quinta-feira, 18 de abril de 2024

SENADO PROMOVE RETROCESSO GIGANTESCO NA QUESTÃO DAS DROGAS

 Esgoto do Brasil, o Congresso não cansa de promover barbaridades e retrocessos, tendo sido a última uma emenda à constituição que criminaliza o porte e a posse de drogas. Em uma mistura de guerra com o STF, canalhice, oportunismo e politicagem, os senadores, liderados por Rodrigo Pacheco (MG) colocaram na constituição, na parte referente aos direitos fundamentais (!!!) um artigo criminalizando o uso de drogas. 

Bizarro por si mesmo, o fato de tal artigo repressivo e criminalizador ser acoplado à parte que trata das liberdades fundamentais mostra apenas o quanto o ímpeto repressivo e policialesco do Estado brasileiro tem se intensificando nos últimos anos. Não poderia ser diferente, pois diante da crise aguda do capitalismo, a resposta da burguesia sempre foi o da repressão, do endurecimento penal, do cerceamento às liberdades e mesmo da ditadura pura e simples. Trata-se de velha tática para frear possíveis levantes e revoluções por parte da classe trabalhadora e do povo em geral através da instauração de mecanismos policiais e de vigilância. 

A guerra às drogas é parte clássica desse mecanismo, tendo sido gestada nos EUA nas décadas de 1960-70 no contexto dos levantes promovidos pelos protestos estudantis, por direitos civis e contra a guerra no Vietnã. Não existindo justificativa para criminalizar tais movimentos apenas por existirem - pois, lembremos, os EUA se dizem uma democracia... - resolveram criminalizar um elemento comum a todos os movimentos: o uso da maconha e de outras drogas. Assim, a repressão à posse, porte e produção dessas substâncias passou a justificar ações repressivas do Estado, com custos cada vez maiores até chegarem a autênticas guerras, como as desencadeadas na fronteira entre EUA e México e na Colômbia. 

No Brasil, a guerra às drogas se instaura juntamente com a ditadura e se aprofunda na redemocratização. Por aqui serve de justificativa para o controle de populações pobres, trabalhadores das periferias, que colocam um risco vital à classe dominante caso se levantem. A ação truculenta da polícia, como vista rotineiramente no Rio em São Paulo, funciona como um meio preventivo de contenção, demovendo, pelo terror, possíveis ações populares. Na prática, tais setores da sociedade brasileira vivem à margem da legalidade constitucional, tendo seus direitos violados sistematicamente. Ao estabelecer a proibição constitucional, o Senado avança mais para rasgar os direitos fundamentais desses grupos, os colocando em segundo plano frente ao controle e à repressão estatais. 

A guerra às drogas também serve a inúmeros interesses econômicos e políticos, indo desde as forças policiais que recebem rios de dinheiro público para montar seus mastodônticos exércitos, passando pela corrupção, pelo interesse dos setores financeiros na lavagem dos valores, pelos grupos religiosos com suas comunidades terapêuticas, até as inúmeras bancadas que recebem torrentes de voto a partir do discurso policialesco. Nenhum desses interesses quer acabar com a fonte financeira, ela precisa continuar fluindo, mesmo que às custas do sangue do povo, sobretudo negro e pobre. 

Mais uma vez, portanto, vemos o quanto o parlamento, especificamente o brasileiro, não é nunca será saída para nada. De lá sempre teremos apenas retrocesso. (por David Coelho)

terça-feira, 16 de abril de 2024

HÁ 40 ANOS, OS FARDADOS DISPUNHAM DAS ARMAS E OS DESCONTENTES COM A DITADURA INUNDAVAM AS RUAS. O PAÍS EMBURRECEU?

Hoje se completam 40 anos desde o discurso de encerramento da campanha das diretas-já, considerado a maior manifestação popular em defesa da democracia já ocorrida no Brasil, tendo reunido cerca de 1,5 milhão de pessoas. 

Nove dias depois, a emenda Dante de Oliveira seria rejeitada na Câmara Federal, condenando o Brasil a uma redemocratização pela metade e a ser para sempre lembrado como um país que passou pano no terrorismo de estado ao qual foi submetido pelos usurpadores do poder durante os anos de chumbo. 
Osmar Santos foi o apresentador de todos os comícios das
diretas-já em SP. Atrás, Sócrates, Juninho e Casagrande.
Eis alguns trechos do trepidante relato que o grande Ricardo Kotscho fez do ato público em Todos sabiam aonde queriam chegar, publicado na Folha de S. Paulo:

"Era para ser apenas uma passeata, da Praça da Sé ao Vale do Anhangabaú, fechando o festival cívico da Campanha das Diretas, em São Paulo. 

Mas todos se deram conta de que não era uma passeata só, eram muitas, vindas de todos os cantos, batendo o recorde de gente em manifestações públicas no Brasil. 

Aos políticos, já faltavam palavras para expressar a emoção de ver o Vale do Anhangabaú transformado numa maré humana como nunca se viu antes igual no Brasil. 

Parecia que São Paulo inteira havia saído para as ruas A geração esmagada dos anos 60 e 70 estava de novo nas ruas, sem correr da polícia 
Leonel Brizola era, de todos, o orador mais eloquente.

Carros de som tascavam Caminhando, o hino de Vandré,
Vem, vamos embora, que esperar não é saber

Sai Vandré, entra Chico – apesar de você, amanhã há de ser outro dia / ainda pago pra ver esse dia nascer… 

Vem Milton Nascimento, entra Simone, brilha Elis. 

Às 20h30, no horário do final do comício, o presidente João Baptista Figueiredo surgia em rede nacional de TV para anunciar sua proposta: eleições diretas só mais tarde, em 1988, uma tentativa de esvaziar o movimento"

domingo, 14 de abril de 2024

O REI MORTO É O BOLSONARO, CUJA PRISÃO NÃO TARDARÁ. TENDO COMO CREDENCIAL 56 EXECUÇÕES, TARCÍSIO QUER SER O REI POSTO.

Jair Bolsonaro, conforme cansei de antecipar, não se perpetuou no poder nem sobreviverá politicamente à perda da faixa presidencial. 

