quarta-feira, 23 de agosto de 2017

UM NOVO 'MILAGRE BRASILEIRO' ESTARÁ A CAMINHO?

Toque do editor
Uma lição que a História me ensinou foi a de nunca desprezar possibilidades aparentemente menos plausíveis de cenários futuros, se não quisermos ser surpreendidos por eles.

Aos 18 anos, escolhido pela VPR para criar algo que jamais existira na esquerda brasileira –um setor de Inteligência formalmente estruturado–, tive até algum sucesso em acompanhar as disputas na caserna, entre partidários da radicalização da ditadura e os que queriam manter a proposta original de devolução do poder aos civis. Tratava-se de algo que precisávamos monitorar bem, mesmo porque uma das consequências do fortalecimento dos segundos era a intensificação da repressão.

Mas, nem me passou pela cabeça que, além de um terrorismo de Estado desembestado, outro grave perigo nos ameaçasse: uma melhora da situação econômica capaz de alterar o humor da classe média, fazendo-a simpatizar com o regime. Acreditávamos que a impopularidade dos golpistas fardados permaneceria inalterada, aumentando as chances da guerrilha que nos preparávamos para deflagrar.

O milagre brasileiro nos retirou a escada e ficamos pendurados na brocha. Foi uma euforia consumista que que durou apenas até o primeiro choque do petróleo, em 1974. Mas, o suficiente para a classe média, deslumbrada com o aumento de poder aquisitivo e o ingresso no maravilhoso mundo das compras, sair cantando "eu te amo, meu Brasil, eu te amo", enquanto os próprios trabalhadores, no futebol dominical, ovacionavam o ditador Médici, que ia fazer encenações demagógicas no Maracanã, com um radinho de pilha colado no ouvido e um batalhão de seguranças ao lado...
A mão sangrenta aperta a mão do embasbacado

Um bom agente de Inteligência certamente perceberia os indícios do começo de um boom econômico, alertando seus superiores em tempo hábil. Mas, além da inexperiência, tenho outra atenuante: ninguém na VPR captou a direção dos ventos econômicos (nem mesmo o Ladislaw Dowbor, economista por formação). Fomos todos pegos de calça curta e, em pouco tempo, nos vimos isolados politicamente, o que facilitou nosso aniquilamento militar.

Gato escaldado, hoje me mantenho sempre atento aos rumos da economia, pois eles geralmente antecipam o que está para vir na política. No 3º trimestre de 2014, p. ex., eu já sabia que o mandato presidencial seguinte inevitavelmente transcorreria sob uma aguda recessão econômica. E, tendo a certeza de que a Dilma não estava nem de longe à altura do desafio que enfrentaria caso reeleita, favoreci tanto a candidatura de Marina Silva quanto a tendência interna do PT que pregava a volta do Lula, com a mudança de cabeça-de-chapa.

Infelizmente, Marina foi desconstruída pelo Goebbels do PT (João Santana, responsável direto pelo pior estelionato eleitoral de todos os tempos no Brasil) e Lula cometeu um dos maiores erros de sua vida, ao não insistir com a teimosa criatura para que se sujeitasse à vontade do seu criador. O resultado veio no ano passado com o impeachment, a derrota mais acachapante que sofremos desde 1964.
Bem melhor seria se Lula tivesse disputado esta eleição!
Desde então venho insistindo em que a esquerda precisa abandonar definitivamente as ilusões eleitoeiras e recolocar a superação do capitalismo como prioridade máxima de sua atuação, travando as lutas do povo ao lado do povo para organizá-lo e acumular forças, até se tornar capaz de oferecer uma verdadeira alternativa de poder.

Mas, há os que insistem em tapar o sol com a peneira, utilizando a miragem de uma vitória do Lula na eleição presidencial de 2018 como justificativa para não fazerem autocrítica nenhuma e manterem tudo que se revelou desastroso de 2002 para cá: a política de conciliação de classes, o reformismo, o populismo, o respeito religioso pelos valores republicanos, etc.

O Dalton Rosado e eu cansamos de provar que a via eleitoral, além de jamais ter sido uma autêntica opção estratégica para nós, hoje nem sequer serventia tática tem. Pelo contrário, participar dos podres Poderes nos diminui aos olhos do povo, fazendo-nos ser vistos como farinha do mesmo saco.

No fundo, tanto dá que seja Lula, Dória ou outro qualquer quem vá gerenciar o capitalismo para os capitalistas, pois o verdadeiro poder continuará sendo o econômico, a mão que maneja os cordéis por trás das cortinas. Presidentes hoje desempenham funções cerimoniais e cuidam das miudezas, enquanto as decisões macroeconômicas, aquelas que realmente importam, são ditadas pelo grande capital.
A classe média sonha com um bis

E, traçando um paralelo óbvio com o golpe de 1964, venho advertindo também que, mesmo estando globalmente muito mais fragilizado, o capitalismo continua tendo poder de fogo para dar uma levantada temporária na economia brasileira, suficiente para os eleitores estarem aliviados e otimistas quando forem às urnas em 2018.

