domingo, 20 de agosto de 2017

EM BUSCA DA HUMANIDADE PERDIDA

DEMOCRACIA CORINTHIANA ME FEZ CRER QUE, APÓS A TEMPESTADE DITATORIAL, VIRIA A BONANÇA DE UM NOVO BRASIL.
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Por Celso Lungaretti
Sou da mesma geração do Juca Kfouri, só uns poucos meses mais novo. Então, conheço muito bem os sentimentos que inspiraram seu artigo dominical. Mas, discordo da conclusão: para mim, não são os brasileiros que têm de retomar o Brasil, mas sim a humanidade que tem de retomar o mundo.

Também cheguei a assistir nos estádios às desconcertantes tabelinhas Pelé/Coutinho e às geniais molecagens do Mané. E gostaria de ter filhos ou sobrinhos para contar ("Meninos, eu vi!") que, no maldito ano de 1964, pelo menos o futebol era de primeiríssima qualidade, a ponto de eu ter presenciado 20 gols numa mesma tarde, em partidas decisivas travadas no velho Pacaembu:
  • na final do campeonato de aspirantes, o Corinthians, liderado por um Rivellino prestes a ser promovido para a equipe principal, enfiou 6 a 3 no Santos; 
  • o troco veio no jogo principal, 7x4 para o Santos, impondo mais um ano de fila para o Corinthians independentemente do que acontecesse na rodada seguinte, a última.
E o time da democracia corinthiana dos anos 70 enchia-me os olhos, era o futebol-arte da minha devoção carregando a bandeira dos melhores ideais daquela época na qual, eterno otimista, cheguei a crer que, depois da tempestade ditatorial, viria a bonança de um novo Brasil. 
Meninos, eu vi... a consagração do Rivellino nos aspirantes.

O que veio foi a integração plena do nosso país no capitalismo globalizado e a entronização de uma sociedade de consumo que a tudo e a todos transformou em mercadorias.

Então, sendo mercadorias de grande valor de mercado, nossos craques foram deslumbrar os europeus, enquanto, como a Madalena da música do Chico, ficávamos a ver navios... abarrotados de jogadores medianos que não despertavam interesse lá fora, além de algumas jovens promessas que passaram a bater asas em prazo cada vez mais curto e de uns tantos retornados que já não serviam para os grandes centros mas conseguiam enganar bem por aqui durante um tempinho, até pendurarem definitivamente as chuteiras.

Para não ficarmos no mero saudosismo, temos, contudo, de considerar outros aspectos. P. ex., quantos assistiam àqueles jogos maravilhosos? Boa parte não passava na TV, ou era mostrada somente em teipe, lá pelo final da noite. Trabalhadores que pegavam cedo no batente nem sempre podiam esperar até tão tarde, mesmo querendo.
Futebol deve ser tido como espetáculo, não como guerra!

Agora, pelo contrário, as transmissões são quase todas ao vivo e a oferta, das mais vastas, abrangendo não só as melhores partidas do respectivo Estado, como as do resto do Brasil e também dos maiores centros do velho continente. Se o Neymar ainda estivesse no Santos, dificilmente teríamos visto tantas atuações suas como as que vimos com ele no Barcelona. 

Os jogadores se tornaram gananciosos que alugam seu talento a quem pagar mais? Sem dúvida! Mas. há o aspecto positivo de que, assim, eles começam a ser vistos como aquilo que realmente são: artistas que nos proporcionam belos espetáculos, e não combatentes que devam jogar com garracolocar o coração no bico das chuteiras e outros chavões belicosos. Já temos muito mais guerras do que deveríamos ter, precisamos é de encantamento e beleza nas nossas vidas!

E, quanto a retomarmos o Brasil, lamento, Juca mas isto também ficou para trás. O que nos infelicita se repete no mundo inteiro, com diferenças apenas quantitativas. A crise econômica é maior aqui, mas pipoca também na América do Norte, Europa e Ásia (enquanto a África já se tornou a própria antessala do inferno!). 
"Não existe mais período de prosperidade em ampla escala"
Não existe mais período de prosperidade em ampla escala: para que algumas nações estejam relativamente bem é necessário que outras estejam acentuadamente mal. Até um leigo em economia percebe que está se delineando, no horizonte, uma depressão que fará a da década de 1930 parecer brincadeira de criança. O que vimos em 2008/2009 foi apenas um trailer... assustador.

Paradoxalmente, também deste quadro agourento podemos extrair algo positivo: o fato de que, a cada dia, vai caindo para mais e mais pessoas a ficha de que a salvação não vai ser encontrada por um ou outro país isoladamente, mas tem, isto sim, de ser buscada pela humanidade como um todo. 

Não há como equacionarmos apenas em nível nacional o problema da absurda desigualdade econômica que condena bilhões à miséria em benefício de ínfimas minorias de parasitas. Nem o da crescente destruição dos recursos naturais que possibilitam a sobrevivência da espécie humana, mas estão sendo sacrificados no altar do lucro.

Será mais fácil adquirirmos tal percepção neste novo mundo –ora admirável, ora detestável– entrelaçado pelas comunicações. Abrimos janelas para o resto do planeta; devemos não só olhar através delas, mas extrair as conclusões que se impõem.