O pior presidente do Brasil em todos os tempos está em vias de iniciar uma longa temporada atrás das grades, pois o rosário de graves crimes comprovadamente cometidos agora desabará sobre ele com o peso:
— de uma circense micareta golpista que fez do Brasil piada para o mundo civilizado, e
— de umas 400 mil mortes que poderiam ter sido evitadas caso o combate científico à pandemia de covid não fosse por ele flagrantemente sabotado (afora episódios menos graves, mas nem por isso insignificantes em termos penais). 

E já dá para percebermos sem sombra de erro quem será o novo líder da extrema-direita brasileira, em substituição ao rei que  para todos os efeitos estará morto tão logo o trancafiem na cela a que fez jus: Tarcísio de Freitas, o governador de São Paulo, que acaba de apresentar uma segunda credencial fortíssima para o cargo.

A primeira, obviamente, é o próprio posto que ocupa. à frente do estado mais poderoso e rico da federação. 

Quem era Bolsonaro antes da faixa presidencial? Um ninguém ao qual só um punhado de fanáticos obtusos levava a sério.
Da mesma forma, o outro ninguém chamado Tarcísio de Freitas poderá ir ainda muito longe por força de ser o atual inquilino do Palácio dos Bandeirantes.

Considero simplesmente risíveis as elucubrações sobre a possibilidade de Michelle Bolsonaro ocupar o trono vago, pois ela não passa de uma acompanhante de jornada bonitinha para os varões que tentam atingir o gozo orgástico do poder presidencial...

A segunda credencial de Tarcísio para liderar os truculentos desvairados foi a Operação (chacinas de) Verão, que ele respaldou embora não passasse de uma evidente retaliação fardada à morte por bandidos de três PMs na Baixada Santista. 

A resposta foram  58 dias de matança destrambelhada, com um total de 56 assassinatos por parte de efetivos da Rota sem câmeras corporais e que cometeram excessos gritantes.

Uma cabelereira foi baleada na cabeça enquanto conversava com uma amiga, sentada num banco de praça; a Secretaria de Segurança Pública de SP alegou troca de tiros com dois motoqueiros, os quais, como costuma ocorrer nesses episódios, teriam escapado.

Dois jovens negros foram baleados mortalmente quando policiais invadiram sua casa, ao que tudo indica por engano.

Um cego a quem restavam apenas 20% de visão, acamado, foi executado a queima-roupa por agentes da Rota; eles alegaram que o suposto Robin Hood tinha um fuzil embaixo da cama e iria disparar contra eles. Acredite quem quiser... 

Um coitadeza morreu sentado sobre suas muletas, após ser baleado sem aviso, etc.

Michelle nunca conseguirá igualar tais
trunfos de Tarcísio. Podem anotar: será ele o sucessor do Bolsonaro, devendo receber a coroa tão logo o rei morto seja devidamente enterrado num presídio. (por Celso Lungaretti)   

 
Dirigido por Enzo G. Castellari, com o veterano Gilbert Roland, este
western italiano  de 1968 tem tudo a ver com a polícia do Tarcísio 

sexta-feira, 12 de abril de 2024

MORREU MARIA ALBENIZA, ESPOSA DO COMPANHEIRO DALTON ROSADO; O VELÓRIO SE INICIA ÀS 13h00, NO PARQUE DA PAZ

Nós, os demais integrantes da equipe do blog Náufrago da Utopia, temos o triste dever de comunicar o falecimento de Maria Albeniza Rosado, companheira de uma vida inteira do nosso querido irmão de lutas Dalton Rosado, ocorrida nesta quinta-feira, 11. 

Aos 72 anos de idade, ela travou longa e vitoriosa luta contra o câncer ao longo de 2023, mas quis o destino que sofresse uma queda dois meses atrás, batendo a cabeça e entrando em coma do qual não saiu.

Ao companheiro Dalton, aos filhos Dante, Luanda e Lara, e aos netos, transmitimos nossas mais sentidas condolências.

O velório terá início logo mais às 13h00 no Parque da Paz (avenida Juscelino Kubitschek, 4454, Fortaleza), seguindo-se missa às 15h30 e sepultamento às 16h00. (ass. Celso LungarettiDavid CoelhoRui Martins)

quarta-feira, 10 de abril de 2024

HADDAD, O INIMIGO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA!

 

Dino estava na disputa com Haddad para saber quem seria o pior ministro do governo Lula 3, tendo ele ido para o STF, após lá abocanhar uma bocona, ficou ao Haddad o título inconteste de pior titular da Esplanada dos Ministérios. Agora, contudo, sabemos que ele não é apenas patético, mas também nefasto

Em declaração hoje, 10/04, disse não haver espaço para o reajuste do funcionalismo público, pois o orçamento deste ano já estaria fechado. Ocorre que até o momento a categoria que mais tem pressionado pela recomposição salarial e, inclusive, está em greve é a da educação, com mais de 445 campi de Institutos Federais, centros tecnológicos e universidades tecnológicas paralisadas. O Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, onde atualmente trabalho, entrou em greve no dia 03 de abril, se juntando à greve nacional. 

Nos últimos anos, o salário dos técnicos administrativos e dos docentes sofreram perdas imensas, passando de 50% no caso dos primeiros. Ou seja, enquanto a inflação aumentou galopante e o custo de vida atingiu índices gigantescos, o valor nominal pago aos servidores seguiu o mesmo, na prática achatando seus salários e levando não poucos a uma situação de penúria. 

Daí terem sido comuns os relatos na Assembleia dos servidores do Colégio Pedro II em que se relatou a dificuldade em pagar aluguéis, transporte e mesmo alimentação. Alguns confessaram fazer bico de Uber para complementar a renda familiar, enquanto outros não esconderam a intenção de abandonar a carreira na educação em prol de outras mais atrativas. O resultado disso é a degradação dos serviços prestados no Colégio, um dos mais tradicionais do Brasil, com quase 190 anos de história. Faltam funcionários para serviços elementares e os que existem não dão conta de muitas demandas. 

Por fim, o orçamento da educação vem sendo estraçalhado nos últimos 10 anos, desde pelo menos o finado governo Dilma 2, com cortes sucessivos que afetam investimentos, mas também o custeio das estruturas, a contratação de serviços terceirizados, reformas e a assistência estudantil. Assim, é comum encontrar nos campi Brasil afora prédios inacabados ou mesmo faculdades com salas interditadas, além de não raro aulas serem interrompidas por falta de limpeza dos banheiros e espaços gerais. Estudantes pobres muitas vezes precisam abandonar os estudos por falta de apoio financeiro.