Nesta 4ª feira (23) meu temor parece confirmado pelo economista Marcos Trojyo, que leciona na Universidade Columbia, em Nova York: poderemos mesmo vir a presenciar a um novo milagre brasileiro (que, não tenho dúvidas, seria tão efêmero quanto o anterior, mas com chance de consolidar a restauração burguesa ora em processo).

Sugiro que todos leiam suas previsões e passem a acompanhar atentamente o desenrolar dos acontecimentos, para ver se as confirmam. Caso o cenário que ele esboça venha a tornar-se realidade, todos os planos da esquerda terão de ser revistos, começando pelas perspectivas eleitorais do Lula, que evidentemente não subsistiriam em caso de um boom econômico.

E será uma boa hora para trocarmos o imediatismo por uma estratégia menos bombástica, porém mais efetiva, de paciente preparação dos explorados para a ruptura com o capitalismo, já pensando numa intensificação das nossas lutas dentro de alguns anos, depois de passado o boom. (CL)
BRASIL TEM CHANCE DE 
DIA DE SOL PERFEITO NA ECONOMIA

Por Marcos Troyjo
Se você estava buscando motivos para ficar menos desanimado com o Brasil, o anúncio da privatização da Eletrobras pode ser um bom sinal.

Por mais incrível (e imerecido) que venha a parecer, o país, em meio a seus escombros morais, políticos e fiscais, tem uma razoável oportunidade de engatar um ciclo positivo na economia –e na história.

No mundo, e dentro do Brasil, correntes de ventos contrários e a favor estão alcançando um equilíbrio interessante. Em lugar da certeza de que tudo está perdido, desponta a chance do país virar o jogo. Caso tenha competência, o Brasil aproveitará conjuntura a que se pode chamar de dia de sol perfeito.

Conhecemos bem sua plena antítese –a tempestade perfeita que acomete o país em anos recentes. Para ela concorreram fatores externos, como a retração do preço internacional das matérias-primas e a aumento do protecionismo comercial.

Influíram também as projeções de que a normalização das políticas monetárias nas economias mais maduras teria efeitos de estrangulamento de liquidez para emergentes como Brasil. Há exatos três anos, o banco de investimento Morgan Stanley listava o país ao lado de Turquia, Indonésia, África do Sul e Índia como pertencentes ao indesejável grupo dos Cinco Frágeis.

No entanto, eram os fatores internos a espalhar o rastro de devastação da tempestade perfeita. O impeachment que inescapavelmente se avizinhava. A impiedosidade da Lava Jato sobre o modelo de economia política vigente. A radioatividade da nova matriz econômica. O esgotamento da política de campeãs nacionais e do sacrossanto conteúdo local. O estouro, enfim, das comportas fiscais do estado brasileiro.
A tempestade perfeita de 2015...

Basta olhar o número de desempregados, a retração do PIB ou a falta de ânimo para investir e temos a dimensão do que continua a significar essa traumática tormenta.

Ainda assim, o momento está propício para a virada da sorte. Se quiser, como demonstram os primeiros lances nessa dinâmica de privatizar a Eletrobras, o país pode realizar no biênio 2018-19 um portentoso programa de desestatização. Nesse movimento, os bem-vindos influxos de caixa com a venda de ativos – grande refresco para o quadro fiscal –são os menores dos benefícios.

Os principais dividendos estarão no aumento da eficiência e na diminuição do papel do estado na economia e na sociedade. Aqui, os ganhos de mudança cultural, de constrangimento da mentalidade estatista, são de igual monta aos de natureza econômica.

Se de fato enveredar pelo rumo da desestatização, o Brasil desencadeará enorme potencial produtivo. E, antes mesmo que isso ocorra nos fundamentos, a formação de expectativas positivas desempenhará grande papel no desanuviar do horizonte econômico brasileiro.

Uma onda desestatizante se agregaria a outros pujantes ventos de cauda. O crescimento do Sudeste Asiático – que dobrará seu peso relativo na economia global nos próximos quinze anos – continuará a deslocar a curva da demanda mundial por alimentos, commodities agrícolas e minerais. São esferas em que o Brasil apresenta vastos diferenciais competitivos.

Do ponto de vista do investimento estrangeiro, seja na modalidade de portfólio, seja na planta produtiva, o tamanho específico do Brasil ainda importa. Sobretudo se considerarmos que há amplos estoques de capital no mundo disponíveis para projetos de infraestrutura – área em que o Brasil representa clara fronteira móvel.
...cede lugar a alguma melhora e a previsões otimistas...
Estão coincidindo também os frutos de uma boa gestão macroeconômica – inflação na meta e juros em queda – com a constatação de que as reformas estruturais moveram-se para o centro do palco. 

