quarta-feira, 31 de outubro de 2018

A ESQUERDA CUJOS ERROS CLAMOROSOS PROPICIARAM A VITÓRIA DO BOLSONARO ESTÁ À ALTURA DOS DESAFIOS ATUAIS?

O colunista Josias de Souza acaba de divulgar um artigo cujo título já diz tudo (Zonzos, PT e PSDB repetem velhos equívocos). E este parágrafo é lapidar:
"No PT, os poucos defensores de uma autocrítica descobrem que, como sucede desde a fundação do partido, Lula pensa primeiro nele. E depois, novamente nele".
Assim, mesmo depois de conseguir o prodígio de colocar um Bolsonaro da vida no Palácio do Planalto, o partido da fé cega continuará resistindo a defrontar-se com seus erros gritantes, renovar as lideranças que falharam miseravelmente e definir novas posturas e linhas de atuação, depois que as anteriores o conduziram (e nos conduziram) a um abismo.

Nesta 3ª feira (30), os dirigentes petistas mostraram pelo menos um pouco de bom senso, recuando de algumas declarações mais bombásticas da véspera e optando por reações mais cautelosas:
  • intensificar uma campanha internacional pela libertação do Lula, sob a justificativa de que sua integridade física estaria agora ameaçada;
  • propor a instalação de um observatório internacional para proteção de militantes de esquerda, indígenas, negros e jornalistas durante o governo Bolsonaro;
  • desenvolver ações contra a aprovação da reforma da Previdência, a cessão do pré-sal, a criminalização dos movimentos sociais e outras medidas antipáticas que Michel Temer estaria disposto a tentar viabilizar nos próximos dois meses, em troca de uma garantia de que não será preso ao deixar a presidência. 
Até aí tudo bem, desde que as ações do último item levem em conta o cenário que se desenhou nos últimos dois dias e a atual correlação de forças. 

As estridências de Bolsonaro, filhos e futuros ministros já colocaram a sociedade civil em estado de alerta contra previsíveis violações de direitos humanos e constitucionais, o que deixa antever que os aloprados encontrarão muitas dificuldades se tentarem cumprir as promessas milicianas de campanha.

Então, todo cuidado é pouco para não criarmos situações de turbulência nas ruas que acabem obrigando as Forças Armadas a alinharem-se com um governo do qual as cúpulas militares tentam guardar uma adequada distância (têm bons motivos para temerem que fracasse e não querem atrair para si o inevitável desprestígio resultante). 
Crise na Marinha em 1964: ótima para os golpistas.
Mas, que não haja ilusões: se a situação se tornar caótica, é contra os manifestantes oposicionistas que apontarão suas armas.

Em tais circunstâncias, o acirramento das tensões só convirá a Bolsonaro, o qual tem todo o perfil de quem, manietado pelo Judiciário e/ou Legislativo, agirá exatamente como Jânio Quadros, buscando romper as amarras com um autogolpe.

Quanto a nós, entrarmos no clima de briga de foice no escuro será uma estupidez, pois há enorme chance de o governo tosco e inconsistente que se esboça desabar sozinho ainda em 2019, se não lhe fornecermos o oxigênio que sustentou a campanha eleitoral de Bolsonaro e (pelo que se depreende de suas primeiras declarações como presidente eleito) vai continuar sendo vital para ele: a beligerância.
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OS 10 PECADOS CAPITAIS DO PT —  Um companheiro me pediu no Facebook que relacionasse os erros do PT desde a fundação. Respondi que a lista ficaria do tamanho de um catálogo telefônico de outrora, então enumeraria os recentes (ou seja, as besteiras da presente década) e somente os principais. 