Diante desse cenário, o futuro da educação brasileira é nebuloso. As redes estaduais e municipais já estão sucateadas e arruinadas há décadas, sofrendo com falta de professores, de funcionários, infraestrutura precária, etc. A rede federal, que ainda mantém um mínimo de atendimento com qualidade, pode sofrer o mesmo destino no médio e longo prazo, enterrando de vez a educação em nosso país. 

Por isso, Haddad parece querer juntar ao seu currículo o epíteto de destruidor da educação pública, algo ainda mais desonroso para um professor e ex-ministro da Educação. Político medíocre, intelectual vazio, pelo menos dessa forma entrará para a história. (por David Coelho) 

terça-feira, 9 de abril de 2024

MICHEQUE BOLSONARO PARA PRESIDENTE?


 O que estaria pensando o governador Tarcísio de Freitas diante da plateia repleta de bolsonaristas enfeitiçados pelo charme de Michelle Bolsonaro no Teatro Municipal de São Paulo, diante do risco da esposa do ex-presidente inelegível, convertida numa sacerdotisa evangélica, lhe tomar a esperada candidatura à presidência contra Lula em 2026?

Pior ainda para Tarcísio, pois sondagens eleitorais feitas pelo PL e PP confirmam não existir outra alternativa senão Michelle em termos de popularidade e preferência dentro do eleitorado evangélico e de extrema-direita. Além disso, Michelle tem força e carisma próprios, enquanto Tarcísio só existe apoiado em Bolsonaro.

A última esperança de Tarcísio talvez seja essa: a de Bolsonaro proibir à esposa ir além da pretendida candidatura a senadora. Nesse caso, Michelle, mesmo picada pela mosca azul da ambição, teria de pensar duas vezes antes de se rebelar, pois foi ela mesma quem construiu sua imagem de esposa fiel e obediente, segundo os preceitos da Bíblia. Em todo caso, seria estranho os partidos e os grupos dos machões anti-feministas escolherem uma mulher, de rosto e corpo bons para capa de revista, como candidata ideal à presidência.

E seriam essas as únicas razões capazes de impedir ao Brasil ter uma presidenta, quando já houve a Dilma e mesmo uma Eva na Argentina? Não! Existe outra muito mais difícil de suplantar: como reagiriam os filhos de Bolsonaro, eles que sempre se imaginaram serem os herdeiros do pai Bolsonaro e donos dessa dinastia?

Uma solução para descartar Michelle seria a de convencer Bolsonaro de partir para o exílio. Num país bem distante como a Hungria, deveria estar acompanhado de sua esposa, como manda o figurino evangélico. Caso Michelle divorciasse por não saber fazer um bom goulashe, não teria mais o apoio do eleitorado evangélico. Entretanto, essa hipótese, que parecia unir a família Bolsonaro, foi destruída pelo vazamento do vídeo de segurança da embaixada do referido país em Brasília, no qual se via o ex-presidente chegar de cafeteira e travesseiro com a intenção de testar o quarto de hóspede do embaixador.

Mas alguém poderia lembrar uma outra hipótese, levantada por um canal youtube de esquerda, diante do sucesso do show montado em plena avenida Paulista pelo pastor Silas Malafaia: seria o lançamento da dobradinha Malafaia para presidente e Michelle para vice. Mesmo sem sondagem feita, seria a fórmula capaz de agradar a todos,  até aos filhos de Bolsonaro. A supremacia do machismo continuaria assegurada com alguém batalhador e guerreiro como um rei Daví e, na vice-presidência, Michelle seria uma espécie de dama de honra, mesmo porque sem formação política e econômica poderia ser uma catástrofe como presidenta. Ou Tarcísio presidente com Michelle vice?

60 anos depois, alguém se lembra do Golpe de 1964?

Esquece isso! Foi esse o pedido do presidente Lula ao ministro Sílvio Almeida, dos Direitos Humanos, para evitar confrontos e choques com os militares. Em todo o caso, o ministro não teve outra opção senão a de cancelar o ato, destinado a relembrar 60 anos depois, no Museu da República, em Brasília, as vítimas das perseguições desencadeadas pelos golpistas de 1964. 

E por qual motivo? Para evitar tensões com os militares, em nome de uma apaziguação e para que a data seja tratada com serenidade. Em contrapartida, destacou a imprensa, o governo espera também silêncio por parte das  Forças Armadas em relação ao 31 de março, sem leitura da ordem do dia com referências a essa data e sem comemorações.

E essa boa intenção lulista tem chance de ser seguida? Dentro dos quartéis, sem dúvida não houve, mas do lado de fora, de maneira independente e à paisana ou de pijama não se pode garantir, mesmo porque Bolsonaro pedia e dava grande destaque ao 31 de Março, na esperança de provocar um novo golpe, durante ou ao fim de seu mandato.


É o caso do almoço patrocinado pelo Clube Militar do Rio de Janeiro, ocorrido na quarta-feira, dia 27/03, cujo anúncio dizia: "para relembrar os 60 anos do Movimento Democrático de 31 de Março de 1964". O anfitrião foi o general Maynard Marques de Santa Rosa, na reserva há 14 anos, exonerado por Lula da chefia do Departamento Geral de Pessoal do Exército por críticas à Comissão Nacional da Verdade, encarregada de averiguar os crimes cometidos nos 21 anos da ditadura militar.

E, por ser domingo a data dos 60 anos do Golpe em 1964, é mais do que certo que tenha havido comemorações veladas ou ostensivas em muitas igrejas e congregações evangélicas e neopentecostais. (por Rui Martins) 


domingo, 7 de abril de 2024

O RIO DE JANEIRO SEGUE E SEGUIRÁ LINDO, APESAR DE TUDO!

 

Aos vinte e dois anos de idade, recém-casada, minha mãe começou a vida marital na cidade maravilhosa. Era o início dos chamados anos dourados da década de 50 do século passado, véspera da eleição de Getúlio Vargas, que substituiria o presidente militar general Eurico Gaspar Dutra na Presidência da República.   

