de 2010

OS DEFUNTOS DE PAPEL PASSADO E OS MORTOS SEM SEPULTURA


"Um poeta desfolha a bandeira
E a manhã tropical se inicia
Resplendente, cadente, fagueira
Num calor girassol com alegria
Na geléia geral brasileira
Que o Jornal do Brasil anuncia"
(Gilberto Gil)

Só que, desde ontem (31/08), o Jornal do Brasil nada mais anuncia -- pelo menos da forma como anunciou durante 119 anos.

Vou ser sincero: nunca tive grande apreço pelo JB, que me parecia o Estadão carioca. O jornal da elite que levava a sério o seu papel de elite.

[O Globo, por sua vez, estaria mais próximo da cupidez amoral da Folha de S. Paulo que, com exceção dos poucos anos em que teve um diretor de redação de verdade -- Claudio Abramo --, foi sempre um jornal feito por comerciantes com critérios de comerciantes, como candidamente reconheceu certa vez Carlos Caldeira, sócio do Frias pai.]

Lamentei mesmo foi o fim do Correio da Manhã, sufocado pela ditadura militar -- a mesma que o JB saudara como instalação da "verdadeira legalidade".

E do Pasquim, com o qual aprendi pra sempre a ser desafinado.

E da Tribuna da Imprensa, que preenchia sua capa inteira com os mais caudalosos e veementes desabafos contra o regime dos  gorilas (os editoriais assinados por Hélio Fernandes), quando, jovem, eu tentava manter viva a resistência à tirania na Cidade Maravilhosa.

E do Jornal da Tarde, que rejuvenescia e sofisticava o jornalismo paulistano durante a primavera de 1968, mas feneceu irremediavelmente nas décadas seguintes, até chegar à existência vegetativa de hoje em dia. Para quem o conheceu no apogeu, o JT atual mais parece zumbi de filme do George Romero...

Os grande jornais em papel, aliás, estão todos na mesma situação: já morreram e estão à espera de quem os enterre.

Abdicaram das boas práticas jornalísticas, passando a subjugar notícia, interpretação e opinião, indistintamente, aos interesses, valores e jogadas sujas do capitalismo, passando como motoniveladoras sobre o  outro lado, o direito de resposta, a isenção, o equilíbrio, etc.

Hoje estão mais para  house organs  do sistema, com editoriais explícitos no espaço de Opinião e implícitos no restante das páginas.

Na geléia geral brasileira, neste país que já não sonha com uma existência humanizada e só quer maquilar o pesadelo capitalista com cosméticos reformistas, os afetos vão se encerrando um a um, até que nada mais sobre exceto a necessidade de redimirmos e reconstruírmos tudo.

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