terça-feira, 21 de novembro de 2017

TÃO RIDÍCULA QUANTO A 'BATALHA DE ITARARÉ' (QUE NÃO HOUVE) FOI A 'GUERRA DA LAGOSTA' (IDEM). VAMOS RELEMBRÁ-LA?

Graças ao genial jornalista e escritor Aparício Torelly, pioneiro no humorismo político em nosso país, é bem conhecido o episódio ridículo de 1930, quando as tropas insurgentes de Getúlio Vargas marcharam em direção aos contingentes leais a Washington Luiz e se criou a expectativa de que travassem uma grande batalha em Itararé, na divisa entre PR e SP.  

No entanto, o presidente desistiu de resistir, entregando o poder a uma junta governativa; assim, nem um único tiro acabou sendo disparado. Foi quando o mordaz Torelly, num artigo hilário, outorgou a si próprio o título de Barão de Itararé, como herói da batalha que não houve...

Mais ou menos na mesma linha é a guerra da lagosta, que também não houve, entre Brasil e França. Por causa dela, até hoje se atribui ao então presidente francês, o general Charles De Gaulle, uma frase que ele não disse mas resume magnificamente a índole nacional...

Eis uma ótima reconstituição do episódio que o jornalista gaúcho Chico Pereira publicou no seu blogue:

"...De Gaulle nunca disse que o Brasil não era um país sério. O autor da frase é o diplomata brasileiro Carlos Alves de Souza Filho, embaixador do Brasil na França entre 1956 e 1964, genro do presidente Artur Bernardes.

Rolava o ano de 1962 e o contencioso entre o Brasil e França, conhecido como a guerra da lagosta... O casus belli girava em torno da captura de lagostas por parte de embarcações de pesca francesas, em águas territoriais brasileiras, mais precisamente no litoral de Pernambuco. 

Alertado por pescadores brasileiros, a notícia chegou até o terceiro andar do Palácio do Planalto. O presidente João Goulart após reunião do Conselho de Segurança Nacional, mandou despachar para a região um formidável – se considerado o tamanho da ameaça – contingente da Esquadra Nacional, apoiado pela Força Aérea Brasileira. 

De Gaulle, por sua vez, convocou o embaixador brasileiro para uma conversa no Palácio do Eliseu, sede do governo francês.

Detalhe: O episódio serviu para a imprensa francesa lançar um desses debates que embalam a França. A lagosta anda ou nada? Caso nadasse poder-se-ia considerar que estava em águas internacionais; caso andasse, estaria em território brasileiro, uma vez que se admitia à época que o fundo do mar pertencia ao Brasil. 

No debate diplomático, a tese francesa, naturalmente, sustentava que a lagosta nadava. Sem contato com o leito oceânico, poderia ser considerada como peixe. Portanto passível de ser pescada legalmente pelos franceses. 

O almirante Paulo Moreira da Silva, especialista da Marinha contrapôs os franceses com um argumento singelo: Se a lagosta fosse considerada peixe quando dá seus pulos se afastando do fundo submarino, então teria, da mesma maneira, que ser acatada a premissa do canguru ser uma ave, quando dá seus saltos.
O cruzador Tamandaré, escoltado por quatro contratorpedeiros.
Na noite que seguiu a conversa com De Gaulle, o embaixador Alves de Souza Filho foi convidado para uma festa na casa do presidente da Assembléia Nacional, Jacques Chaban-Delmas. Nota-se que a guerra não era tão séria assim. 

Na recepção, o embaixador foi interpelado por outro convidado brasileiro, o jornalista Luís Edgar de Andrade, correspondente do Jornal do Brasil em Paris. O correspondente assuntou o embaixador a respeito da conversa com De Gaulle em particular e sobre o quadro geral da crise. 

Alves de Souza Filho sempre achou o governo brasileiro inábil no trato da questão a nível diplomático... (então) arrematou a conversa informal, off the record no jargão jornalístico, com a famosa frase: 'O Brasil não é um pais sério'. 

O embaixador Carlos Alves de Souza relatou o caso em seu livro Um embaixador em tempos de crise (Livraria Francisco Alves Editora, 1979):
'Provavelmente o jornalista telegrafou ao Brasil não deixando claro se a frase era minha ou do general De Gaulle, com quem eu me avistara poucas horas antes desse nosso encontro casual. Luís Edgar é um homem correto, e estou certo de que o seu telex ao jornal não teve intuitos sensacionalistas. 
Mas a frase pegou. É evidente que, sendo hóspede do general De Gaulle, homem difícil, porém muito bem educado, ele, pela sua formação e temperamento, não pronunciaria frase tão francamente inamistosa em relação ao país do chefe da Missão que ele mandara chamar. Eu pronunciei essa frase numa conversa informal com uma pessoa das minhas relações. A história está cheia desses equívocos'".
Por último, uma curiosidade. Na época foi lançada em disco uma ótima paródia sobre o episódio, utilizando a música da marcha carnavalesca Cachaça não é água (de Carmen Costa e Colé), mas com a letra inteiramente alterada. 

Ficou assim: "Você pensa que lagosta é peixe? / Lagosta não é peixe, não! / Peixe é bicho que nada, / crustáceo não nada, não! /// Pode faltar tudo ao brasileiro: / arroz, feijão e pão. / Mas, a lagosta é nossa, / De Gaulle não bota a mão! /// Pode mandar vaso de guerra, / disto até acho graça: / por causa da lagosta, / até eu vou sentar praça!".

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