dalton rosado
AS REVOLUÇÕES SOCIAIS, FORMAS E CONSEQUÊNCIAS
"A burguesia fez da dignidade humana um simples valor de troca; no lugar de inúmeras liberdades duramente conquistadas, colocou a liberdade do comércio
sem escrúpulo. Numa palavra, ela colocou no
lugar da exploração velada com ilusões
políticas e religiosas, a exploração
aberta, descarada, direta, seca"
(Marx e Engels)
As rupturas sistêmicas nunca são pacíficas, porque as ebulições a elas subjacentes são, em si, tempestuosas. Mas mesmo as que se operam pela via de mudanças aparentemente imperceptíveis, em longos períodos, implicam momentos traumáticos, representados pelas crise de saturação de um modelo social e a passagem a outro modelo.
As revoluções armadas, cirúrgicas, explicitamente violentas (guerras de movimento), principalmente, implicam necessariamente uma estrutura armada para fazer frente à contrarrevolução que inevitavelmente se forma (guerra de posição). Vide os exemplos históricos da revolução republicana francesa (1789), da Comuna de Paris (1871), das revoluções russa (1917), chinesa (1949) e cubana (1959), etc.
A força militar das revoluções cirúrgicas são justamente a sua fraqueza, pois o aparentemente novo poder das armas não se desentranhou do velho.
No caso das revoluções marxistas tradicionais, houve grandes rupturas políticas, mas apenas rupturas parciais no modo de produção, conservando-se critérios capitalistas de Estado, daí a consequente volta ao capitalismo de mercado sem nenhum tiro.
A verdadeira revolução é aquela que diz respeito à mudança na essência do modo de produção social, pois neste caso é gestada a partir de pressupostos irrevogáveis que se consolidarão mesmo que haja marchas e contramarchas no seu processo.
A revolução burguesa, p. ex., apesar de profundamente traumática (várias guerras localizadas e duas guerras mundiais nas quais morreram cerca de 60 a 70 milhões de pessoas num mundo bem menos habitado que hoje), terminou por se consolidar empiricamente modificando relações sociais feudais de produção que existiam há séculos; acarretou, consequentemente, profundas modificações na ordem jurídico-política e nas relações humanas.
No momento atual dá, contudo, sinais de sua obsolescência. Vivemos um momento de saturação de um modo de produção que se tornou anacrônico por seus próprios fundamentos e está ensejando um pensar fora da caixa que, cada vez mais, se coaduna com a realidade, por mais que tal prognóstico pareça estranho num primeiro momento. Os meus escritos tendem a demonstrar essa gestação do novo.
Quanto à forma como se dará tal parto, não é uma receita de bolo, pois faremos o caminho ao caminhar, alicerçados numa teoria revolucionária que deve nos servir de bússola. Neste sentido, devemos subir nos ombros do Marx esotérico para vislumbrar novos horizontes.
Somos todos forçados diariamente a ganhar dinheiro; com isto alimentamos o capitalismo, queiramos ou não. Tal coerção tácita, segundo a qual você é livre para escolher a forma como vai servir ao capital (o Deus da modernidade!), implica mais uma camisa-de-força que nos impede de sair voluntariamente de suas amarras.
A correlação de forças da luta entre o domínio do capital e um novo pensar é altamente desigual em favor da primeira concepção, daí a dificuldade da sua superação. Tal superação será, certamente, ainda mais traumática do que foi a transição do feudalismo para o capitalismo.
Mas, independentemente da nossa vontade, tal transição vem sendo imposta pelas próprias circunstâncias da falência de um modo de produção que está travando a satisfação das necessidades de consumo e, apesar de todos os instrumentos institucionais de controle (o voto é apenas um deles), a corrosão fermentada nos alicerces do capital escapa cada vez mais do controle dos agentes econômicos empresariais e políticos.
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Sítio Brotando a Emancipação: produção não visando ao lucro |
Entendo (apenas a título de sugestão, sem querer dar receitas comportamentais detalhadas) que o exército de desempregados e subempregados, cada dia mais volumoso e desesperado, possa ser aglutinado no sentido de uma produção de bens e serviços sem valor econômico crescente e que proporcione a satisfação de necessidades de consumo e viabilização da vida, contrapondo-se de modo tenaz aos prováveis impedimentos que a ordem burguesa procurará interpor.
A própria conjuntura econômica deverá induzir a comportamentos sociais emancipatórios, porque é uma característica do ser humano o seu instinto de sobrevivência, que ora está ameaço sob várias formas graças à depressão capitalista.
Sobre a possibilidade de uma postura sectária na crítica à democracia burguesa – A conquista do voto universal foi um pressuposto da democracia burguesa que, sem dúvida, representou um avanço com relação às formas políticas absolutistas anteriores.
