sexta-feira, 31 de agosto de 2018

NEONAZISTAS ALEMÃES TÊM PARTICIPAÇÃO MARCANTE NAS MANIFESTAÇÕES DE RUA CONTRA OS ESTRANGEIROS

daniel avelar
VIOLÊNCIA EM PROTESTOS XENÓFOBOS
 EVOCA PASSADO NAZISTA NA ALEMANHA.
Alemães fazendo saudação nazista em público. Grupos de extrema-direita perseguindo imigrantes nas ruas. Milhares de manifestantes pedindo a expulsão de estrangeiros.

Cenas como essas, que ecoam o período do nazismo, foram registradas na Alemanha no início desta semana. A violência em Chemnitz, cidade localizada no Estado da Saxônia, no leste do país, fez os alemães voltarem a discutir a ascensão de movimentos de extrema-direita.

A tensão em Chemnitz teve início no domingo (26), após um alemão de 35 anos ser morto a facadas. Os principais suspeitos do crime são um iraquiano e um sírio, que foram detidos pela polícia.

A notícia do assassinato levou grupos de extrema direita a convocarem um protesto anti-imigrantes no mesmo dia. A manifestação, que atraiu algumas centenas de participantes, se repetiu na 2ª feira (27), reunindo cerca de 6 mil pessoas e provocando confrontos entre neonazistas e militantes de esquerda que participavam de uma manifestação contrária.

O incidente gerou reações das principais autoridades alemãs, além de reacender o debate sobre imigração e xenofobia no país.
A histeria xenófoba está servindo de cavalo de Troia para os neonazistas alemães... 
Dezenas de pessoas ficaram feridas, algumas gravemente, em confrontos entre militantes da extrema-direita e participantes de uma manifestação contrária. Além disso, segundo o jornal britânico The Guardian, a perseguição contra imigrantes ocorrida durante os tumultos deixou um sírio, um búlgaro e um afegão feridos.

A violência nas ruas refletiu o tom das manifestações da extrema-direita, em que militantes gritaram palavras de ordem nacionalistas e xenófobas, como Chemnitz é nossa, fora estrangeiros e para cada alemão morto, um estrangeiro morto. Ao menos dez pessoas estão sendo investigadas por fazerem a saudação nazista, que é proibida na Alemanha.

As forças de segurança foram duramente criticadas por permitir que a situação em Chemnitz fugisse do controle. Ademais, o vazamento de um relatório sobre o esfaqueamento de domingo para militantes xenófobos levantou suspeitas de que tenha havido colaboração entre agentes da polícia e grupos da extrema-direita.

O primeiro-ministro da Saxônia, Michael Kretschmer, acusou a extrema-direita de tirar proveito do assassinato de domingo e pediu que os habitantes de Chemnitz “se posicionem juntos dos nossos concidadãos estrangeiros”. A chanceler alemã, Angela Merkel, repudiou a violência xenófoba e declarou que “o que vimos é algo que não tem lugar numa democracia constitucional”.

As manifestações da extrema direita foram impulsionadas por notícias falsas, incluindo as alegações de que a vítima do esfaqueamento de domingo teria sido atacada ao tentar proteger uma mulher, e de que um outro homem havia sido morto por estrangeiros. A polícia desmentiu essas histórias.
...assim como a ultradireita brasileira quis usar a greve dos caminhoneiros para dar um golpe de estado.
Os principais responsáveis pela disseminação das fake news são organizações de extrema-direita, incluindo o grupo que convocou as manifestações em Chemnitz.

A extrema-direita também está no Parlamento, após o partido AfD (alternativa para a Alemanha) conquistar a terceira maior bancada no Bundestag nas eleições do ano passado.

A representação da extrema-direita no Parlamento, fato inédito na Alemanha desde a queda do nazismo, oferece um canal institucional para ideias xenófobas. De fato, alguns líderes da AfD declararam apoio aos manifestantes de Chemnitz. Um dos parlamentares da sigla, Markus Frohnmaier, disse que “se o Estado não protege mais seus cidadãos, então as pessoas devem tomar as ruas e proteger a si mesmas. É simples assim!”.

A violência xenófoba na Alemanha não está limitada aos incidentes em Chemnitz. Em 2017, houve mais de mil ataques contra abrigos para refugiados no país. Grande parte dos incidentes foi registrada em Estados do leste da Alemanha, membros do bloco comunista durante a Guerra Fria, mas também houve episódios xenófobos em outras partes do país.

