sábado, 4 de setembro de 2010

DUAS VISÕES SOBRE UMA NOITE EM 67

A visão personalista, esteticista e quase nada politizada é dada pelo produtor musical Solano Ribeiro:
"O documentário sobre aquela noite em 67 mostra o ponto culminante de um processo  iniciado por mim  (sic) anos antes com o objetivo de promover nova geração de compositores músicos e cantores que não encontravam espaço na mídia. Artistas que traziam propostas musicais e estéticas mais modernas, mais apropriadas a uma também nova platéia que encontrava naquela música eco mais coerente com sua cultura e anseios do que era servido pelo radio e televisão de então".
Num depoimento para universitários, eu resumi assim a conjunção de fatores - econômicos, políticos, sociais e artísticos - que engendrou o período mais rico da música popular brasileira em todos os tempos:
“Até os  Anos JK o Brasil não tinha uma classe média numericamente significativa e a música se direcionava quase toda para o povão. O desenvolvimentismo, entretanto, deu a muitas famílias a condição de mandarem seus filhos para as faculdades. Surgiu uma geração de jovens compositores mais sofisticados, fazendo música de uma qualidade bem superior à daquela que era acolhida pelas gravadoras, rádios e tevês. Os festivais de MPB permitiram que essa fornada de talentos se tornasse conhecida... pela própria classe média, começando pelos estudantes, que com eles logo se identificaram.

"Em 1965, a repressão do regime reduzira ao silêncio os partidos políticos, sindicatos e entidades estudantis, mas as manifestações artísticas ainda não eram particularmente visadas. Os militares não tinham medo daqueles jovens que poderiam ser seus filhos. Pensavam que música, teatro e cinema eram inofensivos e serviam como uma espécie de catarse, para manter os estudantes longe das ruas.

"Então, o Centro Acadêmico 11 de Agosto, da Faculdade de Direito da USP, começou a promover noitadas musicais no Teatro Paramount, com forte clima de protesto. A extinta TV Excelsior percebeu o potencial e reuniu aqueles jovens talentos no 1º Festival de MPB, que projetou nacionalmente Elis Regina. A poderosa TV Record entrou na jogada e encampou o festival, contratando seu idealizador e produtor [o Solano Ribeiro]. Do 2º festival em diante, ficou tudo na Record (tendo a Globo e seu  FIC  como concorrente menor). E ainda lançou o programa semanal  O Fino da Bossa, vitrine do movimento da então chamada moderna música popular brasileira.

"Foi bom enquanto durou. Em 1967 os estudantes voltaram a fazer manifestações de rua em São Paulo {as chamadas  setembradas} e os militares perceberam que a MPB não estava servindo para evitar que os estudantes agissem concretamente contra a ditadura, mas, pelo contrário, fazia a cabeça das novas gerações, engrossando o exército que combateria o regime.

"Aí o torniquete foi sendo apertado, com uma censura cada vez mais rigorosa e intimidações à classe artística (como a vandalização do Teatro Cacilda Backer por militantes do CCC).

“Finalmente, quando veio o Ato Institucional nº 5, o Vandré, o Chico Buarque, o Caetano Veloso e o Gilberto Gil tiveram de passar um bom tempo fora do País. E os artistas que aqui ficaram, estavam sem nenhuma condição para expressar o que sentiam. Os festivais morreram de inanição em 1972 e a MPB nunca mais foi a mesma”.

Um comentário:

ismar disse...

Celso,

Ponteio é a minha música predileta daqueles tempos dos grandes festivais.

Este assunto é muito interessante, realmente a MPB deu uma guinada para melhor depois da influência dos jovens com melhor formação cultural.

Grande abraço.

Ismar C. de Souza

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