quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

O QUE RESULTARÁ DO PACOTE DO GUEDES, AFINAL: A RETOMADA DO CRESCIMENTO OU MAIS RECESSÃO AINDA? (parte 1)

dalton rosado
O BRASIL E A REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
"Caso esse plano não dê certo, o governo pretende aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional
para desvincular e desindexar todas as receitas
e despesas do Orçamento. O bonito é isso: se
der errado, pode dar certo" (Paulo Guedes)
Cumpre-nos alertar para uma obviedade que não só parece passar desapercebida na fala do ministro Paulo Guedes, como contraria o conteúdo daquilo que ele afirma peremptoriamente. Trata-se do fato de que ele pretende economizar R$ 1 trilhão em dez anos como forma de alavancar o crescimento econômico. 

Se e quando equalizar-se o déficit fiscal provocado pelo rombo da previdência social, calculado em R$ 268 bilhões para o exercício de 2018, o que se estará fazendo não é criar receita, mas eliminar uma despesa crescente já se mostra insuportável e impossível de ser suprida a continuar o atual estado de coisas.

Assim, ainda que se se eliminasse o déficit previdenciário, o Estado brasileiro não ficaria mais rico, mas apenas menos insolvente; e tal prática, por si só, não tem o condão de reativar o crescimento econômico, conforme Guedes tenta nos fazer crer. 

Posta essa questão preliminar, passemos a analisar a questão da reforma previdenciária, buscando aclarar duas questões: 
"...um déficit fiscal de R$ 268 bilhões em 2018"
1. O que está a corroer a aposentadoria dos trabalhadores após se tornarem idosos ou inválidos em todo o mundo, do ponto de vista macroeconômico? 
2. Em que consiste a reforma previdenciária brasileira com relação à atual lei previdenciária que se quer revogar e qual é o seu significado para a nossa economia?       
O fenômeno mundial do déficit da previdência social, que assola até os países do chamado 1º mundo, decorre da obsolescência do trabalho abstrato produtor de valor (que é o que contribui para a previdência social) em face do crescimento das forças produtivas proporcionado pelo uso da tecnologia da microeletrônica na produção de mercadorias,  ao qual se acrescenta o aumento da longevidade média da vida humana.

O déficit previdenciário constitui-se como mais uma evidência da contradição irremediável entre forma e conteúdo da relação social sob o capitalismo. 

Ora, no capitalismo só come quem produz valor ou quem acumulou valor roubando de quem o produziu (o capital em relação aos trabalhadores). 

Assim, um trabalhador assalariado que permaneceu pobre a vida inteira, tendo a sorte de haver permanecido vivo até a chamada 3ª idade, já não tem então a mesma eficácia em produzir valor e é descartado pelo capitalismo como lixo social
O enigma do primeiro emprego: decifra-me ou te devoro!
É esta a visão atuarial, contábil, pragmática e inumana do capital na questão da previdência social: somente vê diante de si a sua própria viabilidade econômica, mostrando-se indiferente ao aspecto social. 

Por sua vez, o desemprego estrutural está fazendo com que os candidatos ao ingresso no mercado de trabalho cada vez mais batam com o nariz na porta.

Como sabemos, a previdência social corresponde a uma equação matemática segundo a qual os jovens trabalhadores, que antes eram sempre mais numerosos do que os velhos, pagavam, com suas contribuições previdenciárias, os salários dos idosos que se aposentavam. 

Tal equação, entretanto, se inviabilizou à medida que os jovens já não conseguem emprego com a mesma frequência de antes, enquanto os idosos se tornam cada vez mais longevos. 

A solução, portanto, sob esse viés financista (não esqueçamos que o valor é uma abstração numérica que se torna real utilitariamente, objetivando-se no valor de troca das mercadorias a partir dos seus valores de uso, sem qualquer compromisso social) é a redução do valor das pensões, ao mesmo tempo em que se alonga o tempo de contribuição dos trabalhadores ativos e se exigem mais anos de labuta para poderem requerer suas aposentadorias.  