O aumento dos ataques xenófobos na Alemanha é uma reação à chegada de imigrantes e refugiados, que alcançou seu pico em 2015 com a política de portas abertas do governo Merkel –mais de 1 milhão de estrangeiros entraram no país naquele ano. Desde então, o governo tem restringido a imigração, em parte devido à pressão da extrema-direita. (por Daniel Avelar) 
Este é o filme do momento, desgraçadamente. Leia mais sobre ele clicando aqui.

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

QUE MECANISMOS INCONSCIENTES LEVAM ALGUÉM A SE RESIGNAR AO INACEITÁVEL E A CONDESCENDER COM O ABOMINÁVEL?

Toque do editor
Quando vejo a facilidade com que cidadãos supostamente racionais começam a relativizar a desumanidade e a barbárie, flertando com a ideia de votarem num presidenciável que corporifica a distopia de deletarmos os avanços civilizatórios do últimos séculos, voltando às trevas do pré-iluminismo, vem-me logo a percepção de que tal aberração só pode ser explicada por mecanismos inconscientes.

Daí o interesse que me despertou um artigo desta semana de Claudia Hammond, da BBC Future, sobre a surpreendente razão pela qual as pessoas mudam de ideia.

É demasiadamente longo para um blog, então selecionei os trechos principais (quem preferir sua íntegra, tem a opção de acessá-lo aqui):                                                    .
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Somos mais inconstantes do que pensamos.

A pesquisadora Kristin Laurin, da Universidade de Colúmbia Britânica, no Canadá, analisou a conduta das pessoas antes da venda de garrafas plásticas de água ser proibida em San Francisco, nos EUA. A medida não contava com amplo apoio da população, mas entrou em vigor mesmo assim.

No dia seguinte à implementação, sua equipe voltou a avaliar a postura dos moradores. E a percepção já tinha mudado: as pessoas estavam menos contrárias à ideia. Não tinha dado tempo para que ajustassem seu comportamento aos aspectos práticos da proibição. Então, parecia que a opinião delas havia mudado por si só.

Em outras palavras, racionalizamos tudo aquilo que nos faz sentir de mãos atadas. É como se liberássemos espaço do cérebro para continuar com nossas vidas, ponderando que, no fim das contas, não é tão ruim assim. Laurin compara esse mecanismo a um sistema imunológico psicológico.

Hoje, é consenso que o fumo deve ser proibido dentro de hospitais – mas, antes algumas pessoas eram contra a proibição

Na sequência, a pesquisadora analisou a opinião da população sobre a proibição de fumar em parques e pátios de restaurantes de Ontário, no Canadá, em 2015. Ela descobriu que as pessoas não mudaram apenas de posição após o veto – como também apresentaram outra versão sobre seu próprio comportamento.

Inicialmente, os fumantes disseram à equipe de Laurin que fumavam cerca de 15% das vezes em espaços públicos. Posteriormente, estimaram que a frequência era de apenas 8%. Ou seja, ajustaram as próprias memórias, alterando suas perspectivas, para se convencerem de que o efeito da proibição não era, afinal, tão desfavorável.
Em seguida, veio o maior teste: a avaliação do presidente americano Donald Trump antes e depois da posse.

Trump tem atualmente a taxa de aprovação mais baixa de qualquer presidente dos EUA desde a 2ª Guerra Mundial. Era de se esperar que quem não votou no candidato republicano tenha antipatizado ainda mais com ele quando assumiu a Casa Branca.

Mas não foi isso que aconteceu. A equipe de Laurin descobriu que, alguns dias após a posse, essas mesmas pessoas estavam se sentindo mais otimistas em relação ao novo presidente.

Uma possível explicação seria que a confiança em Trump foi alavancada por seu discurso de posse. Mas, segundo Laurin, não foi o caso.

'Na verdade, verificamos que mesmo as pessoas da nossa amostra que disseram que ele foi muito mal na posse e odiaram a forma como ele tinha se comportado, passaram a ter uma visão mais positiva', disse a pesquisadora..

'Isso sugere, mais uma vez, que não é algo que você aprenda quando uma nova política entra em vigor ou um novo líder assume.' Em vez disso, 'seu cérebro está lutando para fazer você se sentir bem e permitir que siga adiante com sua vida', esclarece.
Berlusconi, Trump e Bolsonaro: bota pesadelo nisso!
É importante ter em mente, no entanto, que não é que os indivíduos que não suportavam Trump decidiram amá-lo quando ele assumiu o governo – mas, sim, começaram a antipatizar um pouco menos com a figura dele.