Reproduzo a relação aqui, na esperança de que sirva de subsídio para a autocrítica que um dia o partido ainda terá de fazer (afinal, saiu pela tangente em 2016 e isto só fez piorar acentuadamente o quadro, pois ao impeachment da Dilma vieram somar-se a prisão do Lula e a eleição do Bolsonaro, então tremo só em pensar nas catástrofes que advirão se deixar novamente de cumprir com seu dever).
"rendição incondicional ao inimigo"
1. A desastrosa política econômica neodesenvolvimentista que a Dilma aplicou no 1º mandato (exumada diretamente da década de 1950), incubando a pior recessão brasileira de todos os tempos;
2. O erro fatal de ter lavado as mãos ou até se colocado contra os manifestantes de 2013 no momento em que em se abatia uma repressão fascistoide sobre eles, principalmente por parte da polícia e do judiciário de São Paulo e do Rio de Janeiro (o componente esquerdista daqueles protestos foi esmagado e a direita, a partir de então, foi aumentando cada vez mais sua influência);
3. A pusilanimidade do Lula ao não exigir a posição de candidato em 2014, mesmo sabendo que a Dilma não tinha a mais remota competência para segurar a onda que se prenunciava (talvez fosse melhor dizer tsunami!) na economia;
4. O estelionato eleitoral na reeleição da Dilma, tornando a derrota inaceitável para os tucanos (disto acabou resultando o impeachment);
5. A decisão patética da Dilma de render-se incondicionalmente ao inimigo em 2015, convocando um neoliberal para corrigir suas lambanças econômicas, sem levar conta que o João Goulart fizera a mesmíssima tentativa e seus ministros de direita foram sabotados pelo fogo amigo do Brizola e do PCB até se exonerarem (o roteiro se repetiu igualzinho com movimentos sociais e base parlamentar versus Joaquim Levy, outra bola que, aliás, eu cantei desde o primeiro momento);
"a palhaçada da candidatura fantasma"
6. A insistência da Dilma em lutar até o mais amargo fim contra o impeachment, permanecendo na defensiva enquanto o inimigo acumulava forças sem parar (no domingo em que a Câmara Federal autorizou a abertura do processo, já alertei que a guerra estava antecipadamente perdida e que melhor seria a renúncia imediata, seguida do lançamento de uma campanha na linha das Diretas-Já para, aproveitando a antipatia pela figura do Temer, retomarmos a ofensiva);
7. A teimosia do PT em negar-se a fazer a autocrítica que se impunha após a incrível sucessão de derrotas que acumulou (nas ruas, no Judiciário e no Legislativo) nas diversas batalhas do impeachment;
8. Ter lançado o Fora Temer para tirar o foco de suas responsabilidades no impeachment, fazendo passar por golpe de Estado o que não passou de um peteleco parlamentar num governo que estava caindo de podre (resultado: o vácuo resultante da desestabilização do Temer foi preenchido pela extrema-direita bolsonarista e pelos golpistas que clamavam por intervenção militar);
9. A rasteira desastrosa que o Lula aplicou no Ciro Gomes, inviabilizando a união da esquerda numa frente para apoiar uma candidatura única, que poderia ser do Ciro, da Marina ou do Boulos (bastava não pertencer aos quadros do PT e não carregar a enorme rejeição que tal partido acumulou em 13 anos no poder);
10. A palhaçada da candidatura fantasma, mediante a qual o Lula sacrificou a eleição presidencial para tentar validar a  narrativa do golpe e a narrativa do preso político. Queria um desagravo moral e o que obteve foi uma perda total. 
Por Celso Lungaretti

Lula contou, claro, com a conivência das vaquinhas de presépio que consentiram em suas lambanças, dando a impressão de que o partido se tornou uma seita religiosa idolatrando um único e verdadeiro deus (e não mais um agrupamento de cidadãos com capacidade crítica e líderes de si mesmos, empenhados em transformar a sociedade). 

terça-feira, 30 de outubro de 2018

SEGUNDO LUÍS ROBERTO BARROSO, OS MINISTROS DO STF HONRARÃO A TOGA

A notícia mais alvissareira da 3ª feira (30) é esta, da coluna da Mônica Bergamo na Folha de S. Paulo:
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"A proteção de direitos fundamentais deve unir as correntes distintas do Supremo Tribunal Federal como há muito não se via. Diversos ministros têm manifestado preocupação em relação a declarações e iniciativas que indicam a possibilidade de um retrocesso em vários temas depois da eleição de Jair Bolsonaro.

O ministro Luís Roberto Barroso é um dos primeiros a externalizar a convicção. 'O Supremo pode ter estado dividido em relação ao enfrentamento da corrupção. Muitos laços históricos difíceis de se desfazerem, infelizmente. Mas em relação à proteção dos direitos fundamentais, ele sempre esteve unido', afirma.
Gilmar Mendes e Barroso: desta vez concordantes

O magistrado diz que sempre houve consenso no tribunal 'em favor das mulheres, dos negros, dos gays, das populações indígenas, de transgêneros, da liberdade de expressão', afirma. 

'Aliás, esse episódio envolvendo a proibição de manifestação em universidades já sinalizou isso. Por essa razão, não creio que haverá retrocesso', completa.

Quando juízes eleitorais ordenaram que a polícia entrasse em universidades para retirar faixas e fiscalizar materiais, Gilmar Mendes e Barroso foram os primeiros integrantes do STF a se manifestarem a respeito. Os dois quase sempre divergem em matérias criminais".
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Nem tudo está perdido.

À SOMBRA DE FRACASSOS SECULARES

David: entre trevas e ilusões.
A revolução russa completará 101 anos no próximo dia 7. No momento do cinquentenário, o filósofo Ernest Bloch escreveu um texto no qual fazia um balanço pessimista da experiência revolucionária, afirmando, entre outras coisas, que seria necessária uma correta correção de rumos para que “quando a revolução russa estiver celebrando 100 anos, não estejamos ainda enfrentando a fome, a guerra e o fascismo”.