O deslumbramento da dona Dalvinha se devia ao fato de estar na capital do país, onde tudo rescendia a encanto, e em lua de mel com o amor de sua vida, meu pai, um mineirinho de Mariana, herói da segunda guerra mundial, que ela havia conhecido e por quem se apaixonara dois anos antes em Mossoró. 

Aquela cidade, detentora de contornos geográficos deslumbrantes, capaz de figurar nos mais belos cartões postais do mundo, abençoada pelo Cristo Redentor de braços abertos sobre a Guanabara, tem uma aura de felicidade que em tudo combinava em beleza escultural de suas praias, montanhas e com a alegria dos seus moradores.  

"Até nos barracões dos morros havia o cantar alegre de um viveiro, e as roupas comuns dependuradas pareciam um estranho festival", como dito na canção “Chão de estrelas”, dos cariocas Orestes Barboza e Sílvio Caldas.  

Os cariocas são sabedores de viverem em uma cidade que exala musicalidade e é berço do samba, a nossa identidade cultural; têm gosto pelo bem viver e onde os velhos e novos baianos, desde tia Ciata, Dorival Caymmi e Assis Valente até João Gilberto, Caetano Veloso, Maria Betânia, Gal Costa e Gilberto Gil puderam fazer dela a caixa de ressonância de uma estética brasilianíssima.   

Foi nesse clima de encantamento que fui gerado como resultado da união de dois seres apaixonados que geraram uma criança saudável, nascida no Hospital da Aeronáutica, no bairro Rio Comprido.  

Meu pai era um sargento da aeronáutica, pertencendo, portanto, ao baixo clero da força aérea, o segmento denominado praças que, diferentemente do oficialato, numa corporação claramente dividida em castas, tinha as restrições próprias de ascensão funcional superior e jamais chegaria à presidência da República, até porque ele não tinha a menor pretensão de poder político.  

Minha mãe sempre se referiu ao Rio de Janeiro como sendo o lugar paradisíaco onde viveu os melhores e verdes anos de sua vida, ficando por lá quatro anos, até morar em vários estados acompanhando o marido militar constantemente transferido de bases militares como é praxe na caserna.  

É assim que o Rio de Janeiro povoa meu imaginário tão bem cantado em prosa e verso pelos compositores brasileiros, igual o pernambucano Antônio Maria, que compôs a bela música “Valsa de uma cidade”, cujos versos bem traduzem o sentimento de todos que por lá estão, e que dizem: 

“Rio de Janeiro, gosto de você, gosto de quem gosta, desse Mar, desse Céu, dessa gente feliz”

Apesar de todo os esforços da institucionalidade burguesa decadente em destruir o que é belo, a beleza de lá resiste, até para aqueles que foram forçados a desertar com imensa saudade da cidade maravilhosa, tangidos pelos ventos trevosos do arbítrio político, igual o sociólogo Herbert de Sousa, que de lá viajou num rabo de foguete para o exterior, bem como na música de Gilberto Gil intitulada “Aquele abraço”, que começa por afirmar que o “Rio de Janeiro continua lindo”... 

Outros, presos no Rio de Janeiro e levados para a casa da morte, em Petrópolis, onde foram torturados e assassinados friamente cerca de 20 presos políticos, e que evidentemente teriam uma percepção sombria de seus maus momentos na cidade do Rio de Janeiro, apesar da sua aura urbana e da maioria do seu povo ser de grande beleza e descontração prazerosa.  

Infelizmente, a tradição da contravenção no Rio de Janeiro e o conluio policial é antiga. A música de Donga, de 1916, intitulada “Pelo telefone”, tem um verso que diz: 

“O chefe da polícia pelo telefone, mandou me avisar; que lá na carioca tem uma roleta para se jogar”... 

O problema é que àquela época o malandro carioca apenas vendia bilhete falsamente premiado a um turista ambicioso e desavisado, e trazia apenas uma navalha no bolso para se defender dos enciumados maridos e amantes traídos. Mas agora os criminosos portam metralhadoras AK 45 e vendem entorpecentes à elite que pode comprá-los e aos viciados pobres a quem escravizam pela dependência química. 

Em que pese a contaminação de lixo urbano da Baía da Guanabara e:  

- a falência das finanças públicas municipais e estaduais; 

- a incrível sucessão de governantes corruptos, muitos soltos, alguns presos e cassados ou não, e de autoridades encastelados nas instituições públicas; 

- a morte de inocentes por balas perdidas que sempre acham as cabeças de inocentes transeuntes vítimas das disputas entre a polícia e o crime organizado; 

- as chacinas recorrentes nos morros cariocas; 

- as inundações a cada ciclo das águas de janeiro a março fechando o verão;  

- etc., etc., etc., 

o Rio de Janeiro continua lindo... 

De minha parte, um cearensioco assumido - mistura de cearense com carioca por fraternal adesão chancelada por lei oficial que me concedeu o título de cidadania fortalezense, e certidão de nascimento do Rio de Janeiro -, prefiro manter o encantamento pelo Rio de Janeiro que me foi transmitido por minha mãe, a acreditar que por lá vigora um processo de infecção generalizada na vida político-social e policial, ainda que todo dia e reiteradamente se constate a existência e continuidade de tal enfermidade destrutiva. 