Portanto, não se trata simplesmente de se acostumar a uma nova situação. As pessoas realmente mudam de ideia. É como se não fossem capazes de suportar continuar sentindo raiva e, subconscientemente, procurassem maneiras de se convencer de que tudo vai ficar bem.

Laurin não acredita que isso seja feito intencionalmente. Segundo ela, é uma maneira de liberar recursos cognitivos para tocar a vida. Simplesmente não há tempo para ficar com raiva de tudo.

É claro que, em alguns momentos da história, esse mecanismo psicológico pode ter tido um lado obscuro: talvez tenha encorajado as pessoas a tolerar regimes dos quais discordam veementemente.
O adágio predileto dos amorais e dos omissos

Esperamos que um acontecimento futuro, seja positivo ou negativo, nos faça sentir diferentes – mas isso não acontece

Em situações menos extremas, essas mudanças de ideia se enquadram em pesquisas anteriores sobre o viés de impacto: o viés cognitivo que nos deixa mal ao prever como vamos nos sentir emocionalmente em relação a determinados eventos que podem acontecer no futuro.

Uma equipe da Universidade Harvard, nos EUA, realizou dezenas de experimentos mostrando que, quando imaginamos acontecimentos futuros, esperamos o pior dos eventos ruins e o melhor dos bons. Na realidade, os eventos negativos não nos fazem sentir tão mal, e os positivos não nos fazem sentir tão bem.

A dificuldade é que, quando simulamos um acontecimento futuro na cabeça, temos a tendência de considerar apenas as características mais importantes. 

Para um evento negativo, isso quer dizer as piores partes. Ir ao médico para um exame clínico pode não ser muito agradável, mas nem todas as etapas da consulta são inconvenientes. Algumas são neutras: ler uma revista na sala de espera ou pendurar o casaco no cabide, p. ex.

Quando imaginamos um evento futuro, tendemos a esquecer as partes neutras, como ler uma revista na sala de espera de um consultório médico.
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E enquanto especulamos que, se algo grave acontecer, não vamos conseguir resolver, ou se algo positivo ocorrer, nossas vidas serão transformadas, em ambos os casos seremos as mesmas pessoas que somos hoje. Após o impacto inicial, nossas emoções vão retroceder e nos sentiremos um pouco melhor ou pior do que agora.

O mesmo acontece quando somos afetados por uma política ou situação com a qual não simpatizamos. Se for possível, fazemos as pazes com o que acreditávamos ser mudanças negativas.

Por um lado, o cenário é bastante otimista: tentamos encontrar o lado bom em todas as situações. Mas será que os formuladores de políticas públicas podem fazer o que bem entenderem e vamos todos achar que está tudo bem? Não exatamente. Se fosse assim, os governos nunca seriam depostos ou derrubados por revoluções.

Embora estejamos preparados para nos sentir confortáveis com situações das quais discordamos, uma massa crítica de oposição pode fazer a diferença

Podemos racionalizar aquilo que é difícil de mudar, mas uma vez que uma massa crítica apoia uma causa, as pessoas param de racionalizar o status quo, sentem que podem fazer a diferença porque não estão sozinhas e começam a fazer campanhas por mudanças.

Mas, quando a gente não consegue mudar algo, fazer as pazes com o mundo pode ser uma parte importante para o nosso bem-estar."
Outra explicação possível: estaríamos vivendo numa fase de
predomínio de pessoas de matéria plástica. Zappa explica.

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

CIROZINHO PAZ & AMOR JÁ ERA: HOJE ELE CUSPIU FOGO CONTRA BOLSONARO

Dezenove dias depois, finalmente caiu para a campanha do Ciro Gomes a ficha de que deveria seguir o caminho das pedras por mim indicado no post sobre o debate na Band:
"Ciro contido foi um erro estratégico e um desperdício de talento; acabou não dizendo a que veio. Como já foi abatido em pleno voo pelo jogo sujo de bastidores do PT, sua única chance agora é chutar o pau da barraca, cuspindo fogo contra tudo e contra todos. 
Dos que estavam lá, era, para começo de conversa, o mais habilitado para detonar de vez Bolsonaro, o herdeiro assumido do torturador Brilhante Ustra. Deixou de marcar o gol com o goleiro caído no chão e nenhum zagueiro para impedir..."
Eis que, participando nesta 4ª feira (29) de um encontro promovido em Brasília pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais do Ensino Superior, Ciro fez exatamente o que eu sugerira: cuspiu fogo contra Bolsonaro.