É simples assim.   
"...mais anos de labuta para requererem as aposentadorias..."

A visão do ministro Paulo Guedes sobre a questão da reforma previdenciária é liberal no sentido de almejar que o próprio sistema previdenciário se financie sem gerar custos ao Estado; e a alternativa por ele cogitada na epígrafe deste artigo bem demonstra seu viés liberal. 

Entretanto, como todo economista liberal ortodoxo, ele não descarta a intervenção do Estado brasileiro na sua administração e suprimento eventual em face da fragilidade da nossa economia, embaçando na prática as diferenças que deveriam existir com relação aos economistas keynesianos. 

Ou seja, o Estado, tanto na visão liberal quanto na keynesiana, é sempre o guardião institucional da ordem econômica, e ambos, como irmãos siameses, são opressores do povo desde a sua gênese constitutiva.

No Brasil:
— a recessão econômica é renitente;
 — o nível de desemprego, alto;
— as taxas de juros sobre a nossa dívida pública e privada, elevadas;
— o déficit fiscal, acentuado.

E, para piorar, não podemos nos endividar, emitir títulos da dívida pública ou emitir moeda sem valor sem causar inflação, como fazem, p. ex. os Estados Unidos. 
...ou pode voltar a ser nada, como o Joaquim Levy

Tal camisa de força nos tange para a opção que está mais facilmente ao nosso alcance: reduzir direitos previdenciários como forma de minimizar o déficit público sem ofender o sistema econômico-financeiro mundial.  

Consequentemente, a questão previdenciária se agrava por dois fatores: 
1. o nosso alto índice de desemprego, que está na faixa de mais de 11% da mão-de-obra economicamente ativa, ou mais de 12 milhões de trabalhadores,  
2. as distorções dos privilégios nas contribuições e as fraudes.
A proposta de reforma previdenciária do atual governo tenta mascarar a transferência do ônus da conta do seu déficit para os ombros dos contribuintes, sob alegações aparentemente válidas, mas que embutem verdades inconfessáveis. (por Dalton Rosado)
(continua neste post)

VERDE, QUE TE QUIERO VERDE... DESDE QUE SE CUIDE DIREITO DO VERDE!

Outra arvore tombada 3ª feira, em rua próxima
Apesar da precariedade financeira que estava atravessando, ainda encontrei em janeiro um cantinho para morar com custo suportável e verde suficiente para me encher os olhos. Considerei-me um felizardo, por ter-me sobrado tal consolo.

Conheci o outro lado da moeda anteontem, 3ª feira. Um temporal matutino derrubou uma grande e bela árvore cheia de cupins por dentro, um transformador explodiu e um monte de aparelhos elétricos da hospedagem foi afetado. Daí o blog ter ficado fora do ar ontem durante o dia inteiro.

As árvores são indispensáveis na nossa vida, mas perigosas. As maiores, quando desabam, já mataram e podem voltar a matar pessoas. O descaso com a fiscalização e a falta de manutenção adequada por parte da prefeitura paulistana são chocantes!

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

JOIA MORTÍFERA: DIRETORIA DA VALE DA MORTE S.A. SABIA QUE BARRAGEM DE BRUMADINHO ESTAVA INSEGURA

Deu na coluna da Mônica Bergamo na Folha de S. Paulo, uma das melhores fontes de informações quentes de bastidores da nossa grande imprensa:
"A investigação sobre o desastre de Brumadinho chegou à cúpula da Vale: um dos gerentes da empresa disse às autoridades que a diretoria executiva da companhia sabia que havia um decréscimo no nível de segurança da barragem.
É a primeira vez que um depoimento aponta diretamente para diretores executivos da empresa.
O gerente diz que discutiu o assunto com superiores e que eles estavam cientes dos problemas da barragem".
Espero ainda estar vivo para ver quando, num crime da ganância tão gritante como o de Brumadinho, os altos executivos da empresa exterminadora forem condenados por homicídio culposo, com todas as agravantes possíveis e imagináveis. Lavará minha alma!
.
(por Celso Lungaretti)