 O meu Rio de Janeiro é o mesmo de Donga, João da Baiana, Sinhô, Pixinguinha, Cartola, Nelson Cavaquinho, Nelson Sargento, Carlos Cachaça, Chico Viola, Mário Reis, Noel Rosa, Wilson Batista, Heitor Villa-Lobos, Machado de Assis, Euclides da Cunha, João do Rio, Chiquinha Gonzaga, Joaquim Callado, Ernesto Nazareth, Wilson Batista, Ismael Silva, Heitor dos Prazeres, Vicente Celestino, Orlando Silva, Araci de Almeida, Orestes Barboza, Sílvio Caldas, Braguinha, Dom Pedro II, a portuguesa Carmem Miranda, que por aqui chegou com meses de nascida e se tornou um ícone representativo da brasilidade nos esteites e mundo afora, Almirante, Ciro Monteiro, Jamelão, Neguinho da Beija Flor, os mineiriocas Ari Barroso, Ivo Pintangui, e Zuenir, ventura, Seu Delegado (o dançarino), Valdir Azevedo, Valdir Calmon, Altamiro Carrilho, o cearensiocas César de Alencar e Ed Lincoln, Tom Jobim, Haroldo Costa, a ucranioca Clarisse Lispector, dos botafoguenses Vinicius de Morais, Beth Carvalho, Zeca Pagodinho, o tijucano de BH Milton Nascimento, o cachoieirioca Roberto Carlos, os pernambucuriocas Bezerra da Silva, Austregésilo de Athayde, longevo presidente da Academia Brasileira de Letras e os irmãos Nelson Rodrigues e Mário Filho, o primeiro, um dos maiores dramaturgos do Brasil, e o outro baluarte da construção do Estádio do Maracanã que recebeu seu nome, Oscar Niemeyer, Silvio Santos, Cauby Peixoto, Ângela Maria, Emílio Santiago, Sérgio Cabral (o pai), Dona Ivone Lara, Jô Soares, os maranguapiocas Chico Anísio, Elano de Paula, Lupe Gigliotti e Zelito Viana, Monarco, Garrincha, Zizinho, Ronaldo Nazário, Romário, Marcelinho Carioca, Djalminha, Domingos da Guia e Ademir da Guia, Aniceto, Martinho da Vila, Moreira da Silva, Dicró, Galvão Bueno, Arnaldo César Coelho, os maranhenciocas Ferreira Gullar, Alcione e Joãozinho Trinta, Emilinha Borba, o acrioca João Donato, o paraensioca Billy Blanco, o paulistioco maestro Erlon Chaves, e as cantoras paulistiocas irmãs Dircinha e Linda Batista, Paulo Gracindo, Tônia Carrero, Cecil Thiré, Odete Lara, Norma Benguel, Zilca Salaberry, Wilza Carla, Herivelto Martins, a paulistioca Dalva de Oliveira, Jece Valadão, o carioca da Moldávia Samuel Wainer, e o ucranioca Adolfo Bloch, o espiritioca Carlos Imperial, os campeoníssimos do Botafogo Carvalho Leite, Nilton Santos, Gerson, Jairzinho e Paulo César Caju, Elton Medeiros, Arlindo Cruz, Almir Guineto, Dudu Nobre, Jorge Aragão, Bira Presidente, Jovelina Pérola Negra, Wilson Simonal, Paulinho da Viola, Zico, Roberto Dinamite, Aldir Blanc,Herbert de Sousa, Henfil, Dolores Duran, Maysa Matarazzo, Elizeth Cardoso, Ronaldo Bôscoli, as irmãs vitoriocarioquíssimas Nara e Danuza Leão, Sylvinha Telles, Carlinhos Lira, Roberto Menescal, o Paulistioca Luiz Carlos Miele, Carlinhos de Jesus, Ana Botafogo, Tim Maia, Jorge Ben Jor, Erasmo Carlos, Zé Kéti, Baden Powell, Gonzaguinha, Paulo Silvino, Cazuza, Rogéria, Roberta Close, Clóvis Bornay, Ibrahim Sued, Jorginho Guinle, Augusto Boal, Miguel Falabella, Cláudia Jimenez, Marília Pêra, Marcelo D2, Anita, Ludmila, Claudinho & Buchecha, Fernanda Abreu, Evandro Mesquita, Mussum, a cearensioca historiadora Isabel Lustosa, Toni Garrido, Zezé Motta, os Mineiriocas Milton Gonçalves, Grande Otelo, o  mineirioca Aguinaldo Timóteo (batafoguense) e Carlos Drummond de Andrade, Marielle Franco, e Nélida Cuiñas Piñon, para citar apenas pouco mais de 160 grandes nomes, numa lista que caberia mais outros 160 que os leitores e parentes vão me perdoar a omissão dos seus nomes vez que todos eles formataram a leve alma carioca que serve de referência à brasilidade.   

Esses, juntamente com tantos outros anônimos cariocas que lutam pela vida honestamente, me representam como artífices da cidade maravilhosa; esses outros do noticiário criminal de ontem e de hoje apenas me repugnam. (por Dalton Rosado) 

sábado, 6 de abril de 2024

O ZIRALDO (1932-2024) FARÁ MUITA FALTA! COM ELE APRENDEMOS QUE UM QUADRINHO VALE MAIS DO QUE MILHARES DE PALAVRAS.

Quando a ditadura policiava o humor sobre temas brasileiros,
Ziraldo dava o recado nos quadrinhos sobre a Guerra do Vietnã

Outra válvula de escape: zoar aquele moralismo rançoso a nós imposto
Menino Maluquinho: o Filme (1995), dirigido por Helvecio 
Ratton, com roteiro do próprio Ziraldo, marcou a estreia
nas telas do seu personagem mais famoso.

A MÚSICA DO DIA É PARA ESSE NOVO PADIM CIÇO, O MISSIONÁRIO LULA, DA IGREJA DA SALVAÇÃO DO PRESTÍGIO MINGUANTE!

Tony Mackey, criador e líder do grupo Exuma.  
Vi na imprensa que o Lula, quando lia a última pesquisa sobre a queda de sua popularidade, repentinamente encontrou a luz. E, após passar por tal transe místico, não parou mais de falar em Deus e milagre

Em Arcoverde (PE), conseguiu o assombro de referir-se a essas duas novas obsessões 35 vezes em 25 minutos! Parece ter-se tornado um devoto fanático da Igreja da Salvação do Prestígio Minguante...

O blog gostaria de dedicar-lhe uma música, mas, por questão de princípios, não aceita homenagear nem os pascácios que marcharam em favor do golpe de 1964, nem o gado que mugiu em apoio à intentona trapalhona de janeiro do ano passado. 

Para ficarmos bem longe das malditas polarizações, fomos buscar um grupo musical caribenho-estadunidense: o Exuma, formado no fim dos anos 60 por haitianos radicados em Nova York, tendo obtido razoável sucesso nas duas décadas seguintes. 

Como sua temática é essencialmente religiosa, deverá agradar ao missionário Lula... (CL)

sexta-feira, 5 de abril de 2024

USP ADOTA CRITÉRIOS RACISTAS AO CHECAR A NEGRITUDE DE APROVADOS PELAS COTAS

Al Jolson, ator branco que fez o papel de
negro no filme O Cantor de Jazz (1927)
As cotas raciais no ensino público estão gerando consequências tão desagradáveis quanto constrangedoras, como a constituição de uma banca na USP para determinar quem é realmente negro (e, portanto merecedor do favorecimento) e quem é oportunista tentando se passar por negro. 

