quinta-feira, 9 de junho de 2016

A FALÊNCIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO E AS OLIMPÍADAS

"Rio de Janeiro, 
cidade que me seduz, 
de dia falta água, 
de noite falta luz"
(Victor Simon/Fernando Martins, Vagalume) 
Nasci no Rio de Janeiro, em 22 de abril de 1950, no bairro Rio Comprido, filho de pai mineiro (de Mariana) e mãe norte-riograndense (de Mossoró, onde morei dos 10 aos 20 anos e obtive a bússola da minha vida). A minha consolidação profissional e história de vida se deu (e se dá) em Fortaleza, cidade que amo e onde vivo há 46 anos. Um brasileiro, como na música de Chico Buarque. 

Mas sempre guardei um enorme carinho pela cidade do Rio de Janeiro, até porque minha mãe dizia que ali tinha vivido seus melhores dias (de 1949 a 1952, o início dos chamados anos dourados), conferindo-lhe, sentimentalmente, o título de cidade maravilhosa, popularizado pela música que André Filho compôs e cantava em dueto com Aurora Miranda, irmã da Carmen famosa. 

Nunca voltei a nela morar e por lá passei apenas algumas vezes, rapidamente. Mas todo brasileiro a conhece pela sua história, que se confunde com a própria história do Brasil; e por seus encantos naturais (e mazelas sociais), que atraíram até Ronald Biggs, o famoso assaltante do trem postal inglês em 1963. 
Ronald Biggs curtindo as delícias do Rio

Após fugir de uma cadeia londrina, ele a escolheu para residir a partir de um catálogo de imagens, acabando por adotá-la como sua e por adaptar-se muito bem à vida folgazã do carioca.

Dói em nós todos, contudo, sabermos da situação caótica por que passa a cidade a partir da insolúvel falência das suas finanças públicas, impondo muitos sacrifícios à sua população. Dói porque é a população mais humilde quem sofre as agruras da piora de alguns serviços públicos que, se já funcionavam mal, agora pararam de vez. 

É o caso da educação pública, da saúde e da segurança pública, serviços básicos. Mas também são afetados a pavimentação de ruas, a coleta de lixo, o esgotamento sanitário na periferia, a drenagem das chuvas (cuja importância aumenta em função do relevo geográfico ser muito acidentado) e muitos outros serviços burocráticos da competência do estado, executados por servidores públicos que recebem precariamente seus salários e, claro, ficam desmotivados. Afora a tragédia dos aposentados, privados de uma pensão digna e e que sequer lhes é paga convenientemente. 

A população do Rio de Janeiro, como de resto a população de todo o País, é submetida à bitributação, ou seja, ao pagamento por serviços que deveriam ser-lhe prestados pelo estado em razão da alta carga de impostos que são cobrados do cidadão trabalhador assalariado, já explorado pela extração de mais-valia.  
Novela ambientada num Rio caótico

Assim, o cidadão se vê obrigado a pagar pesadas custas cartoriais quando vai ao judiciário reclamar seus direitos; a pagar pedágio quando trafega nas rodovias; ou quando se obriga a colocar seus filhos em escolas privadas (que transformam a educação em mercadoria) em razão da precariedade a que são submetidos os valorosos professores e alunos da rede pública de ensino, dentre muitos outros serviços a que tinha direito como contrapartida do pagamento dos impostos. 

O indivíduo social, transformado em cidadão (modo enganoso de tê-lo com eterno carregador do piano que as elites tocam em suas confortáveis vidas e salões luxuosos), padece sob o tacão histórico da opressão. Ainda assim, o carioca resiste a tudo “pra fazer a fantasia/ de rei, ou de pirata, ou jardineira/ e tudo se acabar na 4ª feira”, como ressaltou a música de Vinicius de Morais e Tom Jobim, aquela cujo refrão é "tristeza não tem fim/ felicidade, sim".  Até quando? 
       
Mas apesar da dengue, da Zica e do caos patrocinado pela política e pelos políticos, mantenedores das opressivas sociedades mercantis (muito bem explicitadas no exemplo da falência das finanças públicas do estado do Rio de Janeiro), vamos ter as Olimpíadas. E devemos realizá-las de modo a mostrar ao mundo como o povo brasileiro é capaz de ser feliz e produtivo, a despeito da enorme quota de sacrifícios que o capitalismo lhe impõe. 

Aliás, é uma boa oportunidade de se evidenciar para todos que podemos prescindir do estado, dos seus políticos e da própria política; de compreendermos que, antes de ser nosso protetor, o estado é o nosso algoz; que se o dispensássemos e não pagássemos impostos, nós viveríamos muito melhor e teríamos a possibilidade de suprirmos as nossas necessidades a partir de nós mesmos, sob outra forma de mediação social, verdadeiramente emancipada.      
Alagamento no bairro do Catete. Inundações agora são frequentes.

O Rio de Janeiro é o berço cultural do Brasil; é o lugar onde se condensou a história brasileira com todas as suas tragédias e glórias; é um dos lugares mais bonitos do Planeta; é a cidade maravilhosa, uma vez que conjuga sua beleza natural com a espontaneidade do seu povo alegre e feliz, mesmo diante das mais absurdas vicissitudes. 

Assim, haveremos de vencer, de modo a que o Rio não seja bonito apenas na paisagem, mas dentro de um humanismo solidário capaz de tornar a vida um grande carnaval de prazer, porque, como diz Caetano Veloso, “gente é muito bom/ gente deve ser o bom/ (...) gente é pra brilhar, não é pra morrer de fome”. 

Igualmente ao pernambucano Antônio Maria e o paraense Ismael Neto, ambos cariocas por adoção, na música “Valsa da cidade”, eu também, carioca no exílio, digo: “Rio de Janeiro, gosto de você, gosto de quem gosta, deste céu, deste mar, dessa gente feliz”. 

Eu sou o Rio de Janeiro, nós todos o somos, o povo brasileiro é carioca, antes, durante e depois das Olimpíadas; e também da sua falência, que tem, sim, como ser superada. 

Mas isto somente poderá ocorrer fora dos parâmetros opressores da economia. (por Dalton Rosado)

A marchinha Vagalume, que criticava a empresa Light de Energia 
Elétrica, foi gravada pelos Anjos do Inferno (e também pela 
cantora Violeta Cavalcanti) no carnaval carioca de 1954.

Um comentário:

Eduardo Rodrigues Vianna disse...

Pois é, o Rio. O Rio de Janeiro ainda será umas das cidades mais desenvolvidas e ricas do mundo. Muito mais que aqueles portentos na Europa do Norte, ou na China, ou em outras partes do continente americano.

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