quarta-feira, 28 de setembro de 2016

PEGAR, BATER, MATAR E PRENDER: ISTO JÁ NÃO RESOLVE!

"...havia entre os conjurados um homem danado (...), Silvério dos Reis. E esse feio traidor foi 
correndo falar com governador. Contou 
tudo, fez uma tal cena que o Visconde 
de Barbacena soltou os milicos na 
rua, mandou sentar pua, pegar 
bater e matar e prender!"
(Chico de Assis/Ary Toledo)

“Há algo no ar além dos aviões de carreira”. Valho-me da célebre frase do jornalista Aparício Torelly, o autodenominado Barão de Itararé, para dizer que vivemos no mundo um momento diferente, no qual um modelo se exauriu e outro tende a se impor como necessário e viável. 

Já não podemos viver sob a contradição entre produção tecnológica de bens e serviços e a mediação social feita pela forma-valor. O valor se funda no trabalho abstrato; a mediação social é feita pelo valor (administrado pelo Estado); o trabalho abstrato se tornou obsoleto. Conclusão óbvia: a sociedade do valor se tornou inviável. Fim de linha?

Não é bem assim. Tem muita água ainda para passar por debaixo da ponte. A história nos fornece os exemplos.


A revolução republicana burguesa, no final do século XVIII, era a
ponta da lança do emergente poder econômico burguês, que precisava sepultar o decadente modelo monárquico feudal. Fez-se a revolução republicana e, poucos anos depois, a monarquia já estava restaurada, para logo depois dar lugar ao moderno despotismo guerreiro napoleônico e seus códigos burgueses, até se chegar aos cânones republicanos da manipulação do povo pelo voto.

É que, em termos de história, as coisas não acontecem da noite para o dia, mas em lapsos de tempos maiores ou menores para a sua consolidação, embora atualmente as transformações ocorram com maior velocidade, pois estamos na passando pela terceira revolução industrial (microeletrônica, robotização, cibernética, comunicação via satélite, nanotecnologia, engenharia genética e coisas que tais).  


Voltemos, porém, à história mais recente. 

No pós-guerra se desenvolveu a guerra fria, que nada mais era do que a disputa internacional de hegemonia política e de mercado entre o bloco do chamado socialismo real (liderado pela União Soviética) e o liberalismo burguês (liderado pelos Estados Unidos). 

O que havia era uma disputa econômica e político-ideológica, e não uma tentativa de superação do modelo de relação social baseado na economia capitalista. Tais blocos eram divididos geograficamente, com cada um sentindo-se dono do seu pedaço, o que criou a falsa impressão de que um projeto era antagônico ao outro na sua essência (ou seja, como se um fosse capitalista e o outro, anticapitalista). 

Depois da queda do muro de Berlim e da adesão dos países do Leste Europeu (seguidos pela China) à economia de mercado, foi alardeado o triunfo do capitalismo e de seus encantos em contraponto ao baixo padrão do socialismo real

Na verdade, países que praticavam o capitalismo de Estado em sociedades até pouco antes agrárias marcharam para um capitalismo aberto de economia de mercado, e isto por absoluta necessidade de sobrevivência expansionista do próprio capitalismo de ambos os lados. Note-se que tal ocorreu sem nenhum tiro. Eles eram espécies distintas de um mesmo gênero, ou faces contrárias de uma mesma moeda (literalmente).


Agora o mundo do valor agoniza e nos cabe sermos os coveiros desse moribundo agonizante e parteiros de uma sociedade qualitativamente diferenciada para melhor

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PASSAMOS POR UMA CRISE SEM 
PARALELO NA HISTÓRIA
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Não são projetos políticos ideológicos assentados numa forma de relação social desenvolvida ao longo de milênios o que está em jogo, mas sim a própria essência da relação social econômica. 

Não é a forma política de gerenciamento do Estado que está em discussão, mas sim a própria natureza do Estado. 


Não é a forma política neoliberal ou keynesiana que está em xeque, mas sim a existência e credibilidade da própria política. 


Não é apenas a agressão ecológica pontual que está em pauta, mas sim o modelo de relação social que agride a natureza e ameaça a vida planetária. 


Aí surge uma questão nova: já não se pode pegar, bater, matar e prender grupos ideológicos ou étnicos, para com isto se recompor a economia. A decadência é de uma lógica de relação social (o sistema produtor de mercadorias) que se decompõe internamente pelos seus próprios fundamentos. 


Não que esteja descartada a possibilidade de resistência armada por parte daqueles que tentarão manter o status quo atual; que não venham a surgir grupos marginalizados com posturas bárbaras fundamentalistas (caso do EI e outros); ou que a violência institucional não tenda a recrudescer até níveis inimagináveis. O xis da questão é que nada disso conseguirá deter a derrocada de tal lógica e sua consequente superação. 