Um candidato aprovado em 10º lugar em Medicina pelo Provão Paulista foi à Justiça e reverteu a decisão que impugnava sua negritude por ele possuir "pele clara, boca e lábios finos e cabelos raspados". 

Provocou arrepios. Da última vez em que se procurou definir a raça das pessoas por critérios desse tipo, os reprovados não perdiam vagas no ensino superior, perdiam a vida em campos de extermínio. 

Lamentável a USP dar tal contribuição para a retrocesso civilizatório em curso; esperava-se que reagisse ao emburrecimento e embrutecimento dos brasileiros, mas está se prostrando a ele. 

Agora, só falta colocar na entrada da Cidade Universitária o letreiro Arbeit macht frei, aquele que conhecemos sobretudo pelas imagens do campo de Auschwitz, mas estava também presente em muitos congêneres... (CL)
As voltas que o mundo dá: o cabelo pixaim já foi visto como desvantagem,
mas hoje tê-lo facilita o acesso a faculdades cujas vagas são disputadíssimas

quarta-feira, 3 de abril de 2024

A CINEBIOGRAFIA DE HANNAH ARENDT É UM TRIBUTO À DIGNIDADE DE UMA JUDIA QUE NÃO ABDICOU DO SEU ESPÍRITO CRÍTICO

Barbara Sukowa foi convincente como Hannah Arendt 
Não considero o filme Hannah Arendt uma obra-prima da sétima arte. 

Estou longe de ser um fã de carteirinha da diretora alemã Margarethe von Trotta, a quem avalio como inferior a outros cineastas que incursionaram pelo cinema político, como Costa Gravas, Damiano Damiani, Francesco Rosi, Gillo Pontecorvo e Giuliano Montaldo

Seu Rosa Luxemburgo, p. ex., ficou muito aquém da magnitude da personagem histórica que antecedeu Trotsky na firme rejeição dos componentes autoritários que acabariam por descaracterizar completamente a revolução soviética.  

Mas, o quarto de século transcorrido entre um e outro filme lhe fez bem (assim como à atriz Barbara Sukowa, muito melhor no de 2012 que no de 1986). 

Se na biografia cinematográfica da Rosa vermelha a von Trotta quis abarcar acontecimentos demais e não soube separar o fundamental do dispensável, em Hannah Arendt tomou a sábia decisão de restringir-se ao que realmente importava: a cobertura do julgamento de Adolf Eichmann e o fogo amigo que Arendt enfrentou por não ter abdicado do seu espírito crítico.

Judia alemã, ela se refugiara nos EUA e por lá ficou, tendo se tornado uma respeitada professora de filosofia,  autora de um livro famoso: Origens do totalitarismo.
Eichmann: "eu era um funcionário subalterno sem autonomia".

Quando agentes israelenses sequestraram o criminoso de guerra nazista na Argentina, em 1960, Arendt convenceu o jornal 
New Yorker a designá-la para a cobertura do julgamento de cartas marcadas que o Estado judeu encenaria para dourar a pílula da execução, confundindo justiça com uma vendetta subsequente a um ato de pirataria.

[As bestas-feras da Operação Condor teriam agido da mesmíssima maneira, mas sem o cinismo de tentarem legitimar a lei das selvas...]  

Embora não tivesse até então denunciado a ilegalidade e imoralidade intrínsecas àquela farsa judicial, Arendt recuperou-se ao destoar da linha justa israelense, que erigia Eichmann num monstro, com redobrado furor em função da má consciência: perseguidos durante milênios, os judeus, lá no fundo, sabiam muito bem que haviam cometido um erro terrível ao desrespeitarem a soberania de um país que nem inimigo deles era (a Argentina). 

Afora que, não tendo sido capturado em território israelense, Eichmann só poderia ser julgado por um tribunal internacional como o de Nuremberg.

Então, vilificavam-no ao máximo, da forma mais estridente possível, para abafar os tímidos posicionamentos discordantes. Começavam a incidir nas mesmas práticas que tanto haviam recriminado nos nazistas.
Arendt, contudo, teve a coragem moral de, nos seus artigos para o New Yorker (depois reunidos no livro 
Eichmann em Jerusalém - um relato sobre a banalidade do mal) apresentar o réu apenas como um burocrata medíocre, um pau mandado, um elo a mais da engrenagem totalitária.

[É como sempre vi os Ustras, Curiós e delegados Fleury: tão primários e tacanhos que nem sequer aquilatavam o quanto seus atos eram hediondos. Mereciam expiar seus crimes nos 30 anos de cativeiro que as leis brasileiras admitem, mas muito mais culpados foram os que tinham plena consciência do que faziam ao abrirem as portas do inferno. Refiro-me, claro, aos oportunistas como o Delfim Netto, que lhes retiraram as focinheiras ao assinarem o AI-5.]

Outra heresia, no bom sentido, de Arendt foi apontar a cumplicidade de alguns judeus com os carrascos: os chamados conselhos judaicos, na Alemanha e na Polônia, haviam ajudado os nazistas a confiscarem bens, arrebanharem as vítimas e as enviarem para os campos de concentração. Era uma informação que os israelenses preferiam omitir, por motivos propagandísticos óbvios.

Foi o suficiente para desabar uma tempestade de críticas sobre Arendt, que passou a ser tão estigmatizada pelos judeus (inclusive os progressistas), como, digamos, Joaquim Barbosa pelos petistas. Para quem nunca soube ou não se lembra, mesmo sendo um ministro do Supremo simpático aos ideais esquerdistas, ele manteve a imparcialidade no julgamento do mensalão, ao invés de empurrar os delitos companheiros para baixo do tapete.

Hannah Arendt foi de uma dignidade exemplar, não recuando um milímetro. 

Daí merecer hoje nosso enfático reconhecimento, não só por pela relevância e atualidade de sua obra, mas também por haver sido uma pensadora que teve o vislumbre do ovo da serpente sionista e se manteve fiel a sua visão libertária, resistindo às fortíssimas pressões oriundas do seu círculo. 