DEPOIS DA RÁDIO NACIONAL E DA REDE GLOBO, O HUMORÍSTICO "BALANÇA MAS NÃO CAI" RESSURGE NA TV VENEZUELANA

Era uma das maiores atrações da Rádio Nacional nos anos 50...
hélio schwartsman
DIA D FRACASSA NA VENEZUELA
Fracassou a tentativa do Ocidente de atiçar uma mudança de regime na Venezuela. 

O plano até que não era ruim. Só o que segura Nicolás Maduro no poder é o apoio dos militares. Se a oposição, liderada por Juan Guaidó, tivesse conseguido fazer com que soldados deixassem de reprimir venezuelanos em busca de alimentos e remédios nas fronteiras com a Colômbia e o Brasil, poderia ter desencadeado um movimento de deserção em massa que acabaria por derrubar o governo. Mas isso, até o momento em que escrevo, não aconteceu.

A não materialização desse cenário deixa a maioria dos atores numa situação difícil. 

Maduro sobreviveu à investida, mas está ainda mais isolado do que há um mês, quando Guaidó se declarou presidente. 
...renasceu em 68 na Globo, ainda como programa humorístico...
Os militares que apoiam o regime perderam a chance de bandear-se com a promessa de anistia e num contexto preparado para reduzir a probabilidade de uma transição violenta. Não se sabe se terão outra oportunidade dessas.

Guaidó viu seu plano fracassar. O Dia D não definiu nada, e o impasse deve agora prolongar-se. 

Os mais de 50 países ocidentais que reconheceram o jovem parlamentar como presidente legítimo veem-se agora na delicada posição de apoiar um dirigente que não tem controle do país. 

Pior, o fracasso pode levar Donald Trump e outros incautos a flertarem com uma intervenção militar, o que seria desastroso para a Venezuela e para toda a região.

Quem mais perde, como sempre, é a população venezuelana. Não há a menor perspectiva de futuro com o governo bolivariano. 
...e agora virou reality show na Venezuela.

Acho que nem o próprio Maduro acredita que ele possa presidir a um processo de recuperação econômica. Só em 2018, o PIB experimentou uma retração de 18%, e a inflação se encaminha para a impressionante marca de 10.000.000%. 

Falta tudo no país, de comida a liberdade. Ficar com Maduro é condenar-se ao inferno, mas cabe aos venezuelanos encontrarem a forma de livrar-se do ditador. (por Hélio Schwartsman)

OLAVETES E OUTROS ALOPRADOS QUERIAM BRASIL AVASSALADO A TRUMP. MILITARES MOSTRARAM QUEM REALMENTE MANDA

clóvis rossi
SAI A FORÇA, ENTRA O ESTRANGULAMENTO
Dura derrota da nova direita: aliados dos EUA no continente americano descartaram intervenção armada
O Grupo de Lima não deu a menor atenção à sugestão de Juan Guaidó de tirar Nicolás Maduro do poder por meio de uma intervenção militar. Guaidó explicitou para Sylvia Colombo, da Folha de S. Paulo, o que queria dizer quando repetiu Donald Trump, que vive dizendo que todas as opções estão sobre a mesa. Intervenção militar seria uma delas.

Parêntesis: dias atrás, uma sessão informativa de um alto funcionário americano, cujo nome não pode ser citado conforme as regras do jogo, deixara claro que, quando os Estados Unidos dizem que todas as opções estão sobre a mesa, querem dizer apenas todas as opções políticas, diplomáticas, financeiras e comerciais —não a militar.

Até antes da reunião do Grupo de Lima nesta 2ª feira (25), o repúdio expresso a uma ação militar, partido dos presidentes do Peru e do Chile e do vice-presidente do Brasil, enterra de vez essa hipótese, que, de resto, nunca esteve seriamente no cardápio, exceto talvez na cabeça de Trump.