A trabalhista andou e, ainda que sob a tensão inerente às grandes mudanças de paradigmas, o Brasil provavelmente adotará um sequencial de reformas tributárias e reformas previdenciárias – ambas no plural. É isso ou o caos reformador do mercado.

E, ainda que se busque cotidianamente barrar a Lava Jato, seus efeitos colaterais benéficos no campo do compliance, transparência e melhores relações com investidores se farão sentir crescentemente.

Claro que existe um universo de coisas passiveis de dar errado no (e para o) Brasil nos próximos dezoito meses.

O cenário internacional, por algum evento fragmentário, por exemplo, com epicentro na Península Coreana, escureceria. O reality show trumpiano na Casa Branca pode sempre nos reservar alguma episódio mais dramático, com repercussão geoeconômica.

No plano interno, talvez a matemática fiscal em si venha a precipitar novo corte na nota de classificação de risco brasileiro antes da eleições do ano que vem. Quanto a reformas, o status quo político-fisiológico dispõe de couro grosso. Há muito o que pode desandar. O país conta com abundante coleção de mazelas a alimentar o desalento.
...mas a bonança, se vier, só durará até a tempestade seguinte.

Ainda assim, não reconhecer que a conjuntura está prestes a oferecer uma baita chance para o Brasil recuperar parte do prejuízo é mais do que ausência de otimismo. Não enxergar que o país pode iluminar-se com um dia de sol perfeito é falta de realismo.

7 comentários:

Anônimo disse...

Pô, Celso, tu "endireitou" muito. O que se sucedeu?

celsolungaretti disse...

Leia o artigo de novo, para ver se entende direito. Se continuar achando isso, consulte Marx.

A direita é o PT, que só quer participar do capitalismo. A esquerda somos todos que queremos acabar com o capitalismo.

É simples assim.

Vandeco disse...

Concordo com o Sr. Celso. O Lula enganou direitinho os verdadeiros esquerdistas. Enganou aqueles que queriam mesmo aproveitar do que o capitalismo é capaz. Mesmo agora ainda acreditam que o Lula é de esquerda. Como dizia meu saudoso pai "O mundo dá muitas voltas".

Paulo César disse...

Celso, poderia me indicar alguma bibliografia para eu ter noções de economia ?
Obrigado.

celsolungaretti disse...

Sugeri ao Dalton Rosado que te respondesse. É mais a praia dele. Abs.

celsolungaretti disse...

Caro Paulo César,

os meus escritos são de crítica da economia política. Assim, eles estão focados na análise da essência da criação do valor (dinheiro e mercadorias) e não nos mecanismos de controle e administração do fluxo monetário. Os economistas geralmente estudam esse segundo aspecto (controle e administração) e, assim, não se interessam sobre o estudo da negatividade social da forma-valor. Para eles criticar a economia mercantil seria criticar a existência da própria profissão na qual se especializaram; estariam contra as suas próprias funções profissionais da qual tiram o sustento. São poucos os que se aventuram na crítica da própria economia.

Assim, os mais proeminentes estudiosos das relações sociais reificadas pela forma valor, nas quais coisas inanimadas (os objetos de consumo transformados em mercadorias) ganham vida e ditam ordens desumanas para todos nós como forma de consecução dos seus objetivos vazios de sentido humanitário (a forma valor apenas faz uso das necessidades de consumo de mercadorias para existir e quando a produção de tais mercadorias deixam de cumprir o seu papel nefasto ditas produções são paralisadas como agora ocorre mundialmente; as mercadorias existem como função precípua da valorização do valor e não da satisfação de necessidades humanas).

Penetrar no universo da complexa compreensão da negatividade da forma-valor significa entrar nos quarto os escuro onde estão guardados os segredos da manutenção da milenar da segregação social e desvendar os seus mecanismos opressores. Mas uma vez compreendidos os seus conceitos fundamentais podemos encontrar o fio de Ariadne que pode nos conduzir à emancipação humana.

Assim, indico alguns autores e suas obras que fizeram essa análise indispensável para a compreensão dos males atuais:

Karl Max (O capital, principalmente a sua análise da mercadoria, e os Grundrisse);
Robert Kurz (toda a sua vasta obra); Anselm Jappe, Guy Debord, Moishe Postoine, Karl Polianyi, Isaac Rubim, George Lukacs, Roman Podolski, Roswitha Schools, e sites especializados como o Exit - crise e crítica da sociedade da mercadoria; Krisis e do Grupo Crítica Radical.

Um grande abraço, Dalton Rosado.

Paulo César disse...

Caro Dalton, muito obrigado pela indicação bibliográfica e pela explicação inicial. Tenho formação em engenharia elétrica, mas nunca entendi o "economês" vomitado diariamente pela mídia grande. Meu objetivo é ter uma macrovisão da disciplina, de maneira a não ser enganado pela terminologia anódina que escutamos.
Um forte abraço.
Paulo César.

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