sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

AINDA HÁ ESPERANÇA!

Por Dalton Rosado
Li com grande satisfação o artigo abaixo, da estudante universitária Clarice Zeitel Vianna Silva, que a Unesco considerou o melhor dentre cerca de 50 mil textos sobre Como vencer a pobreza e a desigualdade

Constatei que pode haver lucidez humanista em meio à manipulação das consciências juvenis patrocinada pela grande mídia, que jamais questiona as categorias fundantes da sociedade capitalista.

Ainda há esperança, embora tal manipulação se estenda também à grade curricular de ensino, que impõe aos professores a positivação da negatividade dessas mesmas categorias quando ministram suas aulas na área de humanidades a partir de conceitos equivocados, terminando por perpetuarem, de modo obrigatório, impositivo ou inconsciente, o engessamento do pensar crítico.

Eis a íntegra do texto premiado:   
Por Clarice Zeitel Vianna Silva

PÁTRIA MADRASTA VIL
Onde já se viu tanto excesso de falta? Abundância de inexistência… Exagero de escassez… Contraditórios??? Então aí está! O novo nome do nosso país! Não pode haver sinônimo melhor para BRASIL.

Porque o Brasil nada mais é do que o excesso de falta de caráter, a abundância de inexistência de solidariedade, o exagero de escassez de responsabilidade.

O Brasil nada mais é do que uma combinação mal engendrada – e friamente sistematizada – de contradições.

Há quem diga que dos filhos deste solo és mãe gentil, mas eu digo que não é gentil e, muito menos, mãe. Pela definição que eu conheço de MÃE, o Brasil  está mais para madrasta vil.

A minha mãe não tapa o sol com a peneira. Não me daria, por exemplo, um lugar na universidade sem ter-me dado uma bela formação básica.

E mesmo há 200 anos atrás não me aboliria da escravidão se soubesse que me restaria a liberdade apenas para morrer de fome. Porque a minha mãe não iria querer me enganar, iludir. Ela me daria um verdadeiro pacote que fosse efetivo na resolução do problema, e que contivesse educação + liberdade + igualdade. 

Ela sabe que de nada me adianta ter educação pela metade, ou tê-la aprisionada pela falta de oportunidade, pela falta de escolha, acorrentada pela minha voz-nada-ativa. A minha mãe sabe que eu só vou crescer se a minha educação gerar liberdade e esta, por fim, igualdade. Uma segue a outra… Sem nenhuma contradição!
É disso que o Brasil precisa: mudanças estruturais, revolucionárias, que quebrem esse sistema-esquema social montado; mudanças que não sejam hipócritas, mudanças que transformem!

A mudança que nada muda é só mais uma contradição. Os governantes (às vezes) dão uns peixinhos, mas não ensinam a pescar. E a educação libertadora entra aí. O povo está tão paralisado pela ignorância que não sabe a que tem direito. Não aprendeu o que é ser cidadão.

Porém, ainda nos falta um fator fundamental para o alcance da igualdade: nossa participação efetiva, pois as mudanças dentro do corpo burocrático do Estado não modificam a estrutura. As classes média e alta – tão confortavelmente situadas na pirâmide social – terão que fazer mais do que reclamar (o que só serve mesmo para aliviar nossa culpa)… Mas estão elas preparadas para isso?

Eu acredito profundamente que só uma revolução estrutural, feita de dentro pra fora e que não exclua nada nem ninguém de seus efeitos, possa acabar com a pobreza e desigualdade no Brasil.

Afinal, de que serve um governo que não administra? De que serve uma mãe que não afaga? E, finalmente, de que serve um homem que não se posiciona?

Talvez o sentido de nossa própria existência esteja ligado, justamente, a um posicionamento perante o mundo como um todo. Sem egoísmo. Cada um por todos…

Algumas perguntas, quando auto-indagadas, se tornam elucidativas. Pergunte-se: quero ser pobre no Brasil? 

Filho de uma mãe gentil ou de uma madrasta vil? 

Ser tratado como cidadão ou excluído? 

Como gente… ou como bicho?

ALGUMAS OBSERVAÇÕES: A nossa cara Clarice faz um diagnóstico profundo das nossas mazelas sociais e de parte das causas do nosso infortúnio, mesmo que ainda não tenha atinado para a necessidade da superação das categorias capitalistas, sem a qual não se consegue chegar ao cerne do problema. Mas Clarice já fez demais, justamente por constatar que, com o que está aí, não dá pra continuar. 

Caso a nossa sábia e brilhante Clarice criticasse o conteúdo nuclear da sociedade capitalista (expresso nas categorias trabalho abstrato, dinheiro, mercadoria, mercado, estado, política, partidos, democracia, etc.), contrariaria o próprio propósito de quem promoveu o concurso (a Unesco) e, certamente, nem concorreria, pois o seu texto seria considerado uma alucinação herética. 