Sobre a frase de efeito do adversário, segundo a qual meninos que brincam de boneca acabam se tornando gays, Ciro foi contundente:
"Isso é uma grande baboseira, uma simplificação grosseira, que também vai predispondo o estigma de pessoas só por uma orientação diferente, porque amam diferente do tradicional. 
E o que nós temos com isso? Eu tenho um filho de dois anos e oito meses, o Gael, e se ele quiser brincar de boneca eu brinco junto. Ou alguém acha que alguém vai mudar a sua orientação sexual por causa de um brinquedo? 
Isso é de uma ignorância estapafúrdia. Só que esse cara não é um ignorante, ele passou na Academia Militar das Agulhas Negras ele é um mistificador perigoso, é um fascista, um projetinho de Hitlerzinho tropical e muito mal preparado, porque o Hitler, pelo menos, era um intelectual razoável".
Ciro criticou a criminalização dos movimentos sociais por parte do adversário e disse, inclusive, não querer o voto de uma fração de apoiadores do Bolsonaro que "vivem com uma pedra no coração".
"São egoístas e estão pouco se lixando com desempregados e com mulheres que foram estupradas. Quantos desses estupros ocorreram porque o cara está se espelhando num candidato popular?", ele questionou.

Também criticou o fim dos subsídios agrícolas proposto pelo economista Paulo Guedes, o posto Ipiranga do Bolsonaro. "Vai acabar com o setor do agronegócio em 12 meses!" 

COERÊNCIA JURÍDICA MANDA STF IMPUGNAR A CANDIDATURA DE BOLSONARO, MAS SUA GAMBIARRA NO CASO DA DILMA ATRAPALHA

bruno boghossian
STF TEM DE DIZER SE CANDIDATO PODE SER
 CONDENADO, MESMO QUE BARRE BOLSONARO
Bolsonaro chuta pixuleco, mas pode ficar inelegível como o Lula
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Um presidente da República pode ser réu? Não, é o que diz a Constituição, que prevê seu afastamento por até 180 dias e julgamento político em caso de crimes de responsabilidade cometidos durante o mandato —o velho e bom impeachment, no Senado, ou no Supremo se for um crime comum.

E se um presidente não está na cadeira, o vice ou quem estiver na linha sucessória pode ser réu? Não, foi o que decidiu o Supremo Tribunal Federal em 2016, ao proibir Renan Calheiros de atravessar a praça do Senado ao Planalto por suas contas pendentes com a Justiça.

A lógica dirá que, bom, então candidato a presidente não poderia ser réu, já que, ganhando, haveria uma distorção isonômica em relação a mandatários no cargo ou a enrolados na linha sucessória.

É isso, mais do que discutir se falar em arrobas qualifica o sujeito como racista, de que deveria se tratar a discussão ora adiada no Supremo sobre o eventual crime de racismo cometido pelo presidenciável Jair Bolsonaro.

As vistas pedidas por Alexandre de Moraes, com o julgamento empatado em 2 a 2, darão uma semana de respiro para o tribunal.
Se condescendência indevida com Dilma tirar moral do STF...

É assunto para reflexão, até porque Moraes já está com seu voto pronto —a acusação de que ele está esperando o horário gratuito para ajudar seu padrinho político, Geraldo Alckmin, obviamente já está nas redes.

A judicialização que agudizou-se no país desde a ascensão da Lava Jato teve o mérito de obrigar alguns debates que o Legislativo não assumia. O ônus é claríssimo: tira-se do legislador, por mais tosco e chinfrim que seja (e olha, a maioria é e continuará sendo), sua prerrogativa constitucional.

É ovo e galinha, ad aeternum. Além disso, pululam soluções precárias, como a supracitada do caso Renan: se já fosse pacífico o que fazer com candidatos réus, o impacto político inexistiria. 

Mas é o Brasil da gambiarra, que beneficiou outros políticos, como Dilma Rousseff (que pode virar senadora graças a Renan e ao presidente do STF durante seu impeachment, Ricardo Lewandowski).

Isso dito, terão os ministros coragem de engatar a discussão sobre a condição de réu para candidatos a presidente analisando justamente o caso do líder das pesquisas eleitorais no cenários que consideram que a Lei da Ficha Limpa será respeitada e Lula estará inelegível?
... para tomar a decisão correta agora, fulminando candidatura de Bolsonaro, terá valido a pena?
Aqui cabe um parêntese. Os casos de Bolsonaro e Lula são incomparáveis. O petistas está condenado em segunda instância, desqualificando-se assim para concorrer. Pode acabar inocentado lá na frente, claro, mas aí é a regra da lei que ele mesmo sancionou. O resto é choro.

