quarta-feira, 18 de agosto de 2010

SUCESSÃO DESPOLITIZADA, UMA GELÉIA GERAL

Professor de Ciências Sociais na UFSCar, o historiador Marco Antonio Villa escreve muito bem, o que já me levou a citar/comentar dois dos seus artigos: um sobre a luta armada contra a ditadura militar, do qual divergi frontalmente; e outro sobre a Revolução Constitucionalista de 1932, que me agradou por valorizar a componente libertária daquele movimento.

O desta 4ª feira (18) -- Adeus à política -- acertou em cheio, daí eu estar recomendando sua leitura e reproduzindo os principais trechos:
"Se na eleição de 1989, os candidatos politizavam qualquer proposição, por mais simples que fosse, agora a despolitização é uma marca da campanha. Depois de cinco eleições, o processo eleitoral ficou mais pobre em debates e ideias.

"É possível que, em parte, este panorama justifique-se pela predominância do marketing político e da americanização das eleições. As pesquisas qualitativas são mais importantes, para os candidatos, do que a política  stricto sensu.

"O enfrentamento ideológico foi substituído pelas propostas de gerir uma casa, como se o espaço doméstico fosse a reprodução em miniatura do país. O linguajado familiar invadiu a política. Pai, mãe e filhos substituíram os temas clássicos, o que é um claro sinal de pauperização do debate político.

"O PT é um bom exemplo. Desapareceu -- e tudo indica para nunca mais voltar -- o discurso classista ou ao menos de embate com os poderosos. Foi substituído por elementos pré-varguistas.

"O vocabulário da casa grande, autoritário e coercitivo, tomou conta dos seus dirigentes. E, claro, Lula foi o iniciador e maior defensor da despolitização. Como nunca suportou participar de uma discussão de princípios políticos, encontrou na fala despolitizada um campo fértil. Exemplificou dilemas do país com exemplos domésticos, comezinhos.

"Quanto mais complexa uma questão, maior a banalização. Daí foi só um passo para fortalecer a ideia de que o povo precisa de um pai, de uma mãe: 'Deixo em tuas mãos o meu povo', como diz o jingle.

"A despolitização tem o papel de eliminar as fronteiras ideológicas. Dilui as divergências, homogeneíza e transforma o processo eleitoral em uma espécie de geleia geral. Tudo parece igual. Por isso, Roseana Sarney pode vestir a camiseta do PT e o irmão uma do PV, sem que nenhum dos dois deixe de defender o interesse familiar, que apresa o Estado mais pobre do Brasil.

"A oposição não conseguiu -- e teve várias oportunidades para -- construir um discurso político, alçando o debate a outro patamar. Contudo, optou pelo conformismo. No fundo, admirou a despolitização. Tudo parecia tão simples."

3 comentários:

Haroldo Mourão Cunha / São Gonçalo / RJ. disse...

Celso, a única coisa que o brasileiro quer saber é o seguinte: o que é politizar a política? Seria a eterna discussão do "eu sou o caminho e o resto é o resto" de antão? Estamos cansados de lenga lengas ideológicos, que não passam por nossas mesas e nem pelos bancos escolares. Discutir ideologias sem ao menos saber o que se está discutindo? Eu concordo que a despolitização da política não contribui em nada com a democracia, mas do jeito que era também não ajudava em nada, sem pre vi muita retórica e nada de substancial. Não dá para colocar os movimentos estudantis, dos quais você participou nisso, pois não havia discussão: havia caça!!

celsolungaretti disse...

E, no entanto, até hoje me estarreço com o fato de que toda a discussão política atual está IMENSAMENTE AQUÉM do estágio que nós atingimos em 1968. Refluxo revolucionário = retrocesso teórico.

Na parte que nos afeta mais diretamente, a despolitização pode até nos possibilitar vitórias eleitorais, mas depois não garante a sua sustentação.

Se for tentado um golpe como o de 1964, a resistência tende a ser tão pífia como o foi em 1964. Provavelmente, ficaria restrita ao MST.

E é também por causa da despolitização que, quanto muito, assistiremos apenas ao aprofundamento do reformismo.

Sei que para os coitadezas é importante receberem umas migalhinhas a mais do banquete capitalista, que os demotucanos não lhes dariam.

Mas, eu comecei minha luta em 1967 para que eles tivessem refeições completas. E, enquanto tiver forças, continuarei lutando por isso.

The Light Son of Janus disse...

Celso,

Discordo ligeiramente do texto. Não acho que o PT ou o Lula sejam os iniciadores da despolitização do discurso no Brasil. Na verdade, acho que seja uma tendência mundial, que vem desde 1989, e se intensificou a partir de 1999.
Na minha opinião, a despolitização serve a qualquer grupo que tenha o poder. Acho que a população sem conhecimento político tende a se identificar com aqueles que a oprimem, mantendo-os no poder. Em resumo, a despolitização serve a manutenção do status quo.
Isso é interessante tanto para a corja do PT, mantendo-se no executivo do país, quanto para a corja demotucana, mantendo-se, por exemplo, no Estado de São Paulo. Espere e verá: ambos continuarão na posição em que estão.

Um abraço,
Ivan

PS: Admiro muito a sua história e a sua luta, e sou assíduo leitor de seu blog. A luta continua, camarada!

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