É que pegar, bater, matar e prender já não resolve.
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O COLAPSO DA FORMA-MERCADORIA 
COMO FATOR PREPONDERANTE
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Primeiramente, temos de separar as mercadorias-objeto (aquelas que são consumíveis, sensíveis, tangíveis, com valor de uso e cuja produção se insere nos setores primários e secundários da economia) das mercadorias-serviços (não tangíveis e inseridas no setor terciário da economia, que não produz valor mas apenas transfere de mãos valor já existente).

As mercadorias consumíveis tendem a ter uma redução de valor (e, consequentemente, de preço) em razão do uso cada vez maior da tecnologia na produção. Tal redução de custos operacionais faz diminuir concomitantemente, a massa global de salários. 


O desemprego estrutural e a redução de salários é o grande problema mundial da atualidade, daí decorrendo uma dificuldade global de aquisição das mercadorias, pois não há uma correspondência entre massa global de salário e volume necessário de venda de mercadorias (e consequente produção) mesmo que diminuam o valor e o preço destas. 


A cobrança de impostos pelo Estado sobre tal base se torna deficitária, e é graças a isto que se eleva a percentagem da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), apontando para um momento de insolvabilidade estatal. Será o dilúvio causado pelo calote das aplicações financeiras privadas e falência do sistema financeiro.


Por sua vez as mercadorias-serviços, numa situação inversa àquela das mercadorias-consumíveis, tendem cada vez mais a um aumento de valor e de preço em razão de fatores conjugados como:

  • pesada carga tributária;
  • inflação, que é a perda de poder aquisitivo da moeda gerada pela emissão de moeda sem lastro, hoje mundialmente disseminada em razão da falência do Estado e como forma de financiamento inconsistente do setor terciário, que é cada vez maior na composição do PIB dos países desenvolvidos (nos EUA é de 79,4% do PIB);
  • aumento de custos operacionais, que reduz a margem de lucro líquido. 
SEGUNDO FATOR: O AUMENTO 
DA CARGA TRIBUTÁRIA.
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Em todo o mundo se observa um excessivo endividamento do Estado com relação à sua receita. Este fenômeno se deve a não estar havendo um aumento do PIB nos setores primário (produção agrícola – nos EUA é de 1,9% do PIB) e secundário (produção industrial) na mesma proporção da demanda social de incumbência do Estado. 

Ao endividar-se, o Estado passa a ter mais despesa com os juros desta dívida, recaindo tal ônus sobre os ombros dos contribuintes; a única saída tem sido a emissão de moeda sem lastro (que gera inflação e reduz a capacidade de compra do cidadão comum) e o aumento da carga tributária (daí a dificuldade de se fazer a tal reforma fiscal, ainda mais no Brasil, cuja parafernália tributária é absurda!).


E nos países desenvolvidos? A dívida pública do Japão, p. ex., é de 227% do PIB; a dos EUA, de 101% do PIB. Isto significa que, mais cedo ou mais tarde, haverá uma total incapacidade de o cidadão comum pagar os impostos em níveis de valor compatíveis com o valor da dívida. 


O calote da dívida pública no futuro é inevitável, mas, por enquanto, vai apenas sacrificando o cidadão comum, daí a insignificância dos valores que recebe e do custoso valor dos impostos que ele paga.

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O TERCEIRO FATOR TAMBÉM DECORRE 
DO PRIMEIRO: É A INFLAÇÃO.
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A inflação é a perda de capacidade de compra de mercadorias da moeda, e penaliza somente os assalariados, pois os detentores do capital têm mecanismos de proteção e até ganham muito dinheiro graças a ela. 

É que, nos períodos inflacionários, os detentores do dinheiro nunca o deixam entesourado, buscando, pelo contráiro, as aplicações mais vantajosas (no Brasil, p. ex., os títulos do Tesouro pagam taxas juros altas o suficiente para proporcionarem ganho real, até que nos tornemos insolventes). A inflação é fator de concentração de renda e de riscos na representação do valor por meio da moeda, caso haja um entesouramento sem renda ou o colapso desta.  


O fato gerador da inflação é a falta de correspondência entre a emissão de moeda pelo Estado e a produção de mercadorias. Como o Estado tem a faculdade de emitir moeda, mesmo que sem lastro (como tem ocorrido mundo afora, principalmente depois da extinção da convertibilidade do dólar-ouro), e tem utilizado tal expediente para salvar o mundo da débâcle do sistema produtor de mercadorias que já se prenunciou na crise financeira de 2008, a consequência é o aumento da inflação geradora da deterioração dos salários, o que contribui significativamente para a perda do poder de compra dos assalariados em geral. 