O deputado fluminense deu uma declaração medonha, como de resto é praxe, mas terá cometido crime? Isso é irrelevante no contexto: ele já é réu, por uma frase ainda mais bizarra (aquela em que diz que não estupraria uma deputada petista).

Logo, se a lei é para todos no caso de Lula, não caberá alegação de tapetão por parte dos bolsonaristas no caso de o STF decidir discutir a questão e eventualmente decidir que não, réu não pode disputar a Presidência. 

Alguém alegará que a decisão não poderá retroagir dado que Bolsonaro foi aceito candidato pelo Tribunal Superior Eleitoral já como réu. A confusão estará garantida.

Mas é disso que se trata esse julgamento, que pode virar de ponta-cabeça a corrida eleitoral mais tumultuada e incerta de que se tem notícia desde a redemocratização de 1985. 

Novamente, a solução estará na mão dos ministros, cuja omissão em 2016 agora cobrará sua conta. (por Bruno Boghossian)

PROGRAMA ECONÔMICO DO BOLSONARO É "MATEMÁGICA" PARA ENGANAR OTÁRIOS

alexandre schwartsman
ILUSIONISMO ECONÔMICO
No caso dos programas econômicos dos candidatos: depois que Pai Ciro prometeu trazer seu amor de volta e limpar seu nome no SPC não falta quem proponha soluções simples (e erradas) para problemas complexos.

No programa econômico de Jair Bolsonaro, incluído em seu já mitológico (opa!) Projeto Fênix, p. ex., abundam a matemágica e fintas de dar inveja ao Ronaldinho Gaúcho, a começar pela proposta de zerar o déficit primário já no primeiro ano de governo, "partindo de um movimento de gestão pública moderna, baseado em técnicas como o Orçamento Base Zero".

A ideia de que podemos começar tudo do zero e eliminar desperdícios é tão sedutora quanto juvenil. Não tenho a menor dúvida que há muito o que cortar no gasto do governo sem que se perca a qualidade das políticas públicas (o sarrafo é baixo, admito).

O problema é que praticamente 90% do gasto público federal está predeterminado: 60% do total destina-se ao pagamento de aposentadorias e pensões (incluindo funcionários inativos e o benefício de prestação continuada); outros 10-11% referem-se aos funcionários na ativa, que tipicamente gozam de estabilidade; já as despesas obrigatórias somam outros 10%, assim como as ditas discricionárias com vinculação (o piso de gastos com educação, saúde, bem como os demais Poderes).
O governo federal controla, portanto, pouco menos de 10% do que gasta. Podemos fazer Orçamento Base Zero, base 1, base 2 ou base N; nada muda, porém, esse fato elementar. Posto de outra forma, mesmo se pudéssemos reduzir o gasto discricionário (algo como 2% do PIB) à metade, e torcer para que o gasto obrigatório parasse de crescer, o déficit primário, na casa de 1,5% do PIB hoje, ainda seguiria, firme e forte, em 2019.

Noutro trecho estima-se "reduzir em 20% a dívida mobiliária, por meio de privatizações, concessões, vendas de propriedades imobiliárias da União e devolução de recursos de instituições financeiras oficiais".

Isto representa, de acordo com o programa,  um valor na casa de R$ 1 trilhão, enquanto, segundo o Tesouro Nacional, o valor da participação do governo em todas estatais (incluindo, p. ex., o BNDES) seria da ordem de R$ 250 bilhões, pressupondo que a Petrobras seria também privatizada.

Há, é verdade, cerca de R$ 1 trilhão em bens imóveis da União, mas estes incluem parques e reservas federais, estradas, aquartelamentos (pois é...), escolas e obras em andamento, para os quais não há comprador.

Com grande dose de boa vontade talvez R$ 350 bilhões possam ser vendidos, embora o valor envolvido seja provavelmente bem menor. Na prática não se chega nem perto de R$ 1 trilhão.

Completando a mágica não poderia faltar a proposta de migração do regime previdenciário atual de repartição para capitalização. 

O documento candidamente reconhece que "a transição de um regime para o outro gera um problema de insuficiência de recursos", mas promete que "será criado um fundo para reforçar o financiamento da previdência e compensar a redução de contribuições previdenciárias no sistema antigo".

Se o leitor não entendeu de onde virá o dinheiro não se apoquente: eu também não, muito menos os autores da proposta.