Entretanto, isso não significa que esse método se baste a si mesmo e ponha um fim indiscutível, imutável e definitivo à forma de organização social mundial. O capitalismo foi revolucionário com relação ao feudalismo; mas é retrógrado com relação à emancipação humana; e sua forma política se coaduna com o objeto segregacionista a que serve, devendo, justamente por isto, ser negada.
A democracia-burguesa apesar de representar uma evolução com relação ao pensamento escravocrata direto que vigorou até a Idade Média, está longe de representar uma forma política definitiva à qual se possa implementar, a partir de reformas procedimentais, uma adequação capaz de superar os males atuais representados pelo seu conteúdo.
Não é uma questão de ajustes nas suas formas, mas de superação dos seus conteúdos. Os eventuais pontos fortes do processo eletivo democrático-burguês (como uma pretensa liberdade de escolha pelo voto igualitário de todos os cidadãos) representam uma dissimulação à falta de soberania de vontade da cidadão, que, a priori, está enquadrado numa camisa-de-força da qual ele dificilmente consegue sair, ainda que o segmento político seja alvo do escárnio popular.
O processo eleitoral está circunscrito à dominação fetichista da forma-valor. Os eleitores, na sua grande maioria, antes de enxergarem o engodo eleitoral, vislumbram o seu interesse específico, que está sempre condicionado a uma vantagem pessoal direta ou indireta.
Assim, há invariavelmente um interesse preponderante que impele a maioria dos cidadãos ao exercício do voto, até como forma de impedir um mal maior (caso do chamado voto útil, que, latu sensu, é sempre inútil).
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Sobre as dúvidas quanto à funcionalidade e consequências futuras de um novo modo de produção e organização social – Sou absolutamente contra o poder, que é sempre verticalizado. Neste sentido, podemos nos apoiar num aspecto do pensamento iluminista republicano burguês, que propôs a descentralização dos poderes (executivo, judiciário e legislativo) para que o capital pudesse submetê-los.
Destarte, devemos descentralizar a organização social, mas não sob os pressupostos do capital, que é um poder abstrato ao qual os seres humanos se submetem, mas sob pressupostos de produção coletiva sem a intermediação da forma-valor (sistema de trocas de mercadorias) que possam destravar o atual impasse provocado pela impossibilidade de reprodução do lucro (única forma de manutenção da viabilidade monetária) nos níveis agora exigidos e por sua própria dinâmica existencial contraditória.
Ao invés de propormos o impossível desenvolvimento econômico, como querem todos os candidatos mundo afora e quase todos os homines economici do Planeta, devemos superar a própria lógica econômica em seu momento de saturação irreversível.
Esta proposição nem de longe se coaduna com a ideia de um soviete de burocratas, concepção ligada ao antigo socialismo real e somente concebível quando se pensa numa alternativa política sem superação das categorias capitalistas que se tornaram obsoletas no atual desenvolvimento tecnológico da produção.
O atual estágio da derrocada dos pressupostos burgueses causados por sua própria ilogia, está acarretando um retrocesso civilizacional que mais não é do que a perda de direitos antes possíveis para uma pequena parte da humanidade (os burgueses e pequenos burgueses), a qual, agora, deseja a manutenção de seus privilégios sob uma forma ditatorial, com ou sem a legitimação pelo voto (Bolsonaro, Trump, Erdogan, Maduro, Ortega, Putin, Abdul Fatah, etc.).
Ser inocente ou ingênuo não é defeito moral ou condição decorrente de culpa pessoal, mas se trata de um fator estrutural contributivo para a manutenção da espoliação social. Acaso o povo soubesse o que está subjacente à exploração à qual é submetido (extração de mais-valia e cobrança de impostos para a manutenção de um Estado que o oprime) aceitaria a coerção tácita do capital? É evidente que não.
A ignorância sempre foi um instrumento facilitador da imposição ditatorial; a queima de livros numa grande fogueira (como ocorreu na Alemanha nazista) é um exemplo histórico da percepção ditatorial sobre o poder da consciência, temida justamente porque o saber liberta. Aqui no Brasil já se prendeu, torturou e matou muita gente por ter e ler livros ditos subversivos.
A consciência é a única arma possível contra a submissão, pois o saber, antes de ser um bisturi social, é a régua e o compasso capaz de operar a liberdade e criar um modo de convivência social no qual os indivíduos sociais não sejam forçosamente adversários uns dos outros. como ocorre sob a lógica capitalista.
Por fim, foi o leitor Sadi Fernandes que, com seu comentário sobre este post, inspirou-me a dedicar um artigo inteiro ao aprofundamento das questões por ele propostas.
Agradeço-lhe por vir, com seus comentários sempre pertinentes, suscitando o debate escrito, o que considero uma forma excelente de discussão, graças à serenidade e força do significado que cada palavra dita e refletida contém, além de poder ser objeto de consulta e análise permanente e profunda. (por Dalton Rosado)