domingo, 22 de outubro de 2017

DALTON ROSADO ÀS VOLTAS COM O ENIGMA: POR QUE OS TEMPOS MODERNOS SE TORNARAM TÃO REGRESSIVOS?

"As pessoas acham que o mundo é feito assim e se lhes dissermos que não é assim, cai-lhes o teto em cima
e talvez a nossa cabeça ao chão" (David C. Mitchell)

Que tempos estranhos estamos vivendo!

Contudo, ao analisarmos com mais profundidade a história social dos últimos séculos, concluímos que os cenários atuais, embora nos pareçam estranhos, não passam de uma reedição piorada de outros tempos vividos na trajetória sangrenta do capitalismo.

Hoje vemos o discurso xenófobo nacionalista calar nos corações e mentes de muitos que outrora levavam vidas confortáveis mas agora receiam ser atingidos pela labareda da pobreza que corrói os países periféricos do capitalismo.

Exemplo eloquente disto vem da culta Alemanha, com a ascensão do outrora proscrito partido nazista, de triste memória para a humanidade. Ele volta a ter assento no Reischstag, nome que se dá ao prédio do parlamento alemão, denominado de Bundstag.

O que dizer de um presidente dos Estados Unidos, democraticamente eleito (apesar de não haver tido a maioria dos votos), que tem a insensibilidade de dizer à mãe e à esposa de um dos 6 mil militares estadunidenses mortos em tempos recentes, a última coisa que as coitadas esperavam ouvir num momento tão doloroso?! Isto: "Lamento, mas ele sabia onde estava se metendo!”

Piores ainda do que os despautérios de Trump são suas medidas altamente nocivas à humanidade, como o corte de verbas de órgãos de controles ambientais e a retirada do país do acordo de Paris sobre as mutações do clima.
Alemanha: nazistas de hoje querem bisar pesadelo de ontem.

Como se admitir que figuras repulsivas como Jair Bolsonaro já seduzam muitos cidadão desavisados que andam à procura de um novo salvador da pátria, embora haja sido péssima a experiência com os exemplares antigos da mesma laia?!

Como aceitarmos o afrouxamento de leis que proíbem o trabalho escravo, unicamente para atender ao interesse mesquinho e desumano de empresários rurais movidos pela ganância exacerbada?!

Como se encarar como normal a liberação de áreas amazônicas para a exploração mineral e extração vegetal sem manuseio, mesmo sendo uma região cujo desmatamento sem controle constitui grave ameaça para o equilíbrio ecológico do nosso planeta?!

Como se explicar a volumosa participação de políticos no saque ao erário público brasileiro?! Como não nos indignarmos com o fato de todos os escândalos noticiados pela imprensa e todos os processos contra eles movidos não terem sido suficientes para evitar que continuassem mandando no país?!

Como não nos chocarmos com a possibilidade de que a França, berço do ideário republicano das liberdades democrático-burguesas, venha a ficar sob controle de líderes ascendentes como Marie Le Pen, anos luz à direita de Nicolas Sarkozy (embora este seja adepto de muitas ideias igualmente conservadoras) ?!

Como não se estarrecer com a barbárie terrorista de grupos como o Estado Islâmico, Al Queda, Boko Haram e outros que matam indiscriminadamente em nome de Deus?!
O bestial terrorismo islâmico não distingue civis de combatentes 

Como não se indignar com o avanço do crime organizado no Brasil, a ponto de já dar ordens de comportamento social em muitas localidades e de travar terríveis batalhas (seja contra criminosos concorrentes, seja contra os efetivos policiais e militares) em plena luz do dia, com armas modernas e poder de fogo devastador, indiferente à sorte dos moradores?!

Como se assistir passivamente às milhares de mortes (inclusive de crianças) nos mares que separam a Europa decadente dos migrantes fugidos de governos despóticos fundamentalistas e corruptos que grassam tanto na Ásia quanto na África?!

Como se crer que a economia brasileira viva momento de recuperação, quando a queda da inflação se deve muito mais à deflação causada pela perda do poder aquisitivo do povo do que pela normalidade das finanças públicas (que aponta déficit orçamentário de bilhões de reais e tem um crescimento pífio do PIB após anos de queda livre)?!

Como não ficar enojado diante da cortesia de políticos e da própria institucionalidade para com governos arrogantes do 1º mundo, como o da Itália, que insiste em atropelar as leis brasileiras em sua perseguição sem fim a um militante revolucionário de outrora, que hoje não passa de um escritor pacato e sexagenário escritor, pai de uma criança brasileira?!

Como conviver com uma renitente taxa de desemprego acima dos dois dígitos, que leva ao desespero (e muitas vezes à criminalidade, por falta de alternativa) mais de 13 milhões de cidadãos aptos ao trabalho e dois quais dependem outras dezenas de milhões de brasileiros?!
Emissão de dinheiro sem valor: consequências são devastadoras. 

Como se engolir a inexistência de discussão sobre temas que deveriam ser obrigatórios nos debates econômicos televisivos e acadêmicos (principalmente nestes últimos, mais adequados para a reflexão verdadeiramente científica, sem preconceitos ideológicos)?! 