A opção que ficou de pé —reafirmada pelo vice-presidente Mike Pence— é a de sufocar o regime por meio do aumento das sanções.
Disparates caem bem nas campanhas eleitorais, não nos governos
Ao mirar a PDVSA, a estatal do petróleo e praticamente a única grande fonte de recursos em moeda forte para a Venezuela, o objetivo é secar esse maná e, assim, impedir o governo de fazer o já precário abastecimento de alimentos.

Em consequência, em tese haveria um incentivo para que os militares e outros grupos abandonassem Maduro.

Funciona? Talvez, mas há dois fatos para duvidar da eficácia: primeiro, Cuba está há 60 anos sob bloqueio americano, e a ditadura continua de pé. Segundo, Maduro procura sempre driblar as sanções, buscando fontes alternativas de moeda forte. Embarca, por exemplo, ouro para a Turquia e vende petróleo a terceiros países usando intermediários russos.

Ainda assim, o governo tem cada vez mais dificuldades para conter os protestos. Por um motivo simples, como relata David Parra, no Caracas Chronicles, valiosa publicação digital:
"Estive em muitas manifestações nestes anos de violência na Venezuela. Mas o que vi no dia 23 de fevereiro na fronteira com a Colômbia [as manifestações para tentar forçar a entrada de ajuda humanitária] foi diferente: toda uma sociedade lutando com o desespero daqueles que não têm nada mais a perder".
Parece evidente que nenhuma sociedade se dispõe a morrer sem lutar.
Ilustração do Caracas Chronicle: disposição de lutarem contra Maduro teria aumentado
Essa situação dramática torna sensata a afirmação do general Hamilton Mourão à GloboNews no sentido de que é preciso conversar com os generais venezuelanos para convencê-los a aceitar a transição para a democracia.

Posição sensata, mas inviável? Não necessariamente, a julgar pelo relato de Ivan Briscoe, diretor do Programa para a América Latina e o Caribe do International Crisis Group, dedicado precisamente a analisar e, de preferência, prevenir conflitos.

Briscoe conversou com um membro da Assembleia Constituinte, o Parlamento ilegítimo que a ditadura montou para desautorizar a Assembleia Nacional de maioria oposicionista. Esse leal, mas crítico chavista, como Briscoe o definiu, sugeriu que uma saída seria os generais tomarem o poder por um ano ou dois, período em que negociariam um acordo com a oposição e a comunidade internacional e, então, realizar eleições para devolver o poder aos civis.

Pode ser uma posição isolada mas é reveladora de que até no coração do regime há gente pensando em um pós-Maduro. (por Clóvis Rossi)

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

IMPERDÍVEL: FILHA DE UMA VÍTIMA DE BRUMADINHO DÁ UM CALA-BOCA NO PRESIDENTE DA VALE DA MORTE S/A

Uns têm todas os privilégios e delícias do mundo...
patrícia borelli
SCHVARTSMAN, VOCÊ ESTÁ ERRADO: NÃO É A VALE
QUE JULGA QUEM É
OU NÃO UMA JÓIA
A minha mãe, Malu, é que era uma joia brasileira. Todo mundo que fala dela lembra-se do seu sorriso, da sua bondade. Da sua bravura de leoa quando mexiam com a família dela. 

A Malu foi levada pela lama tóxica que a Vale derramou lá em Brumadinho. A onda lá na pousada devia ter uns 10 a 12 metros e velocidade de 80 km por hora.

Foram com ela Adriano, Camila, Luiz, Fernanda, Lorenzo: cinco joias, de futuro longo, violentamente interrompido no dia 25 de janeiro. Foram com eles outras 300 ou mais pessoas-joias: pais, filhos, netos, avós, sobrinhos, tios, irmãos.

Todos eles deixaram de existir num intervalo de minutos. Eu nunca vou esquecer o tamanho do vazio que senti quando vi o local do desastre com os meus próprios olhos...