Infelizmente, aos cem anos mais um, tudo isto está bem presente entre nós. A revolução sumiu do horizonte, embora ainda esteja presente na forma de espectro, o mesmo que já era vaticinado por Marx no século XIX. 

O resultado catastrófico da perda do horizonte revolucionário foi o rebaixamento do programa político das forças de esquerda ao redor do mundo. Até mesmo a socialdemocracia, que existia enquanto limite burguês frente ao ímpeto da revolução, foi eliminada. 

Só restou às forças à esquerda administrar o inadministrável, transformando-se em força reacionária, capitã de ataques à classe trabalhadora. Deste modo, o ônus foi duplo: não apenas assumiram o déficit de governar sem mudar nada, como também romperam o vínculo com a população trabalhadora ao conduzirem medidas pró-capital. 

O próprio regime capitalista entrou em estado terminal, tornando as crises cada vez mais corriqueiras e a pobreza cada vez mais comum. 
"Desde que ajudou a reprimir os protestos de 2013, o que a esquerda faz é fortalecer a extrema-direita"
O neoliberalismo, regime específico de acumulação capitalista, foi instituído na década de 1970 justamente em resposta à crise terminal do capitalismo. Diante da impotência do sistema produtivo em reproduzir o capital em ritmo aceitável, a saída foi declarar aberta a pilhagem completa por meio da financeirização generalizada. O mundo virou uma grande ciranda financeira. 

A crise de 2009 foi o primeiro grande baque da lógica especulativa do neoliberalismo. O sistema sustentado por papéis fictícios viu-se, de repente, pairando no ar. Os devastadores efeitos da crise abalaram todo o regime político neoliberal. A ordem geopolítica pós-guerra fria afundou e uma confusão foi instalada no mundo. 
 "pilhagem completa por meio da financeirização exagerada"

A esquerda foi pega de surpresa. Acomodada à dinâmica de administrar o neoliberalismo, sem programa reformista ou revolucionário, simplesmente afundou junto com o sistema político. 

Abriu-se uma janela revolucionária que, no entanto, não pode ser aproveitada, pois não havia nenhum norteamento a seguir. 

O ímpeto revolucionário esvaiu-se em insurreições  superficiais, que ou terminaram por falta de fôlego (Occupy Wall Street, jornadas de junho de 2013, Indignados, etc), ou entraram num lodaçal sanguinário (Primavera Árabe na Síria e no Iêmen). As insurreições globais entre 2009 e 2014 foram mais espasmos do corpo social lutando para reagir à infecção, mas sem o auxilio do medicamento correto. 

Logo a poeira baixou, mas a insatisfação persistiu. A burguesia percebeu que era preciso lançar mão de uma nova estrutura política capaz de sustentar um regime econômico de neoliberalismo ainda mais radicalizado. Por isso, o fascismo começou a ressurgir ao redor do mundo, sob moderna roupagem, atinado às práticas da era digital e do sistema pós-fordista de produção. 

Muita gente nega a existência de uma ascensão fascista ao redor do mundo pois os movimentos atuais não teriam as características do movimento originário do século XX. Ora, claro que não têm, pois estamos em outra época histórica, com outras estruturas sociais. 
O esbravejador grosseiro foi substituído pelo pop star carismático

Hoje, p. ex., não há mais a figura da rígida disciplina fordista. A submissão às personalidades é feita hoje pelo culto ao pop star. O líder fascista não é mais o esbravejador grosseiro do século XX, mas a personalidade carismática e descolada. 

Tal fascismo atualizado capitalizou a insatisfação popular aproveitando-se do clima de desesperança e, sobretudo, de falta de rumo das massas. A gigantesca destruição institucional operada pelo neoliberalismo, com a democracia se tornando opaca aos interesses populares e o irracionalismo se generalizando, permitiu a maximização do uso de mentiras e da disseminação do ódio por parte deste movimento.

O fato de os partidos de inspiração socialista terem passado décadas, em vários lugares, sustentando o regime agora falido, foi um fator importante que permitiu ao neofascismo culpabilizar a esquerda pela crise amargada pelas pessoas. 

À esquerda, rebaixada em seu programa, umbilicalmente ligada ao regime político do neoliberalismo, só restou assistir, incrédula, ao avanço das hostes barbaras e à adesão massiva do povo ao que de pior existe na humanidade. 
"o homem certo para conduzir a expropriação generalizada"

É preciso falar isso tudo para entender a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência. Uma nulidade completa será o responsável principal pela vida de todo um país dentro de dois meses. Contudo, sua vitória só é possível de ser compreendida nos marcos gerais da crise programática da esquerda, com a ausência de um horizonte revolucionário e a adaptação de seus partidos à lógica administrativa do neoliberalismo. 

