terça-feira, 14 de junho de 2016

A ANÁLISE DO ATENTADO EM ORLANDO POR UM LEIGO EM PSIQUIATRIA

"De tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver
agigantar-se poder nas mãos dos maus, o
homem chega a rir-se da honra, desanimar-se
da justiça e ter vergonha de ser honesto."
          (Rui Barbosa)
Há um provérbio que diz: “mais vale um exemplo do que mil palavras”. Seguindo tal ensinamento, e num sentido inverso, podemos concluir que um exemplo negativo positivado como algo bom pode gerar contradições na mente humana, resultando em inconformismos individualizados ou coletivos, ou ainda, posturas consentâneas com a negatividade –neste último caso, expressa no prazer da subjugação do outro como sentimento de poder (uma forma especial de psicopatia social). 

Talvez a psiquiatria médica consiga explicar com exatidão a razão da patologia social representada por tantos atentados que matam aleatoriamente pessoas desconhecidas no país de melhor renda per capita mundial, os Estados Unidos. Mas me arrisco a dizer, como leigo, que se trata de uma esquizofrenia social. O atentado em Orlando superou todos os congêneres anteriores, significando um passo adiante na escalada do horror contemporâneo.

Pessoalmente, e pedindo desculpas de antemão por me imiscuir no tema sem ser um especialista na análise das patologias psíquicas do ser humano, atribuo os atentados aleatórios a uma participação da psique da natureza socialmente deformada das sociedades mercantis, nas quais os seres humanos se tornam inimigos uns dos outros como consequência da forma competitiva e cada vez mais difícil de busca diária de obtenção para si dos meios de suas subsistências materiais, que somente são viabilizados a partir de uma disputa de mercado fratricida. 

Os seres humanos, submetidos a uma relação social entre coisas –um fetichismo da mercadoria, segundo Marx–, perdem completamente a noção de solidariedade e se tornam o lobo do homem (frase de Plautus, dramaturgo da Roma antiga, que o pensador Thomas Hobbes  popularizou em seu Leviatã).

Alguns, da laia do bilionário Donald Trump, veem na megalomaníaca razão da acumulação sem limites da riqueza abstrata, em contraponto à pobreza mundial circundante, um sentido virtuoso, adotando uma postura xenófoba e racista que lhes permite justificar até mesmo a exclusão social de pessoas que não tenham conseguido vencer na vida (mesmo os estadunidenses brancos, mas pobres, são tratados com desdém pelos estadunidenses vencedores, que se referem a eles como white poor trash, ou lixo branco pobretão). Não é de se estranhar, pois, que um Donald Trump encontre nas suas posturas uma multidão de adeptos fervorosos e agressivos. 

Outros se acomodam de modo submisso e aceitam a canga, sublimando-a em catarse a partir de prazeres singelos como a vitória de seu time preferido, ou nos copos de um bar, etc.; e, infelizmente, há muitos que derivam para um fundamentalismo político ou religioso irracional que rapidamente se transforma em ódio genocida e suicida. 

Todos se tornam, enfim, mentes deformadas por um exemplo negativo de um modo de ser socialmente negativo, no qual todas as ações sociais restam contaminadas.            

O conceito de vencer na vida, tido como algo virtuoso, encerra em si uma aberrante negatividade, pois sempre que alguém vence, há, implicitamente, outro(s) que perde(m); e tal postura é própria à lógica da competitividade mercantil, na qual até a vida está em disputa.

A meritocracia, padrão de competitividade fratricida expresso no lema vencer na vida, tido como virtude da capacidade e do esforço pessoal contra os perdedores, foi inculcado nas mentes humanas desde priscas eras, pois, historicamente, os detentores do poder e da riqueza sempre serviram como exemplo a ser seguido, não entrando em questão o modo como isso se dá, mas considerando-se apenas o resultado. 

Tal conceito perdura até os dias de hoje, pois um bicheiro rico ou traficante que compra consciências pode ser mais cultuado comunitariamente do que o descobridor de uma vacina contra a poliomielite, como o dr. Albert Sabin, p. ex. Assim, funcionam como substratos da negatividade social indutora da criminalidade genocida, aspectos de natureza moral e material que se inter-relacionam. 

A moral da concorrência de mercado, a chamada meritocracia, antes de ser virtuosa, é exclusivista, negando a necessária solidariedade que deve caracterizar uma relação humanista, somando-se à questão de natureza material, expressa no dinheiro, que impõe uma briga encarniçada para sua obtenção e é o objeto material dessa negatividade das relações interpessoais.

Deplorando a barbárie em curso, quisemos explicar a esquizofrenia social justamente a partir de sua análise enquanto patologia social crescente, na qual coisas inanimadas (mercadorias) determinam critérios negativos de comportamentos aos humanos, estabelecendo um ponto de identidade entre atos aparentemente diferenciados como:
  • entre posturas como o atentado por homofobia em uma boate gay e o holocausto racial judeu promovido pelo nazismo;
  • entre os policiais que prendem os imigrantes latinos na fronteira dos Estados Unidos e os votos dados aos políticos anti-imigração na Europa;
  • entre as ações fundamentalistas do Estado Islâmico, da Al Qaeda, do Boko Haram, etc., e as cidades cindidas por estratos sociais absurdamente discrepantes;
  • entre o cinismo dos políticos brasileiros e o discurso anticorrupção;
  • entre os 5% que detêm a riqueza mundial e os 80% atolados na miséria; etc.
Esse ponto de identidade entre fatos que ora se exacerbam derivam da injustiça própria a uma forma de relação social subtrativa e excludente, que caminha para o seu ocaso deixando um rastro de destruição que insiste em nos levar de roldão. Oxalá consigamos superá-la, freando o instinto animal que ainda habita em cada um de nós. (por Dalton Rosado)
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