O estado de Minas Gerais é uma joia. Com suas lindas montanhas e rios —como o Paraopeba, que morreu. Com seus cidadãos e suas belas comunidades como a de Brumadinho —completamente traumatizada, com futuro incerto e arrancado de suas raízes, da sua história.
...outros nem sepultura digna terão.

Joia é a cultura indígena, como aquela comunidade no morto rio Paraopeba que chora a sua existência suspensa e a perda de seu sustento e da sua natureza.  

Joias são os nossos heróis bombeiros de Minas Gerais e de todo o país que, dia após dia, enfrentam um futuro incerto que a lama tóxica traz, condições perigosas e difíceis de trabalho. Tive o prazer de conhecer membros do Gost Curitiba, que abriram mão de algumas horas de sono quase não disponíveis para conversar conosco, para que pudéssemos mostrar a nossa gratidão.

Tudo isso não para trazer sobreviventes, mas para trazer aos familiares, como eu, o conforto de ter um corpo para velar, para carregar para a eternidade com um mínimo de dignidade. Eu ainda não tive esse conforto.
"Levante-se da próxima vez que houver minuto de silêncio pelos nossos mortos"
Joias são as equipes de médicos-legistas que trabalham dia e noite incansavelmente nos nossos familiares perdidos. Trabalham com corpos e fragmentos de corpos nos mais variados estados de decomposição. Trabalham para dar a eles seus nomes de volta, devolver-lhes sua história, tirá-los da temida lista (que confiro todos os dias) dos desaparecidos de Brumadinho.

Trabalham para nos dar mais respostas, embora as mais importantes ainda fiquem…

Joias são os voluntários que abandonaram suas vidas para prestar apoio às comunidades afetadas, aos bombeiros convalescidos, e distribuir doações, abraçar, dar amor. Porque eles não se conformam, porque eles choram por todos nós.
"Vidas não podem ser danos colaterais de uma estratégia falida"
Uma empresa não é joia só por trazer empregos e dinheiro. Uma empresa-joia lidera guiada pelo norte da ética, do respeito à vida e ao meio ambiente. E a Vale, hoje, não é essa empresa. Vidas não podem mais ser risco calculado, danos colaterais de uma estratégia falida.

Fabio, hoje não é a Vale quem julga quem é e quem não é uma joia. Somos nós que julgamos. A voz de Brumadinho, Fabio, é nossa. Essa é a nossa história. 

E, por último, mas não menos importante, levante-se da próxima vez que houver minuto de silêncio pelos nossos mortos. Seria uma demonstração melhor de respeito às nossas joias brasileiras. (por Patrícia Borelli)
Homenagem musical a quase todos os membros da classe dominante brasileira

VENEZUELA, UMA REVOLUÇÃO ESGOTADA – 2

Raúl Castro e Chávez em reunião da Alba. E os países-chaves?
(continuação deste post)
.
Estas, por sua vez, alimentariam e supririam o povo venezuelano, criando um regime virtuoso de transações econômicas. A Alba – Alternativa  Bolivariana para as Américas, criada em 2004, seria uma espécie de União Européia com cores de esquerda.

O projeto foi parcialmente sucedido, mas Chávez nunca conseguiu englobar os países-chaves do processo: Brasil e Argentina. Estes dois, ciosos de sua liderança regional, preferiram trilhar outros caminhos, passando ao largo do movimento bolivariano. Deste modo, a Venezuela continuou isolada, com seus petrodólares respondendo pelo bom desempenho do regime em época de valorização do barril da commodity

Em termos gerais, a revolução bolivariana foi bem-sucedida em melhorar os níveis de vida da vasta maioria da população, mas a base de seu triunfo foi também o motivo de sua ruína. 