Se dependesse dela, Israel teria continuado a ser o dos kibutzim, não o dos pogroms. (por Celso Lungaretti)

segunda-feira, 1 de abril de 2024

O COMPLÔ QUE MATOU JOHN KENNEDY ABRIU CAMINHO PARA O GOLPE NO BRASIL

Eu vou! Eu vou! Eu vou derrubar o governo, agora eu vou! Pararatimbum, pararatimbum!
O esquema dos golpistas de 1964 vinha sendo montado desde a década anterior, mas ainda não estava pronto quando da renúncia do presidente Jânio Quadros em agosto de 1961. 

Os conspiradores nela viram, contudo, uma oportunidade de queimar etapas e resolveram precipitar as coisas: convenceram os comandantes das três Armas a tentarem impedir a posse do vice-presidente legal (João Goulart), que estava ausente, visitando a China em missão oficial. 

Como o afobado come cru, eles foram derrotados:
— pela resistência do governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, que passou a conclamar o Brasil inteiro a não permitir a usurpação de poder, utilizando para tanto uma rede de emissoras de rádio que se formou espontaneamente  (a Rede da Legalidade);
O governador corajoso e o general legalista foram
decisivos para evitar que o golpe ocorresse já em 1961
  
— pela decisão do comandante do III Exército (RS), o general legalista Machado Lopes, de colocar-se ao lado de Brizola, passando, portanto, a existir a ameaça de militares combaterem uns aos outros, hipótese que sempre horrorizou nossas Forças Armadas; e
— pela firme oposição de cabos e sargentos do Exército e Marinha ao golpe, criando outra divisão entre os fardados.

A crise acabou com a solução conciliatória de se dar posse a Goulart mas instituir-se o parlamentarismo, de forma que os poderes presidenciais foram momentaneamente reduzidos (o plebiscito de janeiro de 1963, contudo, restabeleceu o status quo ante).

Os conspiradores, face ao fracasso inicial, tiveram de repensar todo seu planejamento. Desfecharam perseguições nos quartéis, isolando e transferindo para unidades distantes os líderes dos subalternos que haviam se colocado contra o golpe, enquanto o pusilânime Goulart nada fazia para proteger quem lhe havia sido leal.

E, percebendo que careciam de algum respaldo na coletividade, partiram para a conquista do apoio da classe média conservadora, contando para tanto com o apoio do clero reacionário e de entidades anticomunistas como a TFP e a TFM.  
Goulart só desistiu de agradar ao oficialato, tomando o
partido dos subalternos, quando já era tarde demais.
  
[
Afora a mãozinha estadunidense, com a enxurrada de investimentos em Bolsa de Valores, suficiente para forjar o boom econômico de curta duração conhecido como milagre brasileiro.]

Os viradores de mesa só se considerariam prontos para nova tentativa 20 meses depois. 

O passo final foi a conquista da caserna, empreitada facilitada pelo apoio crescente que passaram a ter da classe média (afinal, os oficiais eram majoritariamente dela oriundos) e pelos préstimos de provocadores como o marinheiro de 1ª classe Anselmo (erroneamente apelidado de cabo), que radicalizaram ao máximo a insubordinação dos cabos e sargentos das Forças Armadas contra o oficialato. 

[Meu saudoso companheiro na VPR, o José Raimundo da Costa, dito Moisés, era um dos líderes dos marujos e nunca quis acreditar que Anselmo fosse um infiltrado, embora já existissem suspeitas. Pagou com a vida por seu apreço pelo colega de antigas jornadas.]

O que os oficiais mais prezam é sua autoridade. E, dias antes do golpe, a viram estridentemente ultrapassada por Jango. É que, com o mandato cada vez mais ameaçado, Goulart havia finalmente descido do muro, daí ter ousado proibir a prisão de marinheiros e fuzileiros navais responsáveis por uma comemoração levada a efeito depois de vetada pelos escalões superiores. Foi a gota d'água: o oficialato alinhou-se em massa com o golpe.
Lyndon Johnson, com seu chapéu de cowboy: o
 homem errado, no lugar errado, na hora errada
 

A ruptura da ordem legal 
àquela altura já estava sendo amplamente requerida pelos capitalistas e latifundiários, além de endossada por Lyndon Johnson, que herdou a presidência após John Kennedy ser assassinado por um fogo cruzado até agora atribuído oficialmente a um único aturador (seria o Lee Oswald um homem-polvo?!).  

A CIA favorecia e financiava os conspiradores havia muito tempo, mas John Kennedy, caso tivesse sobrevivido ao atentado de Dallas, dificilmente lhes daria sinal verde. 

Vale lembrar que ele não autorizou a disponibilização de cobertura aérea para a invasão da Baía dos Porcos, crucial para o sucesso da empreitada, mas que deixaria as digitais dos EUA impressas numa flagrante interferência na política interna de um país soberano (Cuba). 

A posse em 22 de novembro de 1963 de Johnson, um caipirão texano que obviamente comeria na mão da CIA, significou a remoção de um importante obstáculo para o golpe brasileiro, tanto que, a partir daí, só transcorreram 130 dias até Olímpio Mourão Filho começar a descer a BR-3 (hoje rodovia BR-040) com suas tropas, iniciando a quartelada.

Anticomunista com carteirinha assinada e falsário desmascarado em vida (forjou o chamado Plano Cohen para alavancar a instalação do Estado Novo em 1937), Mourão antecipou-se por alguns dias ao cronograma dos conspiradores históricos, mas nada lucrou com isto: o poder não ficou com o ejaculador precoce, mas sim com o esquema golpista que vinha sendo laboriosamente montado desde a década anterior.   

Tão vergonhosa foi a facilidade com que um aventureiro desprestigiado na própria caserna e seus recrutas imberbes derrubaram Goulart que a esquerda entrou num longo processo de crítica e autocrítica, do qual decorreram 
o colapso da hegemonia do PCB e a ascensão da luta armada como principal forma de resistência à ditadura após a assinatura do AI-5. (por Celso Lungaretti) 

domingo, 31 de março de 2024

60 ANOS DO GOLPE, A ESQUERDA PERDEU SEM LUTAR. REPETIREMOS A HISTÓRIA?

 

Dispenso-me de entrar nos detalhes sobre a inação generalizada. Nenhuma das lideranças operárias e nacionalistas mostrou audácia e iniciativa de luta. Todos ficaram à espera do comando do Presidente da República. Fracassaram não só os comunistas, mas também Brizola, Arraes, Julião e os generais nacionalistas. Jango não quis a luta, receoso de que a direção política lhe escapasse e se transferisse às correntes de esquerda. Colocou a ordem burguesa acima de sua condição política pessoal. Assim se deu a quarta e última queda da liderança populista. 