Bolsonaro galvanizou o descontentamento popular com o regime neoliberal falido. Ao mesmo tempo, com seu discurso radicalmente anti-humanista e repressivo, conseguiu cair nas graças da burguesia nacional: é o homem certo para conduzir a expropriação generalizada do povo. 

Ele não possui programa. Nem sequer possui um norte. Sua pauta é inteiramente negativa. Enquanto peão neofascista do movimento reacionário mundial, sua missão é única e exclusivamente de devastar o país e subjugar as classes subalternas. É uma bucha de canhão a ser rapidamente usada. 

E a esquerda? Depois de ter cumprido papel repressivo em 2013, seu destino parece ser o de tentar reviver o passado. A esquerda brasileira simplesmente não possui qualquer solução para a crise atual. Até por isso, acabou sendo derrotada por uma nulidade cujo máximo de formulação intelectual sobre os desafios presentes era dizer: tem que mudar issaí
"O Brasil precisa de uma figura como Bernie Sanders"

O eleitor, ao que parece, preferiu o sujeito da frase – que, ao menos, admite a necessidade de se mudar a situação atual – do que gente que acredita que as instituições estão funcionando perfeitamente. 

Na verdade, a história da esquerda brasileira de 2013 até hoje tem sido a história do fortalecimento da extrema-direita. Seu papel tem sido apenas o de sufocar o surgimento do novo autêntico. 

No momento, o Brasil precisa de uma figura como Bernie Sanders, alguém que possa chutar a porta do sistema e apontar a podridão generalizada do regime político e econômico; não precisa de alguém que candidamente acredita ser possível ganhar eleição se fingindo de religioso. 

No entanto, o que mais precisamos é retomar o norte revolucionário. A própria pressão revolucionária é fator determinante de combate ao neofascismo e de surgimento de tendências reformistas do capitalismo. 

Sem a radicalidade revolucionária, só nos restará viver permanentemente entre as trevas de um governo Bolsonaro e as ilusões de um governo petista. (por David Emanuel de Souza Coelho)

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

O DESABAFO DO TRICAMPEÃO TOSTÃO FACE AO QUE O FUTEBOL E O BRASIL SE TORNARAM

Estes artistas da bola nos enchiam de orgulho...
tostão
BRASIL É HOJE PAÍS DO JOGO FÍSICO E DA
TRUCULÊNCIA, DENTRO
 E FORA DE CAMPO
No período de conquistas das Copas de 1958, 1962 e 1970, com um intervalo decepcionante em 1966, criou-se a mística do país do futebol, do jogo bonito, da improvisação, da habilidade, da técnica, da inventividade e da fantasia. O mundo dizia que havia um craque em cada esquina no Brasil. O confronto contra os europeus era o do futebol arte contra o futebol força.

O cineasta Pasolini disse, logo após a final da Copa de 1970, que a poesia brasileira tinha vencido a prosa italiana. Chico Buarque escreveu que os europeus eram os donos do campo e que o Brasil era o dono da bola.

Muitos lances se tornaram marcas de nosso futebol, como as tabelinhas curtas; os passes de curva, de rosca, de trivela; os dribles, como os elásticos; os chapéus; a ginga; a finta (drible sem tocar na bola) e tantos outros.

Por outro lado, criou-se o conceito equivocado, que perdura até hoje, de que os craques não precisavam de técnico. A Seleção de 1970, dirigida por Zagallo, foi brilhante, inovadora, porque tinha muitos craques e muito talento coletivo.
...enquanto este brutamontes só nos envergonha.

Com o desenvolvimento da tecnologia, da globalização e da ciência esportiva, o mundo e o futebol mudaram, embora algumas características continuem marcantes em cada continente, e até mesmo entre países do mesmo continente.

Os europeus, aos poucos, se organizaram, contrataram ótimos jogadores, de todo o mundo, melhoraram os gramados e os estádios, diminuíram a violência, dentro e fora de campo, e passaram a jogar de uma maneira mais agradável, com mais intensidade, mais troca de passes e com mais lances de efeito. Com isso, melhorou a qualidade, faturaram mais e contrataram jogadores ainda melhores, perpetuando-se um ciclo positivo.

Enquanto isso, no Brasil e na América do Sul, as partidas ficaram mais violentas, dentro e fora dos estádios, aumentou o número de faltas, as trombadas e o jogo físico. Isso é Libertadores, gostam de dizer. Evidentemente, a saída dos principais jogadores para o exterior é um fato importantíssimo para o declínio técnico. Entre as seleções, é diferente, porque os melhores atletas que estão no exterior são convocados.