Os EUA nunca aceitaram as reformas nacionalistas do regime bolivariano. Além de terem sido a mão que balança o berço no golpe de estado de 2002, sempre agiram para bloquear comercialmente o país. Contudo, por dependerem do petróleo venezuelano e estarem num momento de isolamento político no continente, optaram por agir inicialmente de modo sutil.
A deterioração econômica exacerbou a luta política

Após a queda do regime líbio e o consequente controle do petróleo daquele país, além da estabilização do Iraque, o governo de Washington começou a agir de modo mais audacioso, impondo sanções econômicas mais duras. 

O declínio do preço do petróleo e mudanças políticas na América Latina começaram a piorar a situação de vida da população venezuelana, subitamente confrontada com o aumento do preço dos bens importados. A escassez de alimentos e produtos de necessidade básica tornou-se prática corrente, fazendo disparar a inflação e piorar a situação do povo. 

A deterioração econômica do país levou à exacerbação da luta política e a instabilidade tornou-se norma. Em resposta, Maduro, herdeiro do falecido Chávez, partiu para o reforço de aspectos autoritários do regime, tentando salvar o poder político do movimento bolivarianista. 

Assim chegamos à situação atual, quando inúmeros países, capitaneados pelos EUA, não reconhecem a legitimidade presidencial de Maduro, optando, ao inverso, por apoiarem um obscuro líder da oposição para o comando da nação. Ao mesmo tempo, promove-se escancaradamente uma tentativa de invasão ao país, sob pretexto de ação humanitária.
Maniqueísmo à parte, não existe solução óbvia para a Venezuela

Lembrando o exemplo do Haiti, acima citado, a marcha da história está sempre aberta, sem sabermos ao certo como algo terminará. 

Fato é que a revolução bolivariana começou e transcorreu como um avanço ao povo venezuelano, mas é mais fato ainda que se deu dentro dos marcos sociais extremamente limitados de um país periférico e dependente da venda de petróleo. 

Marx disse que a revolução teria de acontecer dentro de um contexto no qual já estivessem dadas as condições materiais de produção capazes de universalizar a riqueza, pois, do contrário, teríamos apenas a universalização da pobreza e a sociedade retornaria à situação de grave conflito interno. 

Mas também foi o filósofo alemão quem alertou sobre o ser humano não fazer a história nas condições desejadas por ele, mas sim nas condições dadas pela realidade. 

É a dura realidade da história concreta e contraditória. 

Não deveriam os escravos haitianos se rebelarem em 1791, pois sua revolução acabaria por engendrar o país mais pobre das Américas? 
"A Guerra do Iraque gerou o Estado Islâmico, o que geraria uma Guerra da Venezuela?"
Não deveria o povo venezuelano ter apoiado Chávez e sua revolução bolivariana, pois ela acabaria no regime capenga de Maduro?

A história não é feita de modo frio e analítico; por mais que retrospectivamente possamos lamentar o desfecho, as pressões concretas do momento sempre serão o fator determinante para ação coletiva. 

Nem mesmo os seres humanos individuais são obra apenas de suas escolhas individuais. Maduro não é apenas um sujeito alçado ao governo da Venezuela, ele é produto da decomposição do regime bolivariano através da exacerbação de sua razão de estado militarista.

Diante da pressão de uma estrutura social vacilante, de uma oposição fascistoide e do cerco de uma potência imperialista, o caminho do regime de Maduro foi institucionalizar um regime com cores ditatoriais.
"Na prática, então, não há saída imediata"

E qual a saída para a Venezuela? 

Entregar o poder à oposição é trocar uma ditadura por outra e abrir caminho para novas lutas futuras, talvez até com novos Caracaços

Invadir a Venezuela é um ato alucinado que poderá gerar uma nova Síria encravada no coração da América Latina, com consequências terríveis inclusive para o Brasil. A Guerra do Iraque gerou o Estado Islâmico, o que geraria uma Guerra da Venezuela?

Apoiar Maduro é simplesmente fechar os olhos aos limites do movimento bolivariano e, ainda, chancelar ações ilegais e ditatoriais daquele governo. 

Na prática, então, não há saída imediata. Óbvio, a história vai seguir seu curso e uma hora ou outra as contradições explodirão. 

