sábado, 14 de agosto de 2010

A LUTA ARMADA NO TIROTEIO ELEITORAL

A revista Época chega às bancas neste sábado (14) com uma matéria de capa sobre a participação da presidenciável Dilma Rousseff na luta armada.

Eumano Silva, um dos autores (ao lado de Leandro Loyola e Leonel Rocha), é meu velho conhecido e colega de editora: em parceria com Taís Morais, escreveu Operação Araguaia.

A reportagem em si é reconstituição histórica, a mais objetiva e neutra possível se considerarmos as limitações da grande imprensa. A Veja, tratando do mesmo assunto, decerto produziria um aberrante panfleto ultradireitista.

Cheguei a dar depoimento um tanto inconclusivo, já que conheci brevemente a Dilma durante o Congresso de Teresópolis da VAR-Palmares (outubro/1969) e nossos caminhos jamais se cruzaram de novo. Não acrescentaria mesmo nada e Eumano fez bem em deixá-lo de lado.

Mas, independentemente da integridade ou não do trabalho jornalístico, o tema é espinhoso para Dilma e para o PT, daí ela ter se recusado a atender aos pedidos de entrevista da Época e a deplorável nota que sua assessoria de imprensa emitiu:
"Dilma não participou [de ações armadas], não foi interrogada sobre o assunto e sequer denunciada por participação em qualquer ação armada, não sendo nem julgada nem condenada por isso.

"Dilma foi presa, torturada e condenada a dois anos e um mês de prisão pela Lei de Segurança Nacional, por 'subversão', numa época em que fazer oposição aos governos militares era ser 'subversivo'".
Quantas ressalvas! Na minha humilde opinião, de tudo que li na reportagem, o trecho mais nocivo à imagem de Dilma é este, pois, em contraste com sua verdadeira trajetória, nem de longe mostrada de forma negativa, soa terrivelmente falso.

Ambos, Dilma e o PT, têm preferido deixar o passado no limbo, como um estorvo, do que explicar francamente às novas gerações que o Brasil de Médici chegava a lembrar, em muitos aspectos, a Alemanha de Hitler, a Espanha de Franco ou o Chile de Pinochet: um festival de horrores e atrocidades.

Para não indisporem-se com velhos gorilas e novos autoritários, eles não dão, salvo quando a imprensa e os adversários políticos os encostam na parede, o merecido destaque às bestialidades que os tiranos cometeram, nem à bravura dos que os combateram.

Então, quando as viúvas da ditadura acusam falsamente Dilma Rousseff de assaltar bancos, sequestrar diplomatas e outras ações armadas, as novas gerações, desinformadas, tendem a vê-la e julgá-la a partir dos parâmetros atuais, como se tivesse sido uma criminosa do PCC.

Se soubessem que enfrentávamos algo próximo a  uma Gestapo, em condições de extrema inferioridade de forças, poderiam nos olhar como os franceses olham sua Resistência, dela orgulhosos  por haver salvado a honra do país.

Fugir do dever, entrentanto,  nunca é resposta para nada.

O dever de quem enfrentou a tirania é manter viva a lembrança dos  anos de chumbo, até para criar, nos que vieram depois, anticorpos contra o totalitarismo.

Esquivando-se do assunto em circunstâncias mais amenas, os petistas serão obrigados a defrontarem-se com ele no auge da campanha eleitoral.

Então, é o momento de abandonarem de vez as esquivas, declarando em alto e bom som: quem resistiu à ditadura mais brutal que o Brasil conheceu, tinha todo direito de pegar em armas contra os déspotas e merece, acima de tudo, o reconhecimento da cidadania.

E isto vale tanto para Dilma, que não entrou na ação direta, como também para Carlos Lamarca, Carlos Marighella, Eduardo Leite, Devanir de Carvalho e outros que usaram a força contra um inimigo que pela força usurpou o poder e pela força nele se mantinha: todos eles, indiferenciadamente, foram heróis e mártires deste sofrido país!

Nada de tergiversações. Quem participou da luta armada, cumpriu as funções que seu agrupamento lhe designou. Se, como Dilma e eu, acabou recebendo outras incumbências, isto era irrelevante do nosso próprio ponto de vista e só estabelecia distinções entre nós aos olhos do inimigo, quando tratava de nos enquadrar nas suas leis draconianas, características de um regime de exceção.

Então, a postura digna nunca será a de se desculpar com afirmações do tipo "estava lá mas não fiz isso ou aquilo", mas sim a de  proclamar que "estava lá e faria tudo que fosse necessário, porque nossa luta era justa e confrontávamos o despotismo mais hediondo".

É o mínimo que podemos fazer, pela nossa honra e por respeito aos companheiros que tombaram.