Um dos temas dos quais os ditos cientistas políticos e os economistas graduados fogem como o diabo da cruz: a volumosa emissão e exportação de dinheiro sem valor válido (porque não advindo da produção de mercadorias) pelos Bancos Centrais dos Estados Unidos e União Europeia, causando a desintegração política e econômica dos países da periferia do capitalismo que não podem emitir moeda sem lastro sob pena de inflação corrosiva. 

As consequências últimas são as carnificinas desnorteadas e o recuo da civilização, conforme constata Robert Kurz no seu livro Dinheiro sem valor:
" ... depois de o dinheiro ter sofrido uma mutação, convertendo-se de sacrifício simbólico na objectualidade universal do valor no sistema do trabalho abstrato, o dinheiro sem valor, sobre esta base desvalorizada e dessubstancializada, faz agora regressar condições quase arcaicas que, no entanto, já não se inserem dentro de determinadas balizas, mas desembocam no quadro de carnificina desnorteada e num recuo da civilização. 
Kurz: revogam-se todos os elementos civilizacionais anteriores.
Se as metamorfoses do dinheiro, do sacrifício humano até a objetualidade simbólica de substituição, constituíram um processo de civilização parcial no terreno de relações de fetiche não ultrapassadas, o fetiche do capital pôs em marcha um movimento de sacrifício reificado cujo resultado acaba por revogar todos os elementos civilizacionais da história humana anterior. Os sanguinários sacerdotes dos astecas eram inofensivos e amigáveis em comparação com os burocratas do sacrifício ao fetiche do capital global em seu limite interno histórico".  
Seriam infindáveis os exemplos deste quadro dantesco.

Mas, o pior é que há um vazio de projetos sociais que sirvam como referência para a superação do atual modelo capitalista exaurido. É isto que está provocando a reedição de práticas político-sociais abomináveis, que já pareciam superadas ou a caminho de o serem.

A direita quer que o seu discurso conservador e moralista, mais apropriado para o libreto de uma ópera bufa, encontre guarida nas mentes de cidadãos inconformados com a penúria na economia e o mar de lama nos poderes da República, de modo a que possa assumir com legitimidade eleitoral o poder político que lhe dê sustentação e meios de defesa dos seus próprios fundamentos contraditórios: o capitalismo decadente e ecologicamente suicida.
Salvadores da pátria = retrocesso civilizatório chocante

Enquanto o Direito tenta retomar o seu poderio politico de afirmação do capitalismo, no exato momento de seu limite histórico, a esquerda está perdida num discurso de manutenção político-institucional do Estado e das categorias capitalistas (trabalho abstrato, trabalhador, dinheiro, mercadoria, mercado, política, democracia, socialismo). 

Ela tenta humanizar o que é desumano por natureza, ao esforçar-se para viabilizar a justa distribuição do dinheiro, sem compreender a impossibilidade matemática e social de tal desiderato, por desconhecimento dos ensinamentos de Marx esotérico (que insiste em desconhecer, ainda que se afirme marxista). E isto quando não está deliberadamente usando um discurso humanista para encobrir interesses políticos menores e mesquinhos.      

O quadro brasileiro politico-eleitoral que se avizinha, infelizmente, divide-se entre um modelo de ultradireita que se arvora em salvadora da pátria e que embute um retrocesso civilizatório chocante; e uma esquerda conciliadora com o capital, que busca uma convivência harmoniosa com os detentores do poder econômico e acredita que deles possa obter a concessão de algumas benesses sociais que não levam a nada (ou pior ainda, que levam tal esquerda atenuada, cuja corrente mais emblemática é a do lulismo petista, ao descrédito total, por força da inviabilidade econômica do próprio capitalismo).

A nós somente resta a paciente e incansável insistência numa saída que desconstrua as categorias capitalistas, para que, sobre os seus escombros, possamos construir uma sociedade verdadeiramente emancipada. 

Caso contrário, por ação ou omissão, estaremos contribuindo para o agravamento do recuo civilizatório ora em curso.  (por Dalton Rosado)   


Estes tempos modernos eram ruins. Os atuais são muito piores.

Um comentário:

SF disse...


Parece mesmo muito complicado, mas não é.

Desde o início um grupo dominante adotou a estratégia de aniquilar quem não cooperasse com ele.

Por outro lado, o grupo dominado adotou a estratégia de cooperar, pois não cooperar significava a morte.

Assim, tanto a estratégia de o dominante ser bondoso (não matar) quem lhe servisse quanto a estratégia do dominado em servir, para não ser morto, vem de muitas gerações que as repetem.

Porém, como sabemos, o avanço da tecnologia dos dominantes fez com que uma parcela dos dominados perdesse completamente a utilidade...

Daí que exterminar a parcela excedente de dominados pode ser a estratégia que será implementada por eles.

Afinal a estratégia que sempre beneficiou os dominantes foi matar quem lhes incomodasse.

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