Caso me fosse permitido uma especulação, diria que – caso não haja guerra – a tendência é Maduro institucionalizar seu regime e a Venezuela congelar durante anos, mais ou menos como Cuba congelou. 
A Venezuela congelará como Cuba?
O Haiti também congelou e se tornou uma ilha do século 18 fincada no 21. 

Mas, a cada falha e beco sem saída, nós, revolucionários, aprendemos algo a mais e calibramos nossa ação. 

Que a sina da Venezuela agora nos dê mais uma lição. 
(por David Emanuel
de Souza Coelho)

domingo, 24 de fevereiro de 2019

A VENEZUELA, SOB O CRIVO DO OLHAR EMANCIPACIONISTA DE DALTON ROSADO

"A Venezuela, com todo o seu ferro e todo o seu petróleo, nunca valerá mais do que os seus habitantes" (Renny Ottolina, político e 
apresentador de rádio e TV)
Mais uma vez se coloca diante da visão emancipacionista da humanidade uma falsa dicotomia entre dois projetos políticos capitalistas na base, de forma que a diferenciação entre ambos é meramente política.

Nessa briga de posturas eminentemente políticas, cabe-nos meter a colher para evitar que esses dois projetos sejam tidos como os únicos possíveis. Há outra opção, que se impõe para toda a humanidade e que deverá surgir de modo global, como forma de se viabilizar socialmente.  

De um lado está o autoproclamado presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, um parlamentar apoiado pelos governos liberais capitalistas ditos democráticos, alinhados aos Estados Unidos; do outro, um governo que se agora se afirma claramente como marxista tradicional, ainda que sob a insígnia de um bolivarianismo latino-americano. 

Afirmamos enfaticamente que ambos são capitalistas pelos simples fato de que se regem na economia pelas categorias capitalistas que estão presentes em seus projetos políticos, independentemente de se proclamarem como de direita ou de esquerda.
A melhor escolha entre esses dois é... nenhum deles!

Afinal, dinheiro e mercadoria como expressões materializadas do valor, mercado, Estado, parlamento burguês, controle monetário, trabalho abstrato e trabalhador, Constituição que sacramenta o direito de propriedade, são categorias presentes em ambos os projetos políticos.

A democracia liberal é sempre uma farsa de escolha popular. Escolhe-se entre o que já foi previamente escolhido, ou seja, as candidaturas se processam sob a égide de regras previamente estabelecidas de cumprimento dos cânones burgueses constitucionalmente constituídos, a partir dos quais se deve governar, tudo sob a influência avassaladores dos poderes econômico e midiático que tudo comandam. 

Assim, quando se fala em governos democráticos como os que apoiam Guaidó (cujos interesses são os do capitalismo liberal mundial em fim de feira) há que se considerar a impropriedade da alusão – pelo menos se tivermos em mente uma verdadeira democracia, com participação popular livre de pressões econômicas e de manipulação das consciências.

As democracias burguesas fogem como o diabo da cruz da hipótese de mediação social sem a participação escravista indireta da forma-valor, pois isto significaria o desmascaramento da sub-reptícia escravidão indireta patrocinada pelo trabalho abstrato, que produz a acumulação da riqueza abstrata e suprime o acesso da maioria da população à riqueza socialmente produzida. 
O obtuso Maduro não encontrou uma boa resposta para isto 

Por sua vez o projeto de governo de Nicolás Maduro, que se por ele intitulado de proletário, esquece-se de dizer ao povo que a existência mesma do proletariado é uma forma de mediação social escravizada pela lógica do capital, que tem provocado a miséria do povo venezuelano em meio a tanta riqueza material existente naquele país. 

Dói em mim a contraditória hipocrisia de governos ditos democráticos, regidos pelo capital, que garroteiam economicamente a Venezuela por esta não se submeter aos seus caprichos político-econômicos, e ao mesmo tempo querem posar de beneméritos fornecedores de comida e remédios a um povo que está perdendo peso por subnutrição e morrendo por falta de assistência medicamentosa e hospitalar. 

