quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

AUTOBIOGRAFIA PRECOCE

Celso Lungaretti
Nada de assanharem-se, desafetos e inimigos, pois não estou com o pé na cova e sou de família longeva! Mas, até porque minha militância já ultrapassou meio século, faz sentido que eu às vezes lance um olhar para trás, fazendo um balanço do que consegui ao longo do caminho percorrido e avaliando aonde ele me conduziu.

Nesta 5ª feira, 14, nem de longe pensava em postar algo nesta linha, mas às vezes o noticiário é tão chocho que encontro dificuldade para encontrar um assunto que valha a pena abordar, mantendo a promessa que fiz ao lançar este blog, de oferecer pelo menos um texto novo a cada dia. 

Então, vou me socorrer da resposta que dei no Facebook ao velho companheiro Sílvio Poggi Nunes; sem querer, ela acabou sendo, em miniatura, algo como a Autobiografia precoce de Eugenio Evtuchenko, um dos livros mais determinantes na minha formação política.
Sílvio Poggi Nunes
A esquerda (não comunista), enquanto gastava energia mas ganhava dinheiro e carguinhos públicos em coisas esdrúxulas, se afastava dos operários; e a direita quieta, observando; e os operários desacreditados e desiludidos, além de esquecidos pela esquerda, foram para a direita, não essa que está na rede social, que não apita nada, mas a direita já organizada, entocada, esperando o momento certo. 

Aí a esquerda não mais encontrará operários, porque estarão na direita, onde encontraram segurança e promessa de abrigo. 

Celso Lungaretti, gosto de ti admiro a tua coragem e lealdade, sofrestes na carne a violência e a bestialidade das botas mal lustradas, e a tentativa de desmoralização de uma esquerda desinformada, paranoica, desleal, má caráter, que te pegou de bode expiatório. SAI DESSA, OU BAIXA A POEIRA.

Celso Lungaretti
Sílvio, quando sobrevivi a uma luta que tragou tantos companheiros valorosos, senti que precisava dar um sentido a isso. É o que tenho feito desde então. 

Penso que alguns legados já estão definidos:

  • minha contribuição para a salvação dos quatro de Salvador e de Cesare Battisti;
  • o exemplo que deixo, de que um revolucionário injustiçado por seus companheiros não deve fazer acordos podres mas sim lutar para trazer a verdade à tona, nem que isto demore quase 35 anos e implique suportar estigmatização durante todo esse tempo;
  • a de que revolucionário deve obedecer sempre à sua consciência, sem compactuar com erros desastrosos e práticas vergonhosas, mesmo que tenha de lutar sozinho contra tais distorções (devemos geralmente acompanhar nossa tribo, mas há momentos em que a única forma de mantermos a integridade e a coerência é termos a coragem de seguir adiante como lobos solitários!).
Hoje, com 67 anos, não tenho alternativa se não trilhar até o fim os rumos que tracei para minha militância. Sei que, quase sempre, fui apenas uma voz que clamava no deserto, alertando a esquerda de que ela se encaminhava para desfechos desastrosos sem conseguir alterar a marcha inexorável dos acontecimentos. 

Mas, foi o máximo que eu pude fazer. Ainda assim, restou-me um sabor amargo na boca por, p. ex., assistir à terrível derrota de 2016 depois de todos os alertas que lancei desde a campanha eleitoral de 2014:
  • de que Dilma não estava à altura da crise econômica que enfrentaria caso se reelegesse;
  • de que governo de esquerda com ministro da Fazenda de direita (como o Joaquim Levy) acaba paralisado por esta contradição e se desconstruindo;
  • de que o afastamento da Dilma se tornou irreversível quando a Câmara Federal autorizou o início do processo de impeachment e não adiantava percorrer todas as etapas fixadas na Constituição até o mais amargo fim, sendo preferível a renúncia imediata e o imediato lançamento de uma luta por diretas-já, uma bandeira que seria capaz de unir toda a esquerda;
  • que ao invés de tentarmos derrubar Temer era mil vezes mais importante reagruparmos nossas fileiras sob perspectivas estratégicas e táticas bem diferentes, abandonando as ilusões democratico-burguesas e reconduzindo a esquerda aos trilhos revolucionários.
Hoje qualquer um pode constatar, se não que minhas propostas alternativas resultariam, pelo menos que os caminhos adotados pela esquerda não levaram a lugar nenhum, assim como a lugar nenhum levará a insistência em reconduzir Lula de novo à presidência da República, pois, ainda que sejam superados todos os obstáculos legais, a crise atual do capitalismo inviabiliza a conciliação de classes e condena ao fracasso inevitável aqueles que a expressam, como o Lula.

Então, persistirei até o fim da vida tentando contribuir para a gestação de uma nova esquerda, em substituição à que perdeu o rumo e a moral, jogou nossas bandeiras no chão e desistiu de lutar por uma transformação em profundidade da sociedade brasileira.

Se o possível já não basta para os explorados que temos a missão de representar, só nos resta redescobrirmos a ousadia dos jovens contestadores de 1968: "Sejamos realistas, exijamos o impossível!".

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