9 comentários:

Anônimo disse...

Caro Celso
Ler os seus os posts é conhecer a história não contada pela história oficial, o período da ditadura que para a oficial é heroíca e patriota em defesa dos cidadãos contra o comunismo pernicioso, ficou na memória dos que viveram e tiveram que venerá-la como tal, o 31 de março foi comemorado como uma data cívica, por isto hoje esta geração que não teve nenhuma informação sobre este período e viveu o milagre econômico, ainda considera os que lutaram pela democracia como terroristas e inimigos da "Pátria mãe gentil", para que se aceite o que vc. coloca de forma tão esclarecedora como verdade e nos encher de orgulho pelo que voces tão corajosamente fizeram é preciso que se contasse esta história oficialmente, que se abrisses os arquivos desta ditadura sangrenta, era isto que eu esperava do governo Lula, e acho um dos seus erros não enfrentar o que ainda resta deste tempo, está incrustado no poder e nos assombra com a sua volta como o que aconteceu com Manoel Zelaia.

Unknown disse...

Celso, neste texto começas por aliviar a barra do teu colega.
Para quem não compra a veja, vai deixar de compar a época.
Fiquei indignado com Marinhos (Kamel o racista).
Porque não fazem reportagem com Serra, Fernando Gabeira e o candidato ao senado pelo PSDB. Participaram de ações contra a ditadura, porque só a Dilma em plenas eleições.
Queria de sua parte uma abordagem da reportagem e a inquisição que estão fazendo com a futura presidente(a).

celsolungaretti disse...

Tixa,

esse assunto só é embaraçoso para a Dilma porque ela e o PT evitaram até hoje fazer uma defesa mais incisiva da luta armada, mostrando às novas gerações o que realmente foram os anos de chumbo.

O trabalho da "Época" foi o melhor que poderíamos esperar da imprensa burguesa. Ateve-se a documentos e testemunhos, ouviu os veteranos da resistência e mostrou a bestialidade da ditadura sem maquilagem. Adotou postura de historiador e não de panfletário.

Não podemos exigir da mídia nada além disto: que aborde os assuntos pautados respeitando as boas práticas jornalísticas.

São raros os veículos que assim procedem. E você vai questionar um deles apenas porque a pauta não foi do seu agrado?

Ora, a pauta é um assunto de interesse jornalístico, sim. Então, a "Época" tem todo direito de o abordar.

Concordo com sua colocação de que seria também relevante um boa reportagem sobre o passado do Serra. Talvez a "Época" ainda o faça.

Mas, seria injusto criticar a revista pela matéria de capa desta semana. Eu diria que os três colegas mantiveram sua reputação, fazendo jornalismo e não política.

É isto que se espera da imprensa; deveria ser sempre assim.

Abs.

wilson cunha junior disse...

É, mas o objetivo das organizações globo não é informar ou esclarecer. A idéia é passar pra população que ela votará numa criminosa.

E mesmo que a Dilma falasse algo não sairia em destaque. Seria editado e posto num canto qualquer. Nunca na capa.

Em todo caso postei no twitter:

Assessores da #Dilma e a própria, leiam isso: http://migre.me/14Qmn e não tenham receio. Nessa história a criminosa é a @Rede_Globo. #globo

celsolungaretti disse...

Pelo contrário, Wilson, tenho certeza de que a "Época" destacaria as declarações da Dilma.

É uma revista sutil. Colocou em evidência um assunto que não convinha à campanha da Dilma e tratou de incumbir bons profissionais do serviço, para que ficasse jornalisticamente inatacável.

São caras que zelam pelo seu prestígio e provavelmente se demitiriam antes de fazer algo caricato como aquela matéria da "Folha" sobre o sequestro que não houve do Delfim Neto.

Se houver dano eleitoral para a Dilma, terá sido porque ela e o PT se colocaram nessa armadilha, ao não adotarem há muito tempo uma postura mais digna em relação à luta armada.

Sua prática tem sido a de sempre recuarem quando um gorila solta um urro. Não enfrentaram as viúvas da ditadura em tempos mais amenos. Então, não podem reclamar por o assunto ter vindo à tona exatamente no auge da campanha.

Sou jogador de xadrez. Se um adversário me derrota com um lance previsível, não é dele que eu reclamo. É de mim mesmo.

Abs.

Araquem disse...

"Ora, a pauta é um assunto de interesse jornalístico, sim. Então, a "Época" tem todo direito de o abordar."
Verdade. Em 89 o JN resumiu o debate ao interesse jornalístico. O sequestro do Abilio Diniz foi mostrado por puro interesse jornalístico. O dinheiro da Roseana tinha profundo interesse jornalístico.