Estabelece-se, assim, uma falsa dicotomia de projetos similares na sua base econômica e diferenciados na sua concepção de acesso ao poder político e de governabilidade do Estado.

Neste quadro ressurgem sintomas da não ultrapassada guerra fria do pós-guerra, com a Rússia e a China, grandes credores internacionais da Venezuela, a se posicionarem contra o bloco capitalista burguês, tudo dentro de um mesmo interesse mesquinho: a detenção da hegemonia econômica, que é nefasta para o povo qualquer que seja o seu tutor político (os venezuelanos estão sendo induzidos e escolherem entre a cruz e a caldeirinha...).
Marcarão os caminhões mais uma derrubada de presidente?

É melancólico ver aquele povo desesperado se digladiando na defesa de projetos políticos que lhe são antagônicos na essência, tudo por pura inconsciência sobre o que está a lhe infelicitar.   
Tanto o bloco democrático burguês liderado pela arrogante Donald Trump e seus seguidores latino-americanos, quanto a Rússia de Vladimir Putin ou a China de Ji-Xiaoping, nenhum deles está interessado na soberania do povo da Venezuela; quer é estabelecer sua hegemonia econômica sobre o país mais rico da América latina em petróleo, gás natural, ferro e outros minerais valiosos. 

Ressalte-se que a Venezuela detém reservas de petróleo maiores que as da despótica Arábia Saudita, cujo príncipe herdeiro (Mohammed bin Salman) manda matar seus adversários políticos na própria embaixada, como ocorreu com o jornalista saudita Jamal Khashoggi, nem por isto deixando de ser aliada dos Estados Unidos. Continua deles recebendo reconhecimento político e sendo sua parceira econômica.  

Mas, algo está a evidenciar-se nessa disputa hegemônica de poder político-econômico que se trava em torno da Venezuela:
Quem merece nossa solidariedade é o povo, e só ele
— a hipocrisia de uma ajuda humanitária cujo objetivo claro é desestabilizar o governo Maduro e entronizar o aliado Guaidó; e 
— a incapacidade de sustentação de governos despóticos, militarizados, que se mantém fieis à lógica capitalista ainda que se digam anticapitalistas, e que querem manter Nicolás Maduro no poder a qualquer preço.
Nesta falsa dicotomia entre projetos políticos idênticos na sua base econômica, os emancipacionista dizem fora tudo, fora todos, clamando ao povo para que se organize em estruturas administrativas horizontalizadas, abandonando a lógica produtora do lucro e assumindo a produção social unicamente voltada para a satisfação das necessidades de consumo. 

A riqueza material mundial deve ser usada para a grandeza da espécie humana como um todo, sem fronteiras, de modo ecologicamente sustentável e corporificando uma nova concepção ético-moral de comportamento. (por Dalton Rosado) 

COM A ESCALADA DO RETROCESSO, O PAPEL DA MULHER PODERÁ VOLTAR A SER O DE CUIDAR DA CASA, COZINHA E CRIANÇAS

Por Roberto Romano, filósofo
"Assistimos à revanche do campo teológico-político contra os princípios democráticos da Reforma Protestante, 
do liberalismo e do programa positivista 
que exigiam a separação de Igreja e Estado. Os sinais de imposição religiosa nos campi e nas escolas brasileiras são evidentes, com ataques à teoria da evolução e com a defesa do criacionismo.

Mais grave é a guerra contra os direitos humanos, sobretudo os da mulher e das minorias. A acreditar nas declarações de representantes religiosos acerca de como deve ser o Estado brasileiro, à mulher se reservam os famosos três C vigentes no período mais negro da história ocidental: casa, cozinha, crianças.

Estado laico é sinônimo de poder democrático, do povo. Se ocorrer a sua morte e se forem restaurados os hierarcas (de qualquer religião), a democracia será definitivamente banida. O futuro dirá."
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