Os fatores acima conjugados, com importância primária relevante para a obsolescência do trabalho abstrato na produção de mercadorias, têm gerado a dificuldade de reprodução aumentada do valor na fórmula mercadoria dinheiro que se transforma em produção de mercadoria sensível, e que se transforma em mais dinheiro, D-M-DD.
O sistema produtor de mercadorias está travando e a resultante disto é o colapso da vida social e a ameaça da destruição física da humanidade, caso não o superemos. 

De resto: você vai mesmo votar em alguém? (por Dalton Rosado)
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3 comentários:

SF disse...

Dalton,

Nunca entendi porque o governo cobra tributo.

Se a moeda é de curso forçado, ao governo bastaria emití-la para fazer seus pagamentos, equilibrando também a emissão com o total de bens e serviços.

Porém, da maneira que é feita, éssa emissão teria que ser feita por um ente que contém o subconjunto "estado".

Se o dinheiro vier do governo, das instituições do estado, ou dos seus poderes, então cobrar imposto é desperdício de tempo.

Mas, pode ser que não seja ssim.

Pode ser que a moeda seja emitida por instuições fora do contexto do estado.
Acima de tudo e de todos. Sem qualquer tipo de controle e auditoria.

Só dessa maneira consigo vislumbrar alguma lógica na cobrança de impostos por quem, supostamente, emitiria a moeda que os paga.



celsolungaretti disse...

RESPOSTA ENVIADA PELO DALTON:

Caro SF,

o Estado não produz valor. Pelo contrário ele retira valor das relações econômicas através dos impostos, e é assim que consegue manter o costeio dos enormes gastos de manutenção da máquina administrativa estatal e prover algumas demandas sociais (essas últimas justificam a existência das primeiras).

Entretanto, uma das suas principais funções como ente regulamentador, administrador e indutor do capitalismo, é o controle monetário consubstanciado na emissão do dinheiro como representação do valor produzido pela economia nacional (PIB - Produto Interno Bruto, que é a soma de toda a produção de mercadorias e serviços de um país). Destarte, o Estado, somente deve emitir moeda dentro da compatibilidade desta emissão com a produção de valor (o dinheiro é a representação numérica do valor).

O que ocorre, hoje, entretanto, é que como há um déficit entre a necessidade de produção de valor válido, advindo da produção de mercadorias, no sentido da irrigação do fluxo monetário da economia, o Estado tem suprido esse déficit com a emissão de moeda dissociada da produção de valor, razão de ser da inflação mundial, que é a perda do poder aquisitivo da moeda causada pela maior oferta de moeda do que de produção de mercadorias (nos Estados Unidos, há 50 anos, o dólar americano valia muito mais do que vale hoje, e esse é um fenômeno mundial, mais acentuado nos países da periferia do capitalismo).

Essa é a função do Estado moderno, nacional, que foi moldado como instância fundamental para dar sustentação à relação social capitalista. Com o definhamento do capital definham também o Estado e a política, suas crias dependentes e submissas. É por isso que é um equívoco conceitual (ou traição explícita) a defesa da maior presença do Estado pela esquerda pretensamente anticapitalista.

Um abraço, Dalton Rosado.

SF disse...

Dalton,
Vou falar como um agricultor que produz melancias.

Produzo algumas para consumo e as demais são distribuídas de acordo com a demanda.
Veja, eu produzo as que eu consumo e por isso não vou sair a tirar fatias das que distribuí para os demais.
Se agisse assim, só arranjaria inimigos e geraria insatisfação com minha ação.

Mas se não produzo e vivo de marretar, então faz sentido que tire uma parte do que é de outros para me manter como atravessador.

Ora, se é o estado quem produz o dinheiro, porque não usa parte da produção para se manter e deixa os demais em paz? Sem incomodá-los e irritá-los com impostos?

Só arranja inimigos com essa atitude. Desgosta quem trabalha e quem quer investir. Produz evasão de divisas. Sonegação. E cria um mau estar generalizado.

Assim, o lógico (caso fosse o estado quem produzisse o dinheiro) seria ele não perder tempo em cobrar impostos!

Mas, como não é isso que se observa, necessariamente, o dinheiro não pode ter sido produzido pelo estado e suas instituições, posto que impostos são cobrados.

O dinheiro tem que ser criado por outro, que não o estado, pois ele (estado) age como um marreteiro qualquer. Atravessando a circulação de um bem que nem existe, de fato.

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