No dia 31 de março, a situação não era ainda favorável aos golpistas do ponto de vista estritamente militar. Teria sido possível paralisar o golpe se, ao menos, alguma ação viável de contra-ofensiva imediata fosse empreendida. Sabe-se que Lacerda só contava cm defesa muito precária no Palácio Guanabara. A tomada do Palácio pelos fuzileiros navais seria operação relativamente rápida e de enorme repercussão moral. O mesmo efeito de paralisia teria a dispersão dos recrutas, que desciam de Minas, por uma esquadrilha de aviões de bombardeio. A força-tarefa naval dos Estados Unidos, mobilizada no Caribe pela operação chamada Brother Sam, não alcançaria Santos antes do dia 11 de abril. Não trazia contingentes de desembarque e seu objetivo era o do efeito de demonstração e o de apoio aos insurretos com armas, munições e combustível, na previsão de guerra civil prolongada. Já envolvidos na escalada da guerra do Vietnã, não seria fácil aos Estados Unidos manter uma segunda frente no Brasil. Havia tempo para preparar condigna recepção de repúdio à força-tarefa norte-americana, tanto do ponto de vista militar como da mobilização das massas populares. 

Ao colocar suas fichas em Jango, a esquerda
apostou no cavalo errado e o fim foi trágico

Tornou-se corrente na literatura acadêmica a assertiva de que, no pré-64, inexistiu verdadeira ameaça à classe dominante brasileira e ao imperialismo. Os golpistas teriam usado a ameaça apenas aparente como pretexto a fim de implantar um governo forte e modernizador. 

A meu ver, trata-se de conclusão positivista superficial derivada de visão estática das coisas. Segundo penso, o período de 1960-1964 marca o ponto mais alto das lutas dos trabalhadores brasileiros neste século [20], até agora. O auge da luta de classes, em que se pôs em xeque a estabilidade institucional da ordem burguesa do direito de propriedade e da força coercitiva do Estado. Nos primeiros meses de 1964, esboçou-se uma situação pré-revolucionária e o golpe direitista se definiu, por isso mesmo, pelo caráter contra-revolucionário preventivo. A classe dominante e o imperialismo tinham sobradas razões para agir antes que o caldo entornasse. 

A hegemonia da liderança nacionalista burguesa, a falta de unidade entre as várias correntes, a competição entre chefias personalistas, as insuficiências organizativas, os erros desastrosos acumulados, as ilusões reboquistas e as incontinências retóricas - tudo isso em conjunto explica o fracasso da esquerda. Houve a possibilidade de vencer, mas foi perdida

Gorender
Mais grave é que foi perdida de maneira desmoralizante. Com a definição incontestável no dia 1º de abril, já no dia 3 a operação Brother Sam era desativada no Caribe. Os generais triunfantes proclamaram que o Ocidente ganhou no Brasil formidável vitória a baixíssimo custo. (Jacob Gorender, historiador e antigo membro do PCB)

A passagem acima consta do livro "Combate nas Trevas", escrita por Jacob Gorender e publicado em 1987, logo após o fim da ditadura, portanto. Trouxe a citação para lembrar de duas coisas que pouco se abordam quando se fala no golpe militar de 1964: as contradições de João Goulart e o equívoco da esquerda. 

Na realidade, as duas coisas estão juntas, pois o equívoco da esquerda, particularmente do PCB, a levou a colocar suas fichas em João Goulart, praticamente o transformando na liderança principal dos movimentos populares que pipocavam país afora à época. Jango, contudo, não tinha nenhum plano de levar adiante uma revolução, antes buscava consolidar seu poder pessoal, tendo passado praticamente todo o triênio 1961-64 tentando o apoio de forças conservadoras e balançando ora à esquerda, ora à direita, se decidindo por um aceno maior à esquerda apenas quando as portas à direita foram decisivamente fechadas. 

A crença da esquerda na institucionalidade, personalizada no presidente, fez com que ela fosse pega de surpresa quando os golpistas se colocaram em marcha. Mesmo com um poderio reduzido, o golpe pode avançar triunfante pois não houve resistência digna desse nome e o presidente preferiu a capitulação, soltando sua patética frase de que "não desejava uma guerra civil no Brasil"

Os golpistas poderiam ter sido derrotados,
mas faltou organização para resistir

Na verdade, os acontecimentos do pré-64 e do golpe revelam não apenas o comportamento da esquerda brasileira no período, mas também uma constante em sua história: a acomodação com forças conservadoras visando soluções institucionais para as crises. Sempre quando as classes trabalhadoras avançam no possível caminho da ruptura, a esquerda entra em cena para restabelecer o velho pacto de conciliação.

Os resultados são as soluções conservadoras para as crises brasileiras, como exemplificado no processo do fim da ditadura, com as massivas greves, e os levantes de Junho de 2013. Na primeira, as mobilizações dos trabalhadores terminaram na farsesca Diretas Já, na eleição indireta e finalmente na Constituinte, dando a luz a uma democracia capenga e limitada. Junho de 2013, por sua vez, foi equacionada no Impeachment e na eleição de Lula 3 em aliança com as forças do atraso. 

O futuro vai repetir o passado?
A única exceção ao comportamento da esquerda parecem ter sido as guerrilhas que não aceitaram qualquer tipo de atitude conciliatória e colocaram o caminho revolucionário de forma inequívoca. Tragicamente, ficaram isoladas do conjunto da população no contexto do milagre econômico, induzido pela ditadura justamente para enfraquecer as oposições ao regime. 

Hoje assistimos de novo a esquerda acreditar nos dispositivos institucionais, na fé legalista das Forças Armadas e no presidente da república, enquanto Lula vai ampliando seu pacto conservador, fortalecendo as forças direitistas e esvaziando a esquerda. Tomara que dessa vez os erros não tenham o mesmo final trágico. (por David Emanuel Coelho) 




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