Afinal temos chance de transcender as barreiras artificiais que separam os homens desde os primórdios. Hordas primitivas, tribos, impérios, feudos, estados-nações, blocos ideológicos, o que isso nos tem trazido através dos tempos além de morticínios inúteis e sofrimento desmedido? Agora, premidos pela necessidade, teremos de inventar  uma forma de conviver com os demais seres humanos e unirmo-nos a eles nas tarefas essenciais para garantir que todos tenhamos um amanhã

E é aconselhável que o façamos logo, pois, enquanto não retomarmos a posse dos nossos destinos, estaremos nos aproximando cada vez mais do ponto de não-retorno.

5 comentários:

Anônimo disse...

Imagine é hino para Rockefeller, Soros, Gates, Bourbon, Windsor, Buffett, Lemann, Clinton, Cardoso, Fraga, Bush, Guterres, Sundararajan, Mittal, Musk, Tranholm-Mikkelsen, Botín (nome de família perfeito para uma de banqueiros), etc. e tal.

No atual estágio econômico e político do planeta todas as baboseiras do Lennon serviriam apenas para uma burocracia umbilicalmente ligadas às grandes corporações estabelecerem a tirania perfeita.

Existe um grande problema. Pode até chamar de teoria da conspiração. O que temos visto, com a distorção proposital pela mídia industrial, é a equiparação da defesa dos interesses nacionais legítimos com a xenofobia e o racismo da extrema-direita. Não vai demorar muito para que todos lutadores contra a exploração das suas nações pelos países centrais sejam equiparados aos nazistas.

Falando em Imagine, o que você acha de New World Coming?

https://www.youtube.com/watch?v=mfQsngNoV7I

P.S. Gosto muito da Mama Cass... e nem um pouco dos Beatles e dos seus membros em carreira solo.

celsolungaretti disse...

Rebolla,

nacionalismo é coisa do século 19 nas nações desenvolvidas e da primeira metade do século 20 em paisecos atrasados como o Brasil. A globalização da economia encerrou esta etapa.

Vamos ocupar nosso tempo com o que está vivo. Cadáver tão antigo não serve nem pra estudante treinar autopsia. Já virou pó.

Abs.

celsolungaretti disse...

Ah, ia esquecendo. As mamães e papais nunca fizeram meu gênero. Muito melosos. Deram-me tédio no documentário sobre o festival Monterey Pop.

Quanto a comparar essa letra com a de "Imagine" foi brincadeira, não foi? Sem chance.

Anônimo disse...

Tanto New World Coming quanto Imagine são influenciadas por uma visão idílica e irreal. Um mundo sem fronteiras, sem guerras, sem miséria, etc. Pacifismo, conservacionismo e todos os demais ismos que nas décadas de 1980 e 1990 ajudaram muitos autores a faturarem com a nova era. Não estava falando sobre a qualidade das canções. Mesmo assim continuo não gostando dos Beatles, nem do John, nem do Paul, nem do Ringo, como é mesmo o nome do outro? Mesmo assim não gosto dele também.

O choque entre esquerda e direita não morreu. O mesmo ocorre com o nacionalismo versus globalismo. É impossível uma mudança antissistema simultânea em vários países. Mesmo que por milagre ocorra a partir do centro do império.

O que temos é algo totalmente diferente. Independente da qualidade do governante.

Primavera árabe. Os alvos principais foram a Síria e a Líbia. Tirando a Tunísia, onde parecia haver algo de autêntico, os alvos principais foram a Síria e a Líbia. Nas demais ditaduras da região os movimentos foram sufocados a ferro e fogo ou quando vitorioso, Egito, a reação contrária foi quase imediata. Nestes casos o máximo que o chamado mundo livre fez foi emitir notinhas protocolares.

Irã, Ahmadinejad; Ucrânia, Yanukovytch; Tailândia, Shinawatra; Brasil, Rousseff; Armênia, Sargsyan; Turquia, Erdogan; Venezuela, Chávez e Maduro; etc. Em quase todos os casos, a exceção de onde entra o componente étnico, os movimentos são basicamente de classe média que protestavam contra a corrupção e um irreal processo ditatorial em andamento (na Turquia é verdade). Nos casos onde o objetivo foi alcançado o novo governo tem pelo menos o mesmo teor de corrupção quanto o anterior e age geralmente com maior violência contra os que se tornaram opositores.

Pegue todas as "revoluções" com nomes de cores ou flores, mesmo que tenha nome de roupa, como a cashmere no Brasil, sempre tratadas pela imprensa corporativa a leite, pera, sucrilhos e toddynho. O que todas tiveram em comum ao alcançarem o sucesso? Foi a troca de governos que mal chegam a reformistas (como os do PT, que preferiram dar ao povo um pouco de consumismo à cidadania) por outros totalmente atrelados ao globalismo financeiro.

Sonhar com um movimento global meramente reformista, nem pensar em anticapitalista, é como a preocupação do Salvador com o destino do fiel e leal Augusto, caso um golpe militar ocorresse...

celsolungaretti disse...

Você raciocina a partir de cenários estáticos e o mundo está à beira de uma erupção.

A 1ª Guerra Mundial ensejou a revolução bolchevique; a 2ª, a revolução chinesa. É de supor-se:

* que a pior depressão econômica que o mundo já enfrentou e os efeitos devastadores das alterações climáticas tenham consequências muito mais abrangentes e radicais;

* que os homens tenham de unir-se para lutar pela sobrevivência; e

* que, caso sobrevivam, tendam a reconstruir a sociedade de forma bem diferente, aproveitando as lições dos erros cometidos e da forma como terão se organizado para a salvação.

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