O propósito da Unesco é humanizar o capitalismo e suas categorias fundantes, algo tão impossível como se querer que o diabo seja bonzinho, justo e leal. É que, para a Unesco, a proposição de soluções para vencer a pobreza e a desigualdade generalizada e cada vez mais acentuada em escala mundial, só podem ser aceitas dentro da mediação social patrocinada pelo sistema produtor de mercadorias. Fora disso não se admitem proposições. 

Propor a abolição da forma-valor (dinheiro e mercadorias) parece algo irracional e impossível, como se querer abolir a lei da gravidade. 

É que o sistema produtor de mercadorias, no seu afã de dourar a pílula da antiga escravidão direta do feudalismo com a sua substituição pela escravidão indireta do trabalho abstrato, internalizou nas mentes coletivas o conceito de que a produção de mercadorias (e não o objeto em si, sensível e servível à satisfação das necessidades de consumo) é algo tão natural, ontológico, e indispensável como o ato de beber água pelos seres vivos, e não um proceder social histórico segregacionista, com ciclo de nascimento, vida e morte, cujos sintomas agora se tornam evidentes.   

Quero afirmar a importância do diagnóstico social do texto da estudante Clarice, na certeza de que os saberes que convergem para a evolução do pensar do ser humano correspondem ao fio de Ariadne no labirinto do itinerário da humanidade em busca de sua emancipação. 

Ainda há esperança! (por Dalton Rosado)

2 comentários:

SF disse...

Parece que este texto é de 2012, mas estranhamente está sendo citado agora.
Por outro lado, a nossa Clarice passou em concurso público e é da nomenklatura.

Pobre ser humano que se equilibra entre a Liberdade e a Segurança.

Os regimes ditatoriais de todos os espectros oferecem segurança em troca da Liberdade.

E o povo vai atrás, aceita o cabresto, pois a Liberdade é assustadora.

O cara se gradua para ficar desempregado ou mendigando emprego.

Possivelmente as faculdades formam sabujos, balançando o rabo para o dono e, quando levam um chutão, voltam para lamber o pé de quem o chutou...

Mas, cadê a coragem de enfrentar o desafio da Liberdade abdicando da Segurança?

E esse é o real problema.

Não são os conceitos abstratos de Marx, que podem servir para racionalizar a decisão de ser livre, porém não podem obrigar ninguém a sê-lo.

Igualmente seria estultice colher espinhos sem luvas, ou pegar na panela fervente sem proteção, da mesma maneira ser livre exige planejamento.

E a menina entrou para a nomenklatura.

Devagar, através das criticadas benesses e da secretamente almejada segurança, ela irá entregar sua liberdade.

E o seu texto serão apenas belas palavras...

celsolungaretti disse...

RESPOSTA DO DALTON:

Caro SF,

Os conceitos emitidos em análises sociais, quando consistentes,consolidam-se ao longo do tempo. Assim, se o artigo da jovem Clarice foi escrito há seis anos e são atuais é porque são consistentes no seu conteúdo, não caducaram ou envelheceram. Assim deve ter entendido a Unesco, ao aceitar a inscrição. [Aliás, os escritos de Karl Marx sobre a crítica da economia política, feitos há cerca de 160 anos, são, agora, mais atuais do que nunca, porque a teoria se aproximou da realidade social.]

Quanto ao fato da Clarice ter assumido um cargo público, por concurso, não significa, por si só, que tenha aderido à nomenclatura, perdendo a liberdade, até porque não se pode perder aquilo que não se tem.

Todos nós, enquanto cidadão, acordamos diariamente para ganhar dinheiro como modo de obtenção da sobrevivência (inclusive eu). Isso não significa que com isso percamos a consciência crítica sobre a política e sua sempre opressora forma de organização, bem como sobre a mediação social feita pelo dinheiro que nós é imposta pela coerção tácita do capital, ainda que possamos conspirar contra ele, seja na superfície ou nos subterrâneos das botas que pisam e oprimem a todos nós.

A Clarice, como todo cidadão, tem apenas a liberdade de escolha sobre o modo, pelo qual, será um servidor voluntário ou involuntário da lógica do capital. Quando o cidadão recuperar a sua identidade como indivíduo social livre, emancipado, humanizado, solidário com seu semelhante, pacífico, natural, e perguntar-se-á como conseguíamos viver sob o regime de escravidão indireta do trabalho abstrato. Parecer-lhe-á que o nosso infortúnio social e crueldade derivavam da inconsciência e irracionalidade coletivas.

Um abraço, Dalton Rosado.

Related Posts with Thumbnails