Funciona bem em festa de criança, mas prestidigitação é um jeito arriscado de governar o país. (por Alexandre Schwartsman)

terça-feira, 28 de agosto de 2018

RELEMBRANDO UMA DAS CRÔNICAS MAIS EMOCIONADAS E EMOCIONANTES DE APOLLO NATALI: "A NOIVA"

A menininha
Chegue bem perto do berçário desta maternidade. Estique a vista. É menina!  A pele toda cor de rosa, quase vermelhinha. Lembra uma pitanga. 

Chamou-se Aline e agora ela já é noiva. Aluguei traje a rigor para ir ao seu casamento. Foi numa capela bem no alto da Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro. A uma capela se chega por uma vereda encantada e assim cheguei lá. 

Todos conhecem e amam o padre Navarro, da Capela Santo Cristo dos Milagres.  Ele dá um banho de amor nos noivos, nos pais, nos padrinhos, nos fiéis, até chegar ao sim, aceito

Foge de aplausos, parabéns, elogios. No fim da cerimônia escapa pelos fundos. Não dá tempo de agarrá-lo para um abraço, um agradecimento. Todo mundo quer casar em sua igrejinha. Há listas de espera dos noivos e demora anos para chegar a vez.

Não encontrei um título perfeito para os apontamentos vários que enfeixam esta historinha de amor, feita de momentos que não posso deixar de lembrar. Para quem quer um título, ele poderia ser A Noiva

Na montagem do tempo que passou, tenho comigo todos os momentos de Aline. A primeira choradeirinha. Os primeiros passos. A menininha. A mocinha. A mulher. Os olhares apaixonados trocados com o noivo que veio arrancá-la de nós. Bom menino, o Gabriel. 

A vida sequestra nossos filhos. Leva embora. A gente pisca e eles já estão adultos. No caso, a gente que pisca é o dr.Gustavo, psicanalista, pai de Gabriel, sua esposa, com um belo nome de ópera, Marta, e os pais de Aline, Elizabeth nome de rainha e Moacir. Há tempos mostrei ao Dr. Gustavo como fazer vinho caseiro, tinto, rosado, branco.

No convite está escrito: ao padrinho. Que sou eu! Batizei Aline na igreja São José do Maranhão, no Tatuapé, em São Paulo. O padre falou então sobre o mais antigo dos noivos, Adão e Eva. 
A menininha e o tio coruja

Para buscar o traje para o casamento na loja SóàRigor, caminhei seis quilômetros, três de ida, três de volta na Avenida Rebouças, trânsito parado dos dois lados. Ida e volta de São Paulo ao Rio, total de doze horas de viagem em ônibus à temperatura de 17 graus do ar condicionado. 

Neste nosso país tropical, 30 graus lá fora, precisei viajar com gorro de lã. Bendita viagem, bendita caminhada na Rebouças, aos 77 anos de idade. Nunca soube me vestir bem, mas agora eu vou é arrumadinho ao casamento da minha menininha pitanga. 

Em meio à manada louca de veículos, me ponho a rabiscar algumas lembranças de quando ela começou a engatinhar. Quero pegá-la no colo e ela foge ligeirinha, se arrasta aflitinha, de pijaminho, com gritinhos, para dentro dos móveis. Olha aquela carinha, ainda um pouco cor de rosa, no meu coração para sempre. Quando mamava, passava por cima da mãe para o lado direito, o esquerdo, para lá, para cá, o seio sempre esticado, preso à sua boquinha.

Desfilam rumo ao altar os pais, os padrinhos, puxa a procissão a linda menininha moreninha Karen, com as alianças.  Do quarteto de músicos do mezanino, ao fundo da capela, ressoam músicas medievais. Depois, a arrepiante ária da quarta corda, de Bach. E a imponente Marcha Nupcial, e lá vem ela, a Aline, entrando na igrejinha de 10 bancos de cada lado. 

Como uma aparição, a flutuar entre os bancos sagrados, também desfila a Aline menininha dos meus tempos, a minha Aline, meu Deus, a me sufocar de saudade naquele Alto da Boa Vista, com as lembranças das quedas no skate, na bicicleta, as idas à escolinha, a volta a pé de todo o quarteirão do Parque do Piqueri com ela no cangote. 

Ela no cangote na fila do cinema para assistir He Man.  Quero te levar de cavalinho para o altar, brinquei. Ela falou que se eu aguentasse, pode ser. Sou velho, não sou o He Man, mas sou forte. Aguento.
"Me esperavam, Aline e o irmãozinho Yuri"
Não aguento, choro um choro quase soluços. E daí? Sou tio-avô da Aline. Obrigada que o tio veio ao casamento. Aline querida, não perderia essa por nada neste mundo. Se o tio não viesse, o tio não ia respirar mais.