Inverteu-se o modelo de jogar futebol. O dos europeus é cada vez mais o de Guardiola; de Sarri, treinador do Chelsea; e de Klopp, do Liverpool. 
Guardiola lapidou o grande gênio futebolístico do nosso século
É o futebol-arte. São treinadores que só querem ganhar jogando bem. Nos times brasileiros, o modelo é o dos Mourinhos, que querem ganhar de qualquer jeito. É o futebol-força.

Os dois clássicos sul-americanos dessa semana foram bons exemplos da realidade atual. Foram jogos essencialmente físicos, com pouca técnica. 

Os quatro times jogaram mal. Palmeiras e Grêmio usaram as mesmas estratégias, marcar, marcar, não sofrer gols e, quem sabe, fazer um. O Palmeiras teve todos os espaços para trocar passes e contra-atacar e se limitou a dar chutões. 

O Grêmio, o time brasileiro que mais gosta de ter a bola, teve de mudar, por causa dos desfalques. Mesmo assim, tentou trocar passes, mas não conseguiu.

Era uma vez o país do futebol. O mundo parava para ver o Brasil jogar. Os pais e avós de Guardiola contavam histórias para ele sobre a magia do futebol brasileiro. Ele escutava e sonhava. 

Hoje, é o país do jogo físico, da truculência, dentro e fora de campo, da incompetência, da intolerância, da corrupção, da miséria social, do desrespeito à democracia e da desesperança. (por Eduardo Gonçalves de Andrade, o Tostão)

A canção de Milton Nascimento evoca os anos de ouro do nosso futebol

O CINEASTA WALTER SALLES COMPARA A ELEIÇÃO DE BOLSONARO AO FILME "O OVO DA SERPENTE". ASSISTA-O NO BLOG E JULGUE

O paralelo com a fita de Ingmar Bergman (leia mais sobre ela aqui) se deve à crise econômica aguda que se abatera sobre a Alemanha a partir da hiperinflação de 1923, deixando o homem comum sem qualquer perspectiva de futuro. 

Nesse cenário de bebedeiras, desregramentos, prostração e caos, estavam sendo engendrados o totalitarismo e o antissemitismo nazistas.

Walter Salles, o premiado diretor de Central do Brasil, foi além: "A vitória de Bolsonaro é o maior retrocesso desde o final da ditadura militar".
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APÓS A INFLEXÃO DE RECUO SOCIAL, SERÁ RETOMADO O INEXORÁVEL AVANÇO DA RODA DA HISTÓRIA

O tempo da história não obedece à contagem cronológica do tempo linear de uma vida humana. Tem outra dimensão. 

É preciso estarmos atentos à rotação da roda da História para compreendermos que, ainda que possamos em alguns momentos retroceder socialmente, isto apenas significa um espaço temporal para o condicionamento de um impulso maior de sua velocidade.

O ser humano sobre a face da Terra (da qual é originário, sendo, portanto, parte dela) se constitui numa criatura em desenvolvimento sob todos os aspectos; a própria natureza molda o nosso destino evolutivo. 

Neste sentido, todos os acontecimentos históricos significam um estágio de progressos e crises que se alternam sempre no sentido da evolução do saber, da civilidade, da virtude e da capacidade do ser humano de se prover comodamente e de modo que tenha tempo para cultivar comportamentos que dignifiquem a sua existência.

As crises mais não são do que o impasse gerador do que é novo e capaz de catapultar o progresso. Por mais inquietantes que sejam os prenúncios da positivação de posturas autoritárias e negadoras das virtudes humanas, eles são sempre apenas a antevéspera da sua própria negação.

Os hediondos crimes nazistas, p. ex., demonstram do que o ser humano é capaz num ambiente de positivação da negatividade humana. 

Tais crimes, contudo, não se sustentam historicamente, já que são a negação da essência humana em desenvolvimento.   

Mais: o tempo histórico é diferenciado do tempo da existência de uma única pessoa, daí a nossa existência individual ser significativa apenas quando ela dá um contributo para a grandeza do ser no seu mais alto significado, capaz de demonstrar a sua interação com a natureza que o criou e que dele espera uma resposta virtuosa.

Cada vida humana não vale apenas pelo que conseguiu usufruir, mas pelo legado que deixa para os pósteros. Esta é a função mais dignificante de um revolucionário diante das injustiças sociais. 

O injustiçado judeu morto pela idiossincrasia nazista e anonimamente enterrado numa vala comum juntamente com centenas de outros, contribui como um pequeno átomo para a formação de uma consciência universal sobre a nossa pequenez e grandeza concomitantes, e a necessidade de superação dos resquícios de nossa irracionalidade em processo de superação.