"Eu diria que os três colegas mantiveram sua reputação, fazendo jornalismo e não política."
Perfeito. "As dúvidas sobre o passado" são apenas questões de imenso esforço de jornalismo.

"...a mais objetiva e neutra possível se considerarmos as limitações da grande imprensa"
Correto. Na reportagem bem contextualizada se lê com detalhes o comportamento das Organizações Globo no apoio à ditadura. Objetividade é isso? reduzir a história a um conflito armado?

Parabens, Celso. Voce acaba de rasgar sua credibilidade. Já tirei o blog da minha barra de favoritos.

celsolungaretti disse...

Araquem,

sou jornalista, então comento uma reportagem jornalística com critérios jornalísticos.

Ela foi executada de forma profissionalmente correta.

E, se a pauta era inconveniente, a culpa é de quem a deixou ser assim: Dilma e o PT, ao terem sempre fugido desse assunto.

Se houvessem confrontado as viúvas da ditadura, assumido firme posição ao lado de quem travou a luta armada e contra os torturadores e os tiranos, não ficariam agora em posição desconfortável.

Preferirem acreditar na balela de que "o passado passou e não vale a pena cutucar velhas feridas".

Estão pagando o preço da sua omissão, nada mais.

A minha credibilidade advém de nunca ter negado quem sou, de onde vim e com quem estive.

Eu também poderia dizer que nunca participei de uma ação armada e fui condenado só por subversão.

Mas, prefiro dizer que estava na luta armada para o que desse e viesse, teria entrado em ações armadas se escalado para tanto e conservo total identificação com os companheiros que tombaram.

Embora não me hajam imputado responsabilidades criminais pelas ações armadas, a responsabilidade moral e política por elas eu assumo plenamente.

Em suma, Araquem, não critique a burguesia quando ela flagra pessoas de esquerda sendo incoerentes com seus próprios valores.

Critique, em primeiro lugar, quem dá tais trunfos ao inimigo, de mão beijada.

Haroldo Mourão Cunha / São Gonçalo / RJ. disse...

Por que a Dilma e o PT deveriam confrontar as matérias sobre a luta armada? Não vou parar de ler seus textos, que são ótimos, por discordar de você em alguns textos (como escreveu no texto acima, sobre a "Época" e alguns leitores), gosto do contraditório, pois é dele que me realimento para não ficar no marasmo da mesmice, das ideias do passado. A luta armada serviu aos seus propósitos, ninguém que participou deve ficar envergonhado dela, e não vejo a Dilma nesse caso. Apenas é uma página da história, que deveria constar nos livros escolares para que jamais precisemos repeti-la. Há personagens dessa história que não a respeitaram (Gabeira e Aloísio Nunes Ferreira, somente para ficar no mais notórios) e, a não ser que possuam outras histórias, deveriam ser respeitados mesmo assim. A guerrilha é uma coisa datada, foi uma luta pela democracia, que alcançada, deveria ser deixada na história, não esquecida, isso jamais, pois assim o sendo, nunca exorcisariamos os fantasmas da intyolerância, que teimam em nos rondar!

celsolungaretti disse...

Haroldo,

falando claramente, há companheiros que encaram o passado da luta armada como um estorvo, não nos defendem quando precisamos e só entram no assunto quando espicaçados pelos inimigos ou questionados pela imprensa.

Vide agora essa absurda e ilegal tentativa de um conselheiro do TCU de cancelar as decisões tomadas em benefício da viúva do Lamarca.

Quantos ex-guerrilheiros saíram em defesa dela, contra a pretensão descabida?

Enquanto alguns fogem como a peste da identificação com a luta armada por mero oportunismo (atrapalha suas aspirações atuais), há também aqueles que combateram a luta armada quando era travada e até hoje a consideram responsável pela radicalização da ditadura.

Esses evitam emitir publicamente tal conceito, mas é o que pensam. São visceralmente contra 1968 e tudo que 1968 representou.

Daí, p. ex., a omissão de tantos no que se refere ao Cesare Battisti. Se a esquerda, em peso, tivesse mantido seu compromisso com a solidariedade revolucionária, há muito o Cesare estaria na rua.

Quando surge uma reportagem como essa, o que faz boa parte da esquerda? Simplesmente a ignora.

Busca a saída fácil de dizer que é uma conspiração da Rede Globo e não tem importância, AO INVÉS DE PROCLAMAR EM ALTO E BOM SOM QUE A DILMA E TODOS NÓS ESTÁVAMOS CERTÍSSIMOS EM LUTARMOS CONTRA A DITADURA DA FORMA COMO LUTAMOS!

Daí minha indignação, companheiro. Vem de longe.

Abs.

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