No cangote levei Aline passear no clube dos médicos, na Serra da Mantiqueira, em São Paulo. Como um anjinho, toda de branco, passa por debaixo dos enormes cavalos, que a olham enternecidamente de um lado para outro. 

No cangote levei Aline para ver jogo no Maracanã, assim a levava à pré-escola no Tatuapé, e para tomar injeção às vezes. 

Uma ocasião levei para sua casa balões coloridos de festa de aniversário. A gargalhadinha de felicidade, no meu colo, daquela bebezinha de menos de um ano de idade, da então bem pequenininha Aline, deu uma esmagadinha no meu coração, apertou.   

Até ela se mudar para Vitória e de lá para o Rio, aos 8 anos, eu passava pela casa dela todos os dias, a manhã inteira,  rumo ao trabalho. Me esperavam, Aline e o irmãozinho Yuri. Cada dia, me recebiam como em uma festa. Levaram um pedaço de mim que nunca mais tive de volta. O perfume da dama da noite do jardim me estufa o peito a vida inteira.

Aline está entrando na capela, dia 11 de setembro de 2013. Não entendo de vestido de noiva. O dela gostei porque não tem estofamentos nem cauda exagerados. Caminha de braço com o pai, o  Moacir. Entro em pânico. Falei meu Deus, me ajuda

Conversa com Deus que Ele ajuda, dizia minha mãe. O meu berreiro pertinho do altar tomara que não tenha saído nas fotos... 

Aline é uma noiva deslumbrante. O irmão dela, o Yuri, é aquele padrinho ao lado do altar com o rosto encharcado de lágrimas e também o menininho da foto no meio destas minhas anotações. 
"Uma capela bem no alto da floresta da Tijuca"

Meu pensamento sai da capela e dispara para São Paulo. Aline e Yuri estão a passeio na minha Belina. Cruzamos a ponte sobre o rio Tietê, os dois gritando em tom de brincadeira tio-sai- do-riotio-sai- do-riotio-sai- do-rio

Saio do rio e já estou de volta à capela. Com o padre Navarro não tem ritual. Quer,  persiste, insiste, em falar para a alma dos noivos, para o coração de todos, sobre a importância do amor em nossas vidas. 

Segura as mãos de Aline e Gabriel, abração neles, perguntas e mais perguntas a garimpar preciosidades de sinceridade e de amor que trazem de suas vidas para aquela grandiosa união. 

Grande padre Navarro! Se ele unisse em sua capela todos os casais da Terra, o mundo seria melhor. Divertido, um pouco irônico e parece até que meio desconfiado, se dirige aos pais e pergunta se cuidaram mesmo dos filhos noivos, se não os abandonaram alguma vez. Percebem como ele torna emocionante um casamento?

E o teu casamento, minha Aline, que lindo! A decoradora da Lumier Eventos, Arminda Antunes, e a cerimonialista Tamis Thierry, parece que adivinham o que  queremos para a tua festa. As meninas e os meninos que atendem e servem, umas jóias de simpatia e sorrisos. São como parentes dos noivos e convidados! Bravo!

Ouçam esta: no fim da cerimônia, procurei a noiva, porque quis procurar a noiva, porque eu quero abraçar a noiva, porque eu vou abraçar essa noiva agora! Eu estava nos primeiros bancos da capela e precisei esperar a lenta saída de todos. Afundei no salão de festas, nada de noiva. Você é o tio Apóllo? Estão te chamando para tirar fotos

No espaço gramado, luzes de máquinas e filmadoras iluminam Aline e Gabriel. Parti para cima. Não pode, disse-me uma menina, acho que a gentil e prestativa cerimonialista Tamis Therry.  Posso, sim, como não, disse eu, decidido. Riram. Abracei a Aline, entrei em transe de choro, consegui dizer Jesus te abençoe hoje e sempre. 
Padre Navarro dá banho de amor

Fixei os olhos e o coração naquele rostinho amado que povoa meus dias na Terra. Sou um violino e a voz dela vai dedilhando as cordas do meu ser, executando melodias. Foi ela mesma, a noiva, a minha sobrinha-neta Aline, naquele momento para mim divino, que me ofertou o grande presente da minha vida. Cochichou-me ao ouvido: meu paizão. Quem aguenta? Dá-lhe choro.

São médicos os pais de Aline, a Dra. Elizabeth e o Dr. Moacir. Sempre enfiados em hospitais, médicos têm pouco tempo para os filhos. Paizão, eu? 