Os que lutam pela afirmação do ser humano como tal devem estar temorosos do que virá para o Brasil nesses próximos quatro anos. É claro que eu também estou. 

Mas compreendo a vitória eleitoral do Boçalnaro, o ignaro, como um estágio da decadência do capitalismo que coloca na mente de muitos brasileiros (39,2% do universo total de eleitores) a falsa impressão ou vã esperança de que a intensificação do mal pode consertar as consequências do mal que ele mesmo criou.  
Cedo evidenciar-se-á a incapacidade de provimento dos sonhos desses cidadãos ávidos por mudanças. aí, esse velho travestido de novo logo mostrará as rugas de sua verdadeira identidade mumificada, porque já não há nenhuma possibilidade de um novo (e falso!) milagre brasileiro como aquele com o qual a ditadura militar mais recalcitrante enganou o nosso  povo no período 1964-85, até cair de podre.  

Em que pese o grau de dificuldades e restrições que decerto serão impostas às nossas ações emancipacionistas, devemos avaliar que aos capitalistas mais assumidos agora caberá a tarefa de administrarem o inadministrável, ou seja, dar retorno ao povo apesar da falência econômica social e política em curso; tal prova dos nove poderá ser educativa, dependendo da nossa capacidade de conscientização e ação. 

Mais do que nunca, entendo que não nos cabe a tarefa de salvar o capitalismo decadente a partir do aparelho de Estado, senão denunciar a sua disfunção social e sua verdadeira função de manutenção de uma ordem institucional injusta, porque mantenedora de um modo de produção social injusto na sua raiz.

Não é a partir de eleições burguesas que educaremos o povo, pois se isto fosse factível estaríamos noutro patamar de conscientização após mais de um século de eleições, e não nós tornaríamos susceptíveis do engodo eleitoral do atraso representado por quantos ora se assenhoreiam do poder político com ideias totalitárias. 

Impõe-se, portanto, a conclusão de que:
— ao invés de cortejarmos o poder político burguês, devemos negá-lo; 
— ao invés de acionarmos o eterno pêndulo da ineficácia que entroniza no poder político burguês, em alternância, governos de esquerda e de direita que se se diferenciam politicamente mas são iguais na sua essência ontológica (a mediação pela forma-valor), devemos negar tal participação; 
— ao invés de legitimarmos o poder político burguês parlamentar com a nossa participação sempre minoritária, devemos negá-lo como instância pertencente e subjugada a uma escória eleita a partir da manipulação eleitoral do poder econômico, dominador e influente no Brasil mais profundo.     

O ano de 2019 servirá para que confrontemos a falência estatal de várias unidades da Federação e da União Federal, sem termos a incumbência de tomarmos medidas impopulares que objetivem manter as contas públicas em dia, tais como zerar o déficit previdenciário existente a partir de uma lógica social que desemprega e torna a equação atuarial previdenciária impossível de ser administrada senão com a restrição de direitos de quem trabalhou anos a fio contribuindo mensalmente com descontos nos seus salários e agora se vê na iminência de ter a sua aposentadoria adiada para o pós-morte.

Ademais, servirá:
 para não aceitarmos o ajuste fiscal com a redução dos gastos públicos em demandas sociais e a priorização dos gastos da máquina pública opressora; 
— para que não sejamos nós a pagar quase R$ 500 bilhões de juros aos agiotas internacionais que vivem de renda às custas dos nossos sacrifícios sociais;
— para que cobremos a pacificação num país com números de violência urbana típicos de uma nação em guerra civil (consequência da impossibilidade de convivência social fraterna com 50% da população ganhando salários inferiores a dois salários-mínimos (conforme o Ibope) e 13,7 milhões de pessoas reduzidas ao desemprego crônico;
— para sabermos como se vão prender os miserabilizados pelo capital, muitos dos quais induzidos ao crime numa proporção tal que torna o Estado incapaz de processá-los e encarcerá-los (ou teremos de aceitar o assassinato como política de Estado para evitarmos os custos proibitivos do encarceramento?);  
— para termos oportunidade de cobrar uma política educacional eficiente na forma (escolas públicas bem aparelhadas e professores dignamente remunerados) e com conteúdo curricular que exalte as melhores virtudes humanas; 
— para podermos cobrar do Sistema Único de Saúde ações capazes de prover a necessidade de atendimento médico a uma população que vem morrendo nas portas dos hospitais e unidades de atendimentos médicos.

Agora que se pretende inaugurar a era da corrupção-zero a partir de uma onda moralizante (e hipócrita), veremos se o capitalismo é capaz de prover as demandas sociais a partir do gerenciamento estatal dos seus próceres mais assumidos.  

A roda da História, neste exato momento, fez uma inflexão de recuo, mas devemos aglutinar forças para que isso represente apenas uma tração maior no sentido do impulso do progresso social e humano. 

