Já que as novas gerações começam a interessar-se pelo festival de horrores das ditaduras sul-americanas nos anos de chumbo, é um bom momento para indicar-lhes dois filmes que, em muitos aspectos, vão além de Ainda estou aqui na exposição dos crimes hediondos cometidos pela extrema-direita de então (que continua inspirando a de hoje!).
Desaparecido: um grande mistério (1982), p. ex., mostra centenas de cadáveres espalhados em grandes ambientes, saldo da bestial repressão desencadeada pelos golpistas de Augusto Pinochet assim que derrubaram o presidente chileno Salvador Allende, em 1973.
Além disto, escancara o envolvimento da CIA naquela quartelada, algo que ocorreu também no Brasil mas não consta de Ainda estou aqui, sabe-se lá o porquê. A cúpula estadunidense estava ciente de todas as execuções e sumiços de restos mortais perpetrados pelos militares brasileiros, o que vem sendo comprovado desde que começaram a ser abertos, do lado de lá, os arquivos secretos daquele período (e ainda faltam muitos...)
O filmaço do diretor grego Costa Gravas mostra um cientista cristão estadunidense (Jack Lemmon) desembarcando no Chile em busca do filho jornalista que sumira durante os primeiros dias do golpe. Ele chega convicto de que as pesadas denúncias contra o regime seriam exageros da propaganda esquerdista.
Contará, na sua empreitada, com a ajuda da nora (Sissy Spacek), a quem até então desprezava por ser uma moça de costumes modernos. E terá portas abertas para suas investigações pessoais porque uma notícia desfavorável que circulasse no poderoso movimento religioso ao qual pertence poderia causar enorme dano aos carrascos chilenos e a seus cúmplices estadunidenses, daí preferirem apaziguá-lo.
Aos poucos vai dolorosamente se inteirando de que a verdade era muito pior do que imaginava. A ponto de, tão logo volta para os EUA, processar seu governo por cumplicidade na morte do filho. Disponível no streaming da Globo Play.
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"SÓ QUERIA EMBALAR MEU FILHO
QUE MORA NA ESCURIDÃO DO MAR"
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Já o episódio evocado por Zuzu Angel (filme de 2006, dirigido por Sérgio Rezende) ocorreu nos anos Médici, o pior momento da ditadura brasileira.
Em 1971, o filho da conhecida estilista Zuzu Angel, o militante do MR-8 Stuart Angel, já muito debilitado por torturas, foi amarrado à traseira de um jipe da Aeronáutica e arrastado com a boca colada ao cano de descarga do veículo. Em seguida, atiraram o corpo no mar.
Zuzu denunciou incansavelmente o assassinato e a ocultação do cadáver de Stuart. Chegou a invadir uma auditoria militar e lá gritar corajosamente a sua revolta de mãe. Foi vítima fatal de um acidente automobilístico pra lá de suspeito, em 1976.
Chico Buarque, amigo a quem ela escrevera carta levantando a possibilidade de ser igualmente assassinada pelos militares, homenageou-a com a canção “Angélica”, lançada em 1981, quando o Brasil começava a desmontar a engrenagem repressiva de exceção.
Tanto quanto Desaparecido..., também Zuzu Angel bate mais pesado do que Ainda estou aqui nos vilãos que produziram essas páginas infames da nossa história.
Como contemporâneo e vítima dessa sanha repressiva, dou meu testemunho de que o David Coelho (vide aqui) tem toda razão ao avaliar o filme do Walter Salles como bonzinho demais com verdadeiras bestas-feras. (por Celso Lungaretti)
7 comentários:
Incluiria também "Argentina, 1985" que retrata de forma soberba o julgamento e a condenação dos milicos argentinos, algo que aqui estamos até hoje pagando o preço da esdrúxula lei da Anistia. O caráter despolitizado e passa pano pano de "Ainda estou aqui" é de certa forma resultado disso.
A impunidade dos torturadores é um legado do Lula para nós. Faço questão de lembrar que, quando o Tarso Genro e o Vannuchi se dispunham a lutar pela revisão da anistia de 1979, para que dela fossem excluídos os torturadores, o Lula os proibiu de fazê-lo em nome do governo. E orientou-os a apontar para as famílias dos companheiros executados pela repressão, o caminho dos tribunais.
EU FUI O ÚNICO A ALERTAR, NAQUELE EXATO MOMENTO, QUE COM A OMISSÃO DO EXECUTIVO JAMAIS UM TORTURADOR PAGARIA POR SEUS CRIMES NA PRISÃO. E foi exatamente o que aconteceu.
Termos o PT força hegemônica da esquerda brasileira desde 1980 significa simplesmente que estamos há quatro décadas e meia sem uma esquerda revolucionária em nosso país.
O petismo nunca quis nada além de ser força auxiliar do capitalismo, distribuindo aos explorados algumas migalhas do banquete dos poderosos para ir mantendo sua hegemonia desmobilizadora e suas boquinhas deploráveis.
Celso, gostaria de uma visão sua a respeito do seguinte. Cuba é uma revolução? Há revolucionários em Cuba? Se sim, onde eles se encontram? No governo? Entre os presos políticos? Na população? Na oposição no exterior?
Brazil and the United States
By James N. Green
https://www.americanacademy.de/a-tale-of-two-coups/
Anônimo das 14h25, houve uma tomada revolucionária de poder em Cuba no ano de 1959. Mas, a única possibilidade de o país manter-se revolucionário era a de que acontecesse o mesmo nos países próximos.
Como todas as experiências do século passado comprovaram, NÃO EXISTE SOCIALISMO NUM SÓ PAÍS! Revoluções isoladas se desfiguram e logo o poder acaba nas mãos de uma nomenklatura (uma casta dirigente articulada na burocracia do Estado e/ou em suas forças armadas, que concede a si própria privilégios tão exagerados quanto os da classe burguesa no nosso "Estado democrático de DIREITA'..
Em Cuba como na Venezuela, não é a classe trabalhadora que está no poder, mas sim nomenklaturas autoritárias e privilegiadas.
Exato, Celso. Pude comprovar isso em novembro de 2023, quando estive em Cuba por cerca de 20 dias. Foi uma decepção enorme. Deparei-me com uma ditadura dita revolucionária de esquerda (pausas para gargalhar). Vi um povo sofrido, padecendo em filas diárias em busca de migalhas de péssima qualidade, sem água potável, enfim, vivendo muito mal e, além de tudo, amedrontado, oprimido. Informantes do governo espalhados por todas as quadra, ou como eles dizem, chivatos. Presos políticos padecendo em masmorras condenados a penas de 10, 20, 30 anos por uma simples pichação de muro ou por levantar cartazes contra o governo despótico da ilha. Recomendo àqueles que desejem visitar Cuba, que se hospedem em casas de cubanos, não em hotéis (que são todos estatais). Terão uma pequena noção do que é a vida de um cubano.
Infelizmente o atual governo brasileiro permanecerá defendendo criminosos, do que zelar pelos cidadãos que ainda lutam por um Brasil mil vezes melhor do que o Brasil em que atualmente vivemos, da maneira mais insana, que nunca imaginei ver aos meus 39 anos de idade.
Quanto aos bestas-feras, num Brasil realmente sério, eles teriam sido imediatamente punidos ainda em 1985, quando o governo militar chegou ao fim.
Mas como não vivemos num Brasil realmente sério, infelizmente temos que aturar em ver autoridades completamente idiotas agindo covardemente contra os cidadãos brasileiros que ainda permanecem sérios e lutam incansavelmente, com a esperança de dias melhores surgirem.
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