Lembranças me fazem ver desfilar no chão vermelho berrante da capela um publicitário que, com sua propaganda do Gelol, fez mais em favor da paternidade responsável neste mundo do que todas as Bíblias juntas, todos os profetas, todos os psicólogos, todas as varas da família, todos os tribunais, todas as palestras, todos os sermões.

Pais deste planeta Terra, guardem essa mágica propaganda eternamente em seus corações: Não basta ser pai, é preciso participar. (Bravo!). Nada como um paizão. Com a presença e o afeto de um paizão temos munição para vencer o mundo.

Nunca tinha visto uma noiva nos brindar com tão alegre espetáculo numa festa de casamento. Como os noivos também são médicos, portanto foi uma drª Aline que dançou rock pesado com um dr. Gabriel! 

O DJ Gabriel, xará do noivo, tocou a música que fala ela não anda, ela desfila, e não é que ela desfilou mesmo? Delicadamente feminina, como uma competente modelo. Os volteios do vestido de noiva desenham figuras nunca vistas! Gabriel, o noivo, que já tinha tomado algumas, se desvencilha dos convidados, vem me abraçar, beija minha mão, fala eu sei que você é o segundo pai da Aline, eu sei.

Meu pensamento é uma peteca, para lá, para cá, veloz. Numa espalmada forte para São Paulo revi a cena dos pais dela, Elizabeth e Moacir, quando foram buscar o CRM. Aline tinha 7 meses. O leite materno vazava. Peguei a bebezinha no colo e saí da sala. Funcionárias fizeram uma roda. Aline se solta dos meus braços e sai correndo. Nossa, ela anda! – gritaram.

Anda não, corre! Ela corre! Deu uma guinada no fim do corredor e desapareceu fazendo a curva saltitando só com o pezinho direito. A avó da Aline, a Ziza, andou com 6 meses.
"E o teu casamento, minha Aline, que lindo!"

Meu pensamento de peteca está de volta para a Aline, ainda com 7 meses, vestidinho branco desarranjado pelo vento, cabelinhos loirinhos esvoaçantes, correndo entre as flores do jardim da Igreja São José do Maranhão. Que pintura de cena! Teve até público. As moças paravam para ver e rir.

Querem ver como o padre Navarro é só amor? Conclama aos casais e famílias a se amarem verdadeiramente. E se valeu das palavras do apóstolo Paulo, o fim da picada para se saber o que é o amor verdadeiro, o amor em todas as suas manifestações, e exortou a todos a beijar cada dia de nossas vidas essa parte da Bíblia, I Corinthios, capítulo 13, versículos de 1 a 13, pelo menos na minha Bíblia traduzida pelo padre João Ferreira de Almeida. 

Portanto, o casamento da minha Aline com Gabriel foi abençoado com as eternas palavras de amor do Apóstolo Paulo, recitadas religiosamente pelo padre Navarro. Prestem atenção:
"E eu passo a mostrar-vos ainda um caminho sobremodo excelente: Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine. 
Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência; ainda que eu tenha tamanha fé ao ponto de transportar montes, se não tiver amor, nada serei. E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres, e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará.
O amor é paciente, é benigno, o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece. Não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal, não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acaba".
"O amor jamais acaba!"
Aline me pergunta: o tio vai gostar da minha filhinha como gosta de mim? Aline querida, Deus vai me dar 100 anos de vida para eu poder escrever a historinha do noivado e casamento da tua filhinha. 

O velho Anísio, avô do teu pai, era negro. Por causa dessa história de DNA, tua filhinha pode nascer escurinha. (Aline está cansada de ouvir de mim que a mulher da minha vida era escurinha. O padre Navarro nunca poderia nos casar, porque não deu noiva, ela não me quis). 

Aline, vou começar a escrever assim a história da tua filhinha: chegue bem perto do berçário dessa maternidade. Estique a vista. É menina! Toda escurinha, lembra um chocolatinho. Chamou-se Isabela. 

Agora ela é noiva. Vai casar na capela do Padre Navarro. A capela do Santo Cristo dos Milagres está lá, toda colorida, esperando por ela.  

Toda vez que eu olhar para a tua filhinha, escurinha ou não, vou chorar de tanto que a amo, como sempre chorei e ainda choro quando olho para você, de tanto que este teu tio Apóllo te ama, Aline. A mesma coisa se for menino, chocolatinho ou não.
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Sempre às terças-feiras, este blog está republicando as melhores crônicas do seu inestimável
colaborador Apollo Natali, falecido
em 31/07/2018)
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