As condições para a aferição da verdade histórica estão mais colocadas do que nunca, de forma que o entusiasmo totalitário de hoje deverá representar a desilusão de amanhã. 

Com isto, abrir-se-á espaço para o inexorável avanço da roda da História e do seu encontro com a verdade, que é sempre relativa e em eterno estágio de mutação. (por Dalton Rosado) 

SE DEUS É POR ELE, QUEM SERÁ CONTRA ELE?

Citando um versículo bíblico, em João 8.32 (Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará); com oração de olhos fechados, à maneira evangélica, dita por um pastor, no estilo dos crentes estadunidenses; e dizendo o lema nazista (Deutschland über alles) traduzido para o português (o Brasil acima de tudo), Bolsonaro fez seu primeiro discurso de boas intenções como presidente.

Não especificou, contudo, nenhuma medida que pretenda adotar; apenas afirmou repetidamente que vai cumprir a lei e a Constituição.

Sem dúvida, muitos católicos devem ter se arrependido do voto, pois pela primeira vez na história do católico Brasil, um presidente adotou a maneira evangélica estadunidense, digna de um Trump. Adeus laicidade.

Uma decisão ficou bem clara, logo no começo de seu discurso – a de que acabou o que chamou de flerte com o socialismo, comunismo, populismo e extremismo de esquerda. Se aplicar isso só no seu governo, será seu direito, mas o perigo é o de se tornar um regra para entidades, associações, manifestações e opções artísticas.

Como agora o Brasil vai só acompanhar os grandes países liberais, deverá haver uma mudança total da política internacional brasileira, seguindo principalmente os Estados Unidos e deixando de ser o incômodo país que, dentro da Organização Mundial do Comércio, questionava o protecionismo estadunidense.

E o Acordo de Paris, Bolsonaro fará como Trump? Houve um desmentido durante a campanha, porém resta ainda a dúvida – a ecologia será respeitada ou o Brasil, como os EUA, dirá também que o aquecimento global nada tem a ver com os predadores humanos?

Sem dúvida, a insistência na citação da Bíblia e de Deus, mais a oração pública guiada por um pastor evangélico são um agradecimento ao esforço dos evangélicos em considerar Bolsonaro como um messias enviado para solucionar os problemas brasileiros. Sem o apoio dos evangélicos não teria sido possível a vitória.

No passado, houve sempre a presença próxima do clero católico junto do poder, porém é a primeira vez que um conglomerado de igrejas evangélicas substitui o populismo apenas político, dando uma coloração de influência teocrática numa competição presidencial. 

Infelizmente, isto lembra a rapidez com que as denominações protestantes alemãs apoiaram Hitler e nos faz entrar no mesmo esquema de governos muçulmanos, como o Irã, onde o poder supremo é religioso.
Aonde iremos? Estamos realmente intrigados em saber. E, nos inspirando em Bolsonaro, dizemos que deus nos proteja, mesmo se nele não acreditamos e preferimos que fique longe da política. 

A participação de carros com militares na comemoração da eleição reforçou nossos temores.
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(por Rui Martins, editor do Direto da Redação)

MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA EM TERRENO MINADO

Só ingênuos esperavam que um Jair Bolsonaro da vida trocasse a retórica miliciana pela de estadista no momento da vitória eleitoral.

Os que priorizamos os interesses maiores do povo brasileiro sabemos que a pacificação dos espíritos é desesperadamente necessária para evitar-se mais derramamento de sangue e ponto de partida para podermos oferecer algum alívio aos pobres, vulneráveis e excluídos que padecem há quatro anos sob a pior recessão da nossa História.

Mas, salta aos olhos que nunca foi esta a intenção dos que moveram os cordéis por trás da cortina para que um inadequadíssimo Bolsonaro ascendesse à presidência da República, com direito ao escamoteamento dos debates eleitorais e a ser beneficiado pelo pior estelionato eleitoral (a fraude das fake news + o abuso de poder econômico que a viabilizou) já perpetrado no Brasil. Caso contrário teriam escolhido um negociador, não um feitor. 

No processo eleitoral de 2014 já exigiam que, fosse quem fosse o(a) eleito(a), impusesse o ajuste fiscal, principalmente as reformas previdenciária e trabalhista. Dilma Rousseff empossou o neoliberal Joaquim Levy como ministro da Fazenda para entregar-lhes a encomenda, mas ambos fracassaram. 

Michel Temer, a opção seguinte, também não conseguiu desarmar a bomba-relógio da Previdência. Então, concluíram que só um Bolsonaro seria capaz de enfiar goela dos trabalhadores adentro medida tão impopular.

Há também as restrições ambientais que predadores gananciosos querem esmagar com seus tratores e derrubar com suas motosserras. E mais privatizações que os tubarões do mercado esperam ver concretizadas em condições extremamente vantajosas para eles, de pai para filho. Para tudo isso precisam de um Bolsonaro.
Que ninguém se iluda: os envolvidos nesse medonho projeto autoritário sabem que haverá protestos pipocando de todo lado e contam com o chicote presidencial para manietar os inconformados. 

Então, o discurso de quem empunhará o látego foi bem coerente. Não havia por que dele esperarmos comportamento diverso, já que até agora vem fazendo exatamente o que prometia. Hitler era assim e muita gente influente também não quis acreditar que estivesse sendo sincero.

Quando um país encontra-se praticamente dividido ao meio e um dos lados tenta impor suas soluções a ferro e fogo, acaba-se chegando a uma guerra civil, a um autogolpe ou a um golpe de Estado dado por outros.

A primeira lição de sobrevivência nos dias difíceis que nos aguardam em 2019 é: não atirarmos as Forças Armadas nos braços do inimigo.

O altos comandantes militares estão cientes de que a situação brasileira é extremamente delicada, de que não há soluções fáceis para fazer a economia voltar a crescer e de que desembestar o uso da força de nada servirá, como nada resolveu na intervenção no Rio de Janeiro (por eles desaconselhada desde o primeiro momento). 

Ademais, não estão dispostos a atrelarem-se a projetos pessoais (conforme Carlos Lacerda constatou em 1964), nem a comprometerem seu prestígio associando-se aos desatinos de um personagem que veladamente excluíram do seu circulo. Quando dão golpes de Estado, põem no poder generais, não capitães.

Mas, se as turbulências gerarem uma situação insustentável, forçando os militares a escolherem entre o governo (que terá se tornado) impopular e os que o estiverem enfrentando nas ruas, os fardados tendem a tomar o partido do primeiro, ainda que a contragosto.
Precisaremos evitar a qualquer preço um confronto fora de hora, com uma correlação de forças totalmente desfavorável a nós, pois isto só beneficiaria nosso pior inimigo. 

Em 1964 o esquema golpista era minoritário nas Forças Armadas, mas o desacato à hierarquia militar por parte de cabos e sargentos (insuflado por provocadores como o Cabo Anselmo) e a relutância do presidente João Goulart em permitir a punição dos revoltosos fizeram os oficiais superiores aderirem em massa à conspiração.

Em 1968 a linha dura da caserna precisava de um pretexto para forçar a radicalização do regime dando um golpe dentro do golpe. Encontrou-o num discurso piegas proferido pelo deputado Márcio Moreira Alves apenas para constar nos anais, durante uma sessão em que a Câmara Federal estava às moscas. Foi o pivô da crise que conduziu à assinatura do AI-5 e ao terrorismo de Estado pleno.

Então, nos dias difíceis que virão, tudo de que não precisaremos vão ser bravatas e inconsequências com resultados desastrosos. Sem estridência, mas com serenidade e determinação, poderemos frustrar os planos mais nefastos do novo governo; e, sem uma base de sustentação real (ele se beneficiou apenas de um estado de espírito passageiro), não tardará a cair, como caiu o disparatado Jânio Quadros e o vazio Fernando Collor. Um Bolsonaro tende a durar tanto quanto eles no poder.
A segunda regra de ouro: buscarmos a união de todos que prefiram viver num país de verdade e não numa terra arrasada. Chega de sectarismo e de disputas canibalescas por nacos de poder! Agora se evidencia de forma gritante a existência de valores comuns que vale a pena preservarmos, ainda que isto implique abrirmos mão de alguns de nossos interesses imediatos. Se conseguirmos reagrupar as forças que se uniram para dar um fim à ditadura de 1964-1985, venceremos de novo. 

A alternativa é monstruosa demais para nem ao menos tentarmos fazer o certo e o necessário. Muito sangue correrá se não formos capazes de produzir uma saída civilizada para os impasses atuais, que doravante só se agravarão.

Por último: nenhum dos alvos das pregações de ódio pode ficar sozinho e desprotegido. Pessoas e agrupamentos deverão estar sempre em contato com seu círculo específico e com outros que os possam ajudar em emergências. Estruturas de apoio devem ser criadas por parlamentares, por jornalistas, por juristas, por pessoal médico, pelo movimento estudantil, etc., pois explosões de violência poderão ocorrer a qualquer momento, em qualquer lugar. A que ponto chegamos!

Enfim, as crises servem para testar-nos e, neste caso, também para reaprendermos verdades óbvias que estávamos esquecendo. Como a de que é imperativo somarmos sempre os nossos esforços aos daqueles que igualmente respiram liberdade e sufocam sob o autoritarismo. (por